Jornalismo sindical e anarquismo: as origens do movimento operário no Brasil

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11 min readJun 22, 2019

Com participantes Europeus ativos, a imprensa sindical deu seus primeiros passos no início do século XX com greves nacionais

Jornais sindicais surgiram com o propósito de divulgar ideias de classes para trabalhadores. (Foto: Jon S/Flickr CC)

Por André Cardoso

Para se ter a melhor compreensão sobre como surgiu a imprensa sindical-operária no Brasil no começo do século XX, precisa-se voltar alguns anos antes, para a Europa. Movimentos sociais em torno dos trabalhadores, como o comunismo e, principalmente em termos sindicalistas, o anarquismo, nasciam da frustração do proletariado com a globalização do capitalismo, providos pela Segunda Revolução Industrial, iniciada por volta de 1850. Em 1871, surge a Comuna de Paris. Considerado o primeiro movimento operário da história, uniu as duas ideologias (que diferem em aspectos sociais e estruturais, mas buscam, basicamente, o mesmo objetivo) em uma luta sangrenta, que ocasionou em 30 mil mortos.

Os anarquistas, foco deste artigo, continuaram a realizar manifestações em diversos locais do mundo no final do século XIX até que, em 1907, Amsterdã recebeu o Congresso Internacional Anarquista. O encontro acabou por definir como os sindicatos seriam considerados dali para a frente, como lembra GUÉRIN (1976): o Congresso Anarquista Internacional considera os sindicatos ao mesmo tempo como organizações de combate, em vista da melhoria das condições de trabalho, e como uniões de produtores que possam servir para a transformação da sociedade capitalista em uma sociedade comunista anarquista.

Foi a chegada desses membros, oriundos da migração em massa feita pelos europeus para a América do Sul, que trouxe os precursores da formação da imprensa sindical no Brasil. Seus ideais foram passados para a população brasileira através de periódicos e da propaganda feita por veículos sindicalistas. O auge dessa atuação foi o começo do século XX, com a convocação de greves nacionais entre os operários.

Mas será que ainda existem veículos que continuam com este viés?

O início da imprensa sindical

A chegada dos imigrantes europeus, vindos por exílio político ou por outros motivos, determinou o marco inicial da imprensa sindicalista no Brasil. Segundo Álvaro Mendes em “Breve história da imprensa sindical no Brasil”, os operários, principalmente italianos, vieram para desenvolver a consciência política dos trabalhadores brasileiros. Ainda citando Mendes, “a entrada em cena dos imigrantes anarquistas e suas atividades é tida como o início da etapa mais importante na história do operariado brasileiro”.

Grande parte destes imigrantes eram os já citados anarquistas. A palavra anarquia, que em certos casos é interpretada como sinônimo de baderna e de confusão, na verdade significa uma posição política: o governo não deve interferir na vida dos seus indivíduos. Aliás, o Estado nem deve existir. Segundo seu criador, o francês Pierre-Joseph Proudhon (1809/1865), o capitalismo é a “exploração do homem pelo homem”. Para suprir as necessidades que o Estado, em governos modernos, oferece a seus cidadãos, o anarquismo crê na autogestão e no indivíduo como um sujeito livre para viver em harmonia. O Estado, em sua visão, só responde com corrupção e com o reforço à opressão e à dominação sobre a classe oprimida.

A diferenciação entre comunismo e anarquismo gera discussões desde as reuniões calorosas da Primeira Internacional (representação operária fundada em 1864). Discutida por dois de seus maiores pensadores — Karl Marx, cofundador do comunismo, e Mikhail Bakunin, discípulo de Proudhon — seus embates eram tamanhos que, em 1872, Bakunin foi expulso da organização por Marx e seus seguidores. O ponto que o anarquista ponderava se comprovou em seus anos subsequentes: o comunismo prevê a ditadura do proletariado como um governo de transição para superar o modo de produção capitalista e, segundo Bakunin, “se você pegar o mais ardente revolucionário, e investi-lo de poder absoluto, dentro de um ano ele seria pior que o próprio czar”, fazendo-se entender que o poder corrompe o homem, não importa sua classe.

Foram espanhóis, portugueses e, principalmente, italianos influenciados por esse pensamento que desembarcaram no Brasil. No entanto, anteriormente, haviam associações entre os escravos, iniciando uma organização entre os trabalhadores que pode ser vista como pioneira no cenário do país. O anarco-sindicalismo se popularizou e levou a luta por direitos trabalhistas para as ruas e para os jornais.

Jornais, estes, criados por eles. O ponto alto da sua atuação, como diz Mendes, “ocorreu aproximadamente entre 1906 e 1920”. O Brasil, um pouco antes desse período, passou por uma industrialização em massa. Em 1889, 600 estabelecimentos industriais estavam operando. Esses estabelecimentos, pertencentes à classe burguesa traficante de escravos, receberam os imigrantes europeus, que trouxeram a consciência de classe para os trabalhadores brasileiros. Com isso, grupos de jornais e propaganda foram criados para disseminar o ideal.

La Battaglia

Segundo Edgar Rodrigues no livro “História do Movimento Anarquista no Brasil”, pela fronteira com o Brasil com o Uruguai entrava clandestinamente, alcançando São Paulo, o anarquista italiano Oreste Ristori. Após contatos com anarquistas imigrantes, em 26 de janeiro de 1904 começou a publicar o semanária La Bataglia — que circulou sem interrupção até agosto de 1913, embora, a partir de setembro de 1912, o jornal tenha alterado o nome para La Barricata.

O sucesso era tamanho que, em seu auge, a tiragem do jornal chegava a 5.000 exemplares. Conforme Luigi Biondi em “Anarquistas italianos em São Paulo”, “a estratégia de propaganda do jornal concentrou-se sobretudo nas críticas às duras condições de vida e de trabalho das classes populares italianas no estado de São Paulo, seja no campo, seja na cidade”. As críticas do La Battaglia tinham por objetivo fazer com que os imigrantes italianos evitassem ao máximo suas vindas ao Brasil. Em um artigo de 1906 contra a imigração, o jornal relata o seguinte, segundo Biondi: “Ristori adota o critério dedutivo de partir de uma análise geral da economia e das instituições, para depois se aprofundar numa análise particular da fazenda e da fábrica. Para Oreste Ristori, se nas plantações reinava uma exploração de tipo semifeudal, a causa devia ser procurada na sociedade brasileira, dominada por uma elite escravista e pelo clero, o qual constituía a base cultural desta sociedade, graças à sua função pedagógica”.

Como dito anteriormente, para o anarquismo, o Estado é uma fonte de repressão e de discriminação e isso era evidenciado pelo tratamento das autoridades perante os imigrantes. A polícia usava sua força para afetar a vida destes não só em manifestações e greves, mas no dia a dia também. Essa violência vinha do Estado e se evidenciou em um, entre vários episódios. Em 1906, os ferroviários da Companhia Paulista entraram em greve e foram reprimidos por um contingente de mil soldados federais. O jornal logo se manifestou, dizendo que a cultura escravocrata brasileira não permite que os trabalhadores sejam vistos como ser humanos com direitos, mas sim indivíduos que não têm direito a nada.

A Voz do Trabalhador

Veículo de comunicação oficial da Confederação Operária Brasileira, o jornal A Voz do Trabalhador chegou a ter 4 mil exemplares de tiragem mensal. A Confederação Operária Brasileira (COB) foi a primeira organização a unir o movimento operário no Brasil e atuar com alguma relevância. E a ferramenta para alcançar esses objetivos era o periódico anarcossindicalista, criado em 1908.

A principal temática do jornal era a relação entre anarquismo e sindicalismo. Outros assuntos abordados eram a repressão policial, a vida dos trabalhadores, ao teatro e a literatura brasileira. A redação do veículo de comunicação ficava no Rio de Janeiro. Um de seus fundadores foi Neno Vasco, figura importante para o movimento no país e no mundo, criador do hino de libertação “A Internacional”, difundido em diversas línguas. Outro ilustre membro do quadro de colaboradores do jornal foi Lima Barreto. O romancista da fase do Modernismo na literatura brasileira escreveu uma crônica intitulada “Palavras de um snob anarquista”, se posicionando contra o governo, que atuou na repressão completa dos imigrantes europeus acusados de anarquismo. O jornal teve duas fases: de 1908 a 1909 a publicação era mensal. De 1913 a 1915, quinzenal.

A Lanterna

Surgido em março de 1901, o jornal A Lanterna foi um dos poucos de periódicos que ainda se mantiveram relevantes durante a era Vargas (1930/1954). Ao total, foram três fases distintas: dirigido por Benjamin Mota (jornalista anarquista fundador do jornal), até 1904. Volta à ativa em 1909, gerido pelo amigo de Benjamin, Edgard Leuenroth, figura essencial para o movimento no Brasil e fundador de diversos jornais durante a Primeira República (1889/1930). O jornal deixou de circular um ano antes da greve de 1917 e retomou suas atividades em 1933, novamente com Edgard.

A temática principal do jornal era a pregação do anticlericalismo. No auge de sua popularidade, chegou a ter uma tiragem de 10 mil exemplares. Segundo Cristina Aparecida Reis Figueira, no artigo “A trajetória de A Lanterna — anticlerical e de combate (1901–1917): um lugar de memória da propaganda social anarquista”:” A tiragem de A Lanterna é bastante significativa, dadas as dificuldades a que estava sujeita toda a imprensa operária do início do século passado. Os entraves financeiras e a repressão social eram ingredientes que comprometiam a regularidade das publicações da imprensa operária, porém, o dados da pesquisa a respeito da tiragem de A Lanterna demonstram que o periódico é singular no que diz respeito a sua organização e resistência”.

A Lanterna foi um dos jornais que se manteve até a greve de 1917. (Foto: Arquivo Público do Estado de São Paulo)

A greve de 1917

Outro acontecimento importante na história do Brasil que contou com a participação ativa dos anarquistas e de seus veículos foi a greve geral de 1917. Ocorrida, principalmente, em São Paulo (depois chegou ao Rio Grande do Sul e ao Rio de Janeiro), lutava contra a exploração do imigrante europeu nas fazendas de café paulistas. A mão de obra escrava e infantil, as jornadas de 13 horas trabalhadas e as condições precárias de trabalho foram aumentando a revolta. O movimento foi crescendo de acordo com a politização dos trabalhadores, que começou no século passado, vinda, justamente, com os imigrantes e seus ideais libertários. Há de se lembrar que 1917 foi o ano da revolução russa. A mídia alternativa criada pelos anarquistas foi a responsável por trazer as notícias para os trabalhadores brasileiros.

O primeiro movimento da greve foi feito pelos operários do Cotonifício Rodolfo Crespi e, com o passar dos dias, passou a contar com a adesão dos trabalhadores de fábricas têxteis, de bebidas, indústrias de móveis, entre outras. No entanto, a repressão da polícia do governo Venceslau Brás (194/1918) fez uma vítima: o jovem espanhol José Martinez. Sua morte foi o estopim para o endurecimento da greve. O acompanhamento de seu corpo até o cemitério foi, segundo Edgard Leuenroth, “uma das mais impressionantes demonstrações populares até então verificadas em São Paulo”. Ao total, estima-se que 70 mil trabalhadores pararam suas atividades durante a greve.

As ruas de São Paulo reuniram grande número de pessoas na greve de 1917. (Foto: Wikimédia Commons)

Em entrevista à BBC Brasil para a reportagem “1ª greve geral do país, há 100 anos, foi iniciada por mulheres e durou 30 dias”, realizada pela jornalista Camila Costa, o historiador italiano radicado no Brasil Luigi Biondi, da Unifesp, comentou: “Em julho, a greve parou a cidade (São Paulo). Havia embates de rua e tentativa de saques aos moinhos que produziam farinha por causa da crise de abastecimento. Muitos foram mortos e feridos nos confrontos com a polícia”.

Abaixo, seguem as exigências feitas pelos operários ao governo, segundo o Projeto Memória de Rui Barbosa:

  • Que sejam postas em liberdade todas as pessoas detidas por motivo de greve;
  • Que seja respeitado do modo mais absoluto o direito de associação para os trabalhadores;
  • Que nenhum operário seja dispensado por haver participado ativa e ostensivamente no movimento grevista;
  • Que seja abolida de fato a exploração do trabalho de menores de 14 anos nas fábricas, oficinas etc.;
  • Que os trabalhadores com menos de 18 anos não sejam ocupados em trabalhos noturnos;
  • Que seja abolido o trabalho noturno das mulheres;
  • Aumento de 35% nos salários inferiores a $5000 e de 25% para os mais elevados;
  • Que o pagamento dos salários seja efetuado pontualmente, cada 15 dias, e, o mais tardar, 5 dias após o vencimento;
  • Que seja garantido aos operários trabalho permanente;
  • Jornada de oito horas e semana inglesa;
  • Aumento de 50% em todo o trabalho extraordinário.

Um mês após a paralisação no Crespi, as autoridades entraram em negociação com os operários e o encontro foi mediado por jornalistas da época. Um aumento de salário imediato foi a solução acordada. No entanto, como relata o historiador Claudio Batalha, da Unicamp, “o que acontecia muitas vezes na época é que algo era obtido com uma greve, passava-se algum tempo e essa reivindicação voltava para nada”. A consolidação dos direitos só veio em 1943, com Getúlio Vargas.

Um veículo se destacou na cobertura da greve: o jornal A Plebe. Sua primeira edição foi em 9 de junho de 1917 e seu encerramento se deu 32 anos depois. Seu principal editor foi o já citado Edgard Leuenroth, fundador de diversos jornais, como o A Lanterna. Segundo Kauan Willian Santos em seu trabalho de conclusão “O jornal A Plebe: militância e estratégias de propaganda anarquista no movimento operário em São Paulo (1917–1920)”, “o periódico A Plebe saía possivelmente aos sábados e apresentava quatro páginas que perpassavam por diferentes tipos de críticas em diversos setores da sociedade”.

Usando o exemplo da revolução russa que, mesmo socialista, era uma revolução que prezava pela liberdade individual, o jornal pregava a ida dos operários à greve. Mantendo a crítica à Igreja feita pelo seu jornal anterior, o novo periódico de Edgard despejava críticas ao militarismo e patriotismo brasileiros. A coluna “Mundo Operário” abordava as principais pautas dos trabalhadores e os incitava para lutar por melhores condições. Outra pauta recorrente no jornal e em todo ambiente anarquista da época era a alfabetização dos operários. O apoio à Escola Moderna (movimento que pregava a pedagogia libertária) e ao autodidatismo tomou conta das páginas do periódico. Essas vias surgiam como alternativa à educação imposta pelo Estado e pela Igreja.

No auge da greve, Edgard foi preso e o jornal parou de circular momentaneamente. Após a greve e com o surgimento do Partido Comunista Brasileiro, em 1922, os anarquistas foram substituídos pelos comunistas. Para o militante anarquista Edgar Rodrigues, o enfraquecimento do movimento decorreu da expulsão dos anarquistas. Parte dessa expulsão veio pela Lei Adolfo Gordo, promulgada em 1907. Em seu livro “O Movimento Operário na Primeira República”, o historiador Claudio Batalha cita que, entre 1908 e 1921, 556 imigrantes foram expulsos do país por suas atuações políticas de esquerda.

Outro historiador importante, Edgar Rodrigues, localiza o fim da grande influência do anarquismo e da imprensa anarcossindicalista no Brasil, a partir de 1935. Já para Francisco Foot Hardman, o advento do imperialismo e do capitalismo monopolista acabou com os últimos vestígios dos sindicatos democráticos, que seriam uma forma de organização peculiar ao capitalismo concorrencial.

Fontes:

BATALHA, Claudio. O Movimento Operário na Primeira República. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000.

BIONDI, Luigi. Anarquistas italianos em São Paulo. O grupo do jornal anarquista ‘La Battaglia’ e a sua visão da sociedade brasileira: o embate entre imaginários libertários e etnocêntricos. Cadernos Arquivo Edgard Leuenroth (UNICAMP), Campinas (SP), v. 5, n.8/9, p. 117–147, 1998.

BORIS Fausto. Trabalho Urbano e Conflito Social. Editora Difel, 1977, p. 92 & 93

COSTA, Camila (28 de Abril de 2017). «1ª greve geral do país, há 100 anos, foi iniciada por mulheres e durou 30 dias». Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-39740614 BBC Brasil. Consultado em 02 de Dezembro de 2018

FIGUEIRA, Cristina Aparecida Reis. A trajetória de A Lanterna — anticlerical e de combate (1901–1917): um lugar de memória da propaganda social anarquista. Pontifícia Universidade Católica — PUC/ São Paulo, 2003.

MENDES, Álvaro. Breve história da imprensa sindical no Brasil. Cadernos da Comunicação. Série estudos — 14. Rio de Janeiro: Secretaria Especial de Comunicação Social, 200

RODRIGUES, Edgar. História do Movimento Anarquista no Brasil. Ateneu Diego Giménez, 2010.

SANTOS, Kauan Willian. O jornal A Plebe: militância e estratégias de propaganda anarquista no movimento operário em São Paulo (1917–1920). Guarulhos, 2013.

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