Jovens democratas não querem Biden no poder, querem Trump fora

O que há por trás de um voto em Joe Biden, em uma eleição polarizada e um momento em que a política é um dos principais interesses da juventude progressista

Hugo Bordas
Redação Beta
9 min readOct 4, 2020

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Biden e Kamala comemorando a candidatura (Foto: Acervo da campanha Biden-Harris)

As eleições estadunidenses ocorrem no dia 3 de novembro e, após primárias difíceis para os democratas, Joe Biden será candidato pelo partido. Porém, com as novas gerações cada vez mais envolvidas na política doméstica e nos movimentos sociais, Biden ainda precisa lutar para conquistar esses votos. Esses jovens eleitores democratas muitas vezes não apoiaram a candidatura de Biden, mas o veem como a única saída para tirar Trump do poder.

Com um sistema político baseado na polarização, os Estados Unidos chegaram ao ápice de sua divisão sociopolítica com a eleição de Donald Trump em 2016, o que trouxe à tona diversas falhas sistêmicas que passaram a ser muito mais discutidas e confrontadas. Ao longo dos quatro anos de Trump no poder com a sociedade estadunidense passando por uma ruptura política, a juventude local, especialmente democrata, teve um papel essencial na luta contra os discursos do presidente e o sistema político como um todo. Esse processo trouxe um novo momento para o país, em que a juventude passou a liderar e a debater processos políticos e as questões sociais voltaram a ser o centro do diálogo, uma vez que a precária administração Trump explicitou as falhas no sistema de saúde, no racismo estrutural e nas questões de imigração.

Portanto, é esperado que as eleições de 2020 trarão um fator de certa forma inédito: o considerável envolvimento dos jovens, direta ou indiretamente. Porém, nem todos os jovens democratas endossam Biden, pelo contrário, o candidato não era popular dentre os eleitores dessa faixa etária nas eleições primárias e ainda segue sendo visto com desconfiança por muitos.

A “elegibilidade” de Joe Biden

Para John Wood, estudante da University of California Berkeley e eleitor democrata, não é segredo que Biden nunca foi muito popular com os jovens. O efeito polarizador de Trump faz com que os eleitores ou o amem, ou o odeiem. O mesmo não acontece com o candidato democrata por este ser uma figura mais estável, que acaba abrindo espaço para maior apoio popular, especialmente daqueles que apenas querem Trump fora da Casa Branca.

Portanto, devemos analisar o fator de elegibilidade — eligibility, conceito que se refere ao potencial eleitoral de cada candidato relacionado à nomeação de Biden, precisamente nesta eleição, uma vez que o partido democrata está mudando e de certa forma se aproximando da esquerda, porém segue com critérios pouco progressista de elegibilidade.

“Acredito que o conceito de elegibilidade é extremamente interessante na política estadunidense pelo fato de as pessoas normalmente não associarem elegibilidade com o fato de vencer a eleição, mas sim que elas têm ideias de que candidatos moderados são mais elegíveis”, ressalta Wood.

A questão está no fato de que mesmo com novos estilos de democratas como Bernie Sanders tendo bons resultados em eleições passadas, “nos últimos dois ciclos eleitorais, os eleitores democratas acabaram escolhendo candidatos mais moderados, como Joe Biden, que em sua campanha não apostou por políticas inovadoras, mas sim centralizou-a em derrotar Trump”, observa.

A possível saída de Trump é o que une os jovens progressistas (Foto: Reprodução / Facebook Donald J Trump)

“Também há nesta eleição o fato de que Joe Biden é um homem branco, e nunca foi dito em público algo como: ‘Deveríamos escolher Joe Biden para candidato por ele ser um homem de idade branco e que há certos eleitores nos EUA que são racistas e sexistas, que caso escolhêssemos uma mulher ou uma P.O.C. (Person of Color, termo usado para definir os não caucasianos) como candidata, esses eleitores votariam em Trump, porém tínhamos uma chance de ganhar esses votos se tivéssemos escolhido Biden pois ele é um homem de idade e branco’. Ninguém nunca disse isso, porém quando as pessoas falam sobre elegibilidade acredito que isso sempre esteve no fundo da mente delas”, avalia Wood.

Essa questão acaba sendo chave para a compreensão do que é elegibilidade e lida precisamente com a polêmica desse conceito. “Caso Biden perca, tudo que sabemos sobre elegibilidade deve mudar, uma vez que a mensagem de Biden sempre foi de que ele conseguiria derrotar Trump. Se ele não atingir isso, há provas suficientes de que não sabemos muito sobre quem é elegível e quem não é”, explica Wood.

A importância do voto jovem em novembro

A participação política dos jovens nos Estados Unidos não é algo tão tradicional, tanto pelas questões de voto não obrigatório, como pelo distanciamento de certos grupos das decisões governamentais. Porém, as novas gerações estão cada vez mais próximas de sua política doméstica, visto que estão mais envolvidas em movimentos sociais e em lutas em prol do clima, da igualdade racial e de gênero. Novembro de 2020 é o momento mais esperado pelos jovens eleitores democratas dos últimos quatro anos de administração Trump, uma vez que sentiram que o poder estará em suas mãos.

As primárias democratas de 2020 foram das mais interessantes já vistas, com representações socialistas com Bernie Sanders e candidatas mulheres como Elizabeth Warren e Amy Klobuchar, o que fez com que a juventude democrata estadunidense se dividisse. Isso fez com que a esperança dos jovens crescesse e a chance de ter um presidente menos tradicional nos moldes democratas fosse uma possibilidade. Quando Bernie deixou a campanha e Joe Biden ganhou as primárias, muitos jovens passaram a ver Biden como uma continuação do clássico sistema democrata (e consequentemente do sistema político federal). Ainda assim, esse modelo político, mesmo não sendo o favorito dos jovens, seria na visão deles melhor do que um segundo termo de Trump.

Jovens tiram uma selfie junto ao candidato no estado de Iowa (Foto: Acervo da campanha Biden-Harris)

“Os Estados Unidos viraram a nação em desenvolvimento que nós amamos controlar. Nosso país atualmente está numa condição de desinformação e aflição em massa por tudo que é factual e existente na realidade, porém não é como se essa fosse a minoria, esse é um grupo muito grande de pessoas que realmente acreditam em Trump. Queremos ganhar e ter certeza de que todos nossos eleitores estão votando, penso que estamos lutando pelo que nós mesmos acreditamos e no que acreditamos que esse país pode ser”, afirma Caspian Brock, adjunta da coordenadoria da campanha democrata graduada pela UCLA.

Caspian representa tanto a voz dos jovens democratas nas eleições quanto o papel da juventude estadunidense dentro de ambientes políticos, que cada vez mais procuram seu apoio para campanhas de incentivo ao voto. Dessa forma, são visíveis os esforços tanto dos jovens para se envolverem na política quanto dos próprios políticos que buscam o apoio das novas gerações.

“O trabalho que estamos fazendo é principalmente para ter certeza de que vamos ganhar, e certificar-se de que todos estão votando, e é isso que eu amo sobre meu trabalho, nós estamos pedindo para que as pessoas votem e não por doações. Acredito que a proteção dos direitos ao voto vai ser a chave para ganharmos, principalmente por Trump ter afirmado em múltiplas ocasiões que ele irá deslegitimar de qualquer maneira e forma os resultados destas eleições”, ressalta Brock.

Mia Piazzi é estudante do Fashion Institute of Technology e trabalhou como mesária nas eleições locais de Nova York em junho deste ano. “Acredito que nestas eleições há muito mais jovens envolvidos na política e buscando se educar sobre o assunto. Agora que meus colegas e amigos têm a idade suficiente para votar e esta será a primeira eleição de muitos, estamos nos informando muito mais”, destaca.

É nítido que as novas gerações que acabam de sair do ensino médio muitas vezes já possuem fortes opiniões acerca de política e tópicos sociais. Ainda assim, há a questão geográfica e de regiões historicamente democratas ou republicanas, que acaba tendo grande relevância para o interesse desses jovens, ressalta Piazzi.

“Durante as eleições locais que participei como mesária, vi um grande número de jovens votando, pois a maioria deles são democratas e essas eleições foram apenas entre candidatos desse partido. Acredito que em novembro veremos muitos jovens votando, e é uma ótima coisa, pois isso irá mostrar que estamos envolvidos na política e estamos expressando nossa voz por meio do voto”, afirma Piazzi.

Kamala Harris como vice

No dia 11 de agosto, foi anunciado que Joe Biden havia escolhido Kamala Harris como vice. A senadora da Califórnia e ex-candidata nas primárias democratas trouxe uma série de novos diálogos políticos e mudou a maneira com que muitos jovens viam a campanha de Biden. Kamala trouxe novos ares à campanha não apenas por ser uma mulher, mas por ser uma mulher negra e indiana graduada pela Howard University, uma das principais HBCU (Faculdades e Universidades Historicamente Negras) dos EUA.

Tweet de Biden anunciando Kamala Harris como sua vice (Foto: Reprodução / Twitter)

Hannah Bassette, ativista política estudante da Howard University, participa ativamente dos movimentos sociais em prol do movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam) e afirma que a escolha de Kamala como vice traz sentimentos mistos. “Por um lado sinto orgulho, obviamente por ela ser uma mulher negra em uma das posições mais altas do nosso país pela primeira vez, e também uma mulher negra da minha faculdade, o que parece uma forma de progresso. Por outro lado, estou familiarizada com o seu histórico como política, que demonstra que ela não luta por nós, e ‘por nós’ digo todos aqueles que estão enraizados na ideia de criar uma sociedade igualitária, principalmente por seu histórico no sistema penal”, ressalta.

O passado de Kamala como procuradora-geral da Califórnia trouxe diversas questões para jogo, principalmente nos olhares dos jovens. “Ela driblava o sistema para manter os presidiários presos por mais tempo, afirmava ser a favor da justiça restaurativa e da reforma da justiça criminal, porém não rejeitava os altíssimos preços de fiança e apoiava o sistema carcerário. Muito do que Kamala fez, por conta do efeito desproporcional que o sistema carcerário tem na população negra, afetou extremamente este grupo, e acredito que ela estava agindo pela lei e ordem da ‘boa cidadã’ estadunidense no jogo do voto branco”, afirma Bassette.

Portanto, dentro da nomeação de Kamala ainda existem pontos que decepcionam um grande número de eleitores, uma vez que a candidata não parece estar irritada o suficiente com problemas sistêmicos do país, ao contrário de Bernie Sanders e a deputada Alexandria Ocasio-Cortez. “Com certeza estas são questões sistêmicas, de como nossa Constituição foi escrita e como nosso governo funciona, pois tudo isso está embasado na exclusão de todos que não eram brancos e homens no momento de escrever aquele documento. Esse sistema funciona hoje da mesma forma que funcionava quando foi criado, portanto, as ações de Kamala fazem sentido e entendo por que ela teve que jogar este jogo”, destaca Bassette.

A questão sistêmica nos Estados Unidos está cada vez mais no discurso dos jovens, uma vez que Trump explicitou os problemas de saúde, transporte, desigualdade e racismo no país. Portanto, mesmo com seu passado controverso, Kamala Harris ainda é considerada o primeiro passo para a mudança do sistema político estadunidense. “A posição de vice nos EUA tem entre pouco e nenhum poder, porém espero que esse não seja o caso nesta presidência e que ela consiga ter influência sobre Biden, ainda mais que as políticas dela são muito mais visíveis e comentadas do que as dele. Kamala está no mundo da política há muito tempo, e a atuação de políticos de carreira nos EUA de certa forma destruiu o ativismo político. Com uma mulher negra, espero que a realidade seja diferente, que ela me surpreenda.”

Kamala é vista como uma faísca de esperança para muitos nos EUA (Foto: Acervo da campanha Biden-Harris)

“Torço para que ela seja vista como uma faísca de esperança, que ela seja um modelo para crianças negras, jovens negros e pessoas não-binárias, alguém que as pessoas possam admirar e acreditar que é possível (chegar ao poder), mesmo que através de muito trabalho e inúmeros sacrifícios que ela talvez não quisesse ter feito. Espero que ela seja a primeira mulher negra no poder, mas que não seja a última, pois assim funciona o sistema nos EUA, vide Obama”, finaliza Bassette.

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Hugo Bordas
Redação Beta

Graduando em Relações Internacionais na UNISINOS