Julio: “Os trabalhadores é que vão governar a cidade”

Na série de entrevistas com concorrentes à prefeitura de Porto Alegre, a Beta Redação conversa com Julio Flores, do PSTU

Joti Skieresinski
Redação Beta
17 min readNov 4, 2020

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Julio Flores concorre à prefeitura pelo PSTU. (Foto: Rodrigo Barrenechea/PSTU)

Natural de São Borja, Julio Flores concorre pela segunda vez consecutiva a prefeito de Porto Alegre pelo Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU). Tem como vice Vera Rosane de Oliveira, do mesmo partido.

Aos 61 anos, o professor da rede pública Julio Flores é experiente em disputas eleitorais. Já concorreu três vezes a vereador da Capital (em 2004, 2008 e 2012), a deputado estadual, a senador e duas vezes a governador (2010 e 2018), sempre representando o PSTU.

A entrevista com Julio para a cobertura especial das Eleições 2020 foi produzida pela Beta Redação com suporte institucional da Unisinos. A pauta teve a colaboração da comunidade universitária, que, em consulta por meio virtual, apresentou 22 sugestões de perguntas, das quais cinco foram selecionadas e editadas para apresentação a todos os candidatos.

Confira a seguir a entrevista, concedida por telefone no dia 16/10.

No seu plano de governo, o senhor afirma que “nenhuma das propostas do PSTU e nenhuma das necessidades dos trabalhadores terá solução enquanto governar Bolsonaro e sua família”. Como pretende, porém, trabalhar e lutar pelas melhorias de Porto Alegre se ainda há mais dois anos de mandato do atual presidente?

Essa é uma boa pergunta. As mudanças que queremos fazer na cidade dependem do estado e do país, não são isoladas, e as eleições são um momento de oportunidade para isso. Achamos, por exemplo, que precisamos fazer alterações importantes na arrecadação do município. Queremos um IPTU progressivo, que cobre mais os ricos. Queremos isentar os pobres, que não têm como pagar. Queremos acumular essa arrecadação de todos os impostos municipais, não só do IPTU. Aumentar para os ricos, cobrar as dívidas dos bancos, das grandes empresas que devem para o município, para que possamos investir na defesa dos trabalhadores e da vida do nosso povo.

Sabemos, porém, que tem muitas coisas, que precisamos de muito dinheiro, de um plano de obras públicas que seja bastante amplo. Precisamos de mais dinheiro, e a primeira medida necessária seria, por exemplo, exigir do governo federal o não pagamento da dívida de R$ 1 trilhão com os bancos. Não temos noção do quanto isso significa na vida de cada um. O trabalhador não sabe nem o quanto significa isso — 1 trilhão de reais que o governo paga de uma dívida pública que consome 40% da receita da União, pelo menos 40%. Isso significaria retirar esse dinheiro que o governo está consumindo e entregando para os banqueiros. Além do R$ 1,2 trilhão que o Guedes concedeu, sob a pandemia, para os bancos — supostamente para garantir crédito para as pequenas e microempresas. Até hoje, porém, não se sabe se isso chegou, ou não chegou, nas pequenas e microempresas. Na verdade, isso foi para o bolso, o lucro e o cofre dos banqueiros.

“Queremos um IPTU progressivo, que cobre mais os ricos. Queremos isentar os pobres, que não têm como pagar”

Aqui, é preciso acabar com as isenções de impostos para as grandes empresas, os grandes conglomerados e para a especulação imobiliária. No governo do Estado, por exemplo, tem R$ 9,6 bilhões de isenções de impostos por ano. Tudo isso seria necessário para a gente arrecadar e garantir uma vida melhor para o povo pobre e oprimido da nossa Capital.

Então, faríamos um governo socialista dos trabalhadores, que seria no sentido de fazer uma unidade de ação com outros municípios e estados, de colocar abaixo esse governo e exigir as medidas que apontei antes — mudanças na arrecadação maior, para que a gente tenha dinheiro para investir na melhoria da vida das pessoas, em cada uma das cidades, particularmente em Porto Alegre. Seria um processo dinâmico nesses dois anos que restam, dois anos de luta para arrancar essas reivindicações e, por outro lado, lutar para que esses governos sejam derrubados. Lutar para que a gente consiga construir na cidade, no estado e no país, um governo socialista dos trabalhadores que garanta uma melhoria significativa para todos os trabalhadores, para o nosso povo.

Em relação à segurança das minorias, o que fazer para que os índices de violência diminuam também para as mulheres negras, na razão do que aconteceu com as brancas?

Na verdade, precisamos aumentar o nível de segurança de todos os trabalhadores, particularmente das mulheres e, com mais força ainda, das mulheres negras. Acho que essa é uma questão muito importante. As mulheres são vítimas do preconceito, da discriminação, de que elas são consideradas como seres inferiores e que precisam se subordinar no casamento, nas relações. É um absurdo o machismo e o racismo que, no caso das mulheres, é uma dupla exploração. Estamos, obviamente, imbuídos da tarefa de romper com essa lógica. Inclusive, nas candidaturas do PSTU em nível nacional, proporcionalmente, temos o maior número de companheiros e companheiras negras participando das nossas candidaturas.

“Em geral, as forças policiais agridem principalmente os pretos, as pretas e os pobres. Queremos uma mudança substancial nesse terreno”

A minha vice, a Vera Rosane de Oliveira, é uma mulher negra, uma funcionária da universidade federal que está aposentada, mas na luta. A Vera faz parte desse processo que nos inspira, que nos orienta na luta contra as opressões. Temos, também, uma companheira LGBT, a Nikaya Vidor, que é uma mulher trans e estudante da UFRGS, porque essa é uma das nossas bandeiras. As LBGTs, as negras e os negros, e todas as mulheres têm, no nosso programa, uma defesa fundamental. Por outro lado, acho que tem uma outra coisa, a segurança. Quando falamos em segurança, pensamos em segurança pública, porque, em geral, as forças policiais, que são a segurança pública, agridem principalmente os pretos, as pretas e os pobres. Queremos ter uma mudança substancial nesse terreno. É importante dizer que queremos as forças de segurança desmilitarizadas, que as comunidades decidam quem serão os delegados da polícia, que a base da Brigada Militar eleja os seus comandantes. Enfim, uma Polícia Civil controlada pela população de cada bairro, de cada comunidade. Na verdade, esse controle da população garantiria isso…

Se a força policial está sob o controle da população, aí as pessoas podem, ao denunciar, serem protegidas e acolhidas. A segurança deveria ser isso: acolher as pessoas que são agredidas por todos aqueles agressores sociais que a gente tem que rejeitar. Queremos desestruturá-las e colocá-las sob o comando e ao serviço da população, e não do preconceito, da discriminação e dos grandes empresários, porque, em geral, as forças policiais estão a serviço dos grandes proprietários, da burguesia. Esse é o papel das forças de segurança no estado burguês.

O plano de governo da sua candidatura propõe a estabilidade no emprego e a redução da carga horária. Como esse projeto pode ser levado adiante de maneira viável?

Como eu disse nas outras questões, é uma luta nacional. Nossa proposta é uma redução da jornada de trabalho para garantir uma ampliação das vagas. Hoje, o que a gente tem no Brasil são trabalhadores ralando durante muitas horas, muitas vezes, inclusive, fazendo até hora extra. Se tu reduz a jornada de trabalho, tu gera novos postos de trabalho. E a “intensificação”, que é outro mecanismo de exploração, também, a partir das tecnologias, que possam incorporar novas pessoas. Se tu tem uma jornada mais intensa, e se tu tiver mais gente trabalhando, facilita. Isso sem redução salarial. A questão é que as empresas, as grandes empresas e as empresas em geral, não aceitam reduzir a jornada e manter o mesmo salário. Elas não admitem ter uma queda na sua taxa de lucro. É possível se reduzir a jornada, manter o salário, gerar mais empregos e ter uma saída importante. Isso é uma questão mais nacional, mas não tem problema nenhum de a gente levar essa luta no município também, pressionando as grandes empresas, nos juntando com outros municípios e estados, aqui mesmo, no Rio Grande do Sul, para levarmos essa luta conjuntamente.

“Nossa proposta é uma redução da jornada de trabalho para garantir uma ampliação das vagas”

Então, é mais uma batalha, porque já fizeram essa reforma trabalhista que retirou direitos e que nos aproxima da semiescravidão — um absurdo junto com a reforma da previdência. Retiram direitos que foram conquistados com muita luta nas décadas passadas. É possível retomarmos isso e exigirmos a revogação da reforma trabalhista e da reforma da previdência. São lutas que um governo municipal do nosso tipo, esse que propomos, um governo socialista dos trabalhadores, pode levar à frente. São coisas a serem conquistadas por um governo municipal como o nosso.

Uma das propostas apresentadas no plano de governo é fazer com que 100% da destinação do orçamento público sejam decididos pela população, assim como os controles no repasse e uso desses recursos. Como o senhor pretende fazer com que a sociedade se engaje nessa tarefa e efetive essa proposta, levando em consideração os dispositivos constitucionais que também condicionam a destinação dos recursos?

Na verdade, pretendemos envolver toda a população. O Orçamento Participativo (OP), desenvolvido aqui em Porto Alegre, foi um processo de 1988. Havia um grande movimento popular, em todas as regiões da cidade. Observamos que esses movimentos foram cooptados pelo governo e subordinados à legislação, tanto que o Orçamento Participativo só decidia sobre 10% do orçamento público — e não aceitamos isso. Achamos que os conselhos populares que a gente propõe devem decidir sobre 100% do orçamento. E mais: devem transcender o OP. Não que as pessoas que estão participando do Orçamento Participativo, hoje, não devam participar dos conselhos populares. Muito pelo contrário. Queremos conselhos populares que governem a cidade — que eles que decidam não só sobre 100% do orçamento, mas sobre toda a política do governo. Inclusive, indicando e destituindo os secretários municipais de toda as áreas. Que possam decidir sobre isso. Decidir sobre a mobilização do povo em relação a isso.

“Queremos conselhos populares que governem a cidade, que decidam não só 100% do orçamento, mas toda a política do governo”

Então, a nossa ideia é que o governo é um governo dinâmico. Ele vai lutando para ampliar os recursos e o critério básico de retirada da burguesia, dos grandes capitalistas, dos banqueiros, dos industriais. Penalizar, taxar os lucros dessas empresas, taxar progressivamente todos os capitalistas da cidade, os especuladores, cobrar e penalizar os devedores, e usar esse dinheiro para salvaguardar os trabalhadores, o pobre, os quilombolas, os indígenas, os negros, as mulheres, os LGBTs e os direitos do nosso povo.

A oferta de serviços públicos de qualidade na Capital é desequilibrada entre os diferentes bairros. Quais as suas ideias para que os bairros pobres da cidade sejam melhor cuidados, em relação a infraestrutura, limpeza e segurança, para que os seus moradores vivam com mais dignidade?

Essa é uma pergunta fundamental, que eu quero complementar, e até dar uma explicada na nossa proposta sobre o que são os conselhos populares. Na verdade, o Orçamento Participativo (OP), também sob os governos do PT e depois, virou um lugar onde os bairros brigam entre si. Lamentavelmente, para disputar uma parcela ínfima do orçamento, e nós não queremos isso. Queremos que todos os bairros da cidade, os bairros pobres possam ser atendidos pelos serviços públicos. É preciso que o conselho popular faça um levantamento dessas desigualdades existentes e possa equilibrá-las. Garantir que tenha escola, posto de saúde, que tenha moradia decente para as pessoas. No nosso plano, a gente propõe construir moradias para as pessoas, para que elas não vivam em situações precárias. Queremos acabar com essa desigualdade, então tem que ter um plano, uma reforma urbana que mude a estrutura da Capital, e que os trabalhadores, o povo pobre tenha moradia decente, com obras de infraestrutura e de saneamento básico para todos.

Isso significa fazer uma revisão geral do que está acontecendo na cidade, de qual é a situação, investigar. Eu, por exemplo, já dei aula em vários bairros onde os nossos alunos vivem, muitas vezes, em situações precaríssimas, ao lado de valões, em situações absurdas, com quatro, cinco, seis pessoas ou mais, morando em casas muito pequenas, com poucos cômodos — o que ajuda na proliferação do corona e de qualquer outra doença contagiosa. Casas que não têm água, como na Lomba do Pinheiro, que é recorrente faltar água.

Temos que fazer uma mudança estrutural nos bairros da cidade, porque não pode ter alagamentos como em vários bairros tem. Essas obras públicas são essenciais para garantir, também, emprego para as pessoas. Por isso mesmo, queremos que cada bairro, cada comunidade eleja os seus conselheiros para governar a cidade. Os conselheiros que vão decidir o que vamos fazer no conjunto da cidade, de onde tirar esses recursos, que lutas vamos travar, e como é que vamos mobilizar a população para arrancar esses recursos. Cada escola, bairro, vila, rua, fábrica, banco e cada comércio, pelos trabalhadores que são empregados nesses locais, vai eleger os seus representantes para governar a cidade e decidir o que vai sair. Não queremos só os 16 mil que foi, creio, o máximo que o OP atingiu em 2001. Queremos muita gente, todos os trabalhadores, os pobres dos bairros, participando de assembleias — seja regionais, seja por categoria, em escola ou em todos os lugares — , a cidade elegendo as suas representações para participarem do conselho popular e poder dirigir Porto Alegre. Garantir os serviços públicos para cada região, para cada situação que nós precisarmos. E, como eu disse antes, os seus representantes, os trabalhadores desse povo é que vão governar a cidade.

“Queremos que cada bairro eleja os seus conselheiros para governar a cidade. Os conselheiros que vão decidir o que vamos fazer”

A Vera Rosane e eu nos subordinaremos às decisões do conselho popular que, óbvio, terá uma representação de toda a cidade, um conselho popular que represente toda a cidade. Isso, para nós, é o que vai resolver a questão da desigualdade entre as várias regiões de Porto Alegre.

Eu acho que essa é a nossa ideia base do projeto de um governo socialista, dos trabalhadores, e que nos próximos dois anos ainda restantes lutaremos para botar para baixo o Eduardo Leite, o Bolsonaro e o Mourão. Essa é uma tarefa indispensável, porque esses caras estão nos levando a um caos, a uma tragédia, retirando o direito dos trabalhadores e nos colocando, digamos assim, no corredor da morte, pela pandemia, nesse momento. Obviamente, vamos lutar nessa reforma urbana para, por exemplo, expropriar os prédios públicos que têm lugar pra alojar pessoas. Os grandes especuladores, que estão em falência, inclusive, que vivem de aluguel e têm prédios enormes, podemos confiscá-los e colocá-los sob o controle dos conselhos populares, a serviço de habitação para a população mais pobre e que não tem onde morar.

QUESTÕES DA COMUNIDADE UNIVERSITÁRIA

Caso fosse prefeito durante a eclosão da pandemia do novo coronavírus, o que teria feito igual ou diferente das decisões do atual governante?

Totalmente diferente. A nossa proposta é o isolamento total. Foi um equívoco, desde o início, do governo municipal e do Estado, não fazerem um isolamento social — o que, em outra língua, se chama de lockdown. Fechar a cidade, o estado e o país para evitar as contaminações. No atual momento, já que eles flexibilizaram tudo com essa política de liberar comércio, indústria, construção civil, agora quererem liberar as escolas para uma participação presencial das aulas, professores, alunos, funcionários e a comunidade. Acho que isso é um profundo equívoco nesse momento, depois de todas as medidas que o governo já tomou, que foram profundamente equivocadas, e que só aumentaram o índice de contaminações e, inclusive, o índice de mortes. Ainda mais quando observamos que, na Europa, está havendo uma segunda onda de contaminações, mortes e internações, o que é terrível.

“Tinha que ter muita testagem, e isso não foi feito, o que é um absurdo”

O comportamento do vírus a ciência percebe que deve ser parecido. Não vamos nos livrar de uma segunda onda, então é um profundo equívoco conduzir ao suicídio, a uma tragédia no Brasil. É um genocídio, porque o Bolsonaro, sabemos, se definiu desde o início por impulsionar o genocídio. Aqui, no Rio Grande do Sul e em Porto Alegre, os governos estavam fazendo mediações, mas acabaram liberando geral e se identificando com o Bolsonaro na liberação geral. Nessa pandemia, tem uma pesquisa de Harvard que diz que as crianças e os adolescentes têm uma carga viral superior inclusive àqueles que estão internados em estados mais graves nas UTIs.

Retornar agora às aulas significaria que a gente levaria a uma tendência de elevar o nível de contaminações e a possibilidade de uma segunda onda. Com a volta às aulas em Porto Alegre, em todos os níveis, haveria algo como 400 mil pessoas circulando pela cidade, em transporte coletivo, em vans que levam os alunos e trazem. Isso significa aumentar muito e, no Rio Grande do Sul, seriam 4 milhões de pessoas, ou 36% da população a mais, que já está circulando mediante essa estupidez que os governos cometeram, que é o retorno de todas as atividades econômicas. Na verdade, a nossa proposta seria totalmente oposta às que os governos têm feito. Queremos um isolamento social, um confinamento. E óbvio que, para isso, garantiríamos uma renda mínima para as pessoas ficarem em casa, para os trabalhadores, o povo continuar em casa. Até porque, os R$ 600 que foram aprovados no Congresso Nacional são totalmente insuficientes — ainda mais agora, que estão diminuindo para R$ 300. Precisaríamos ter uma ação mais enérgica, como em vários países. E também falta testagem. Tinha que ter muita testagem, e isso não foi feito no Rio Grande do Sul, muito menos na Capital, o que é um absurdo. Até para isolar, saber, identificar os surtos existentes e isolá-los como foi feito em outros países, como na Coréia, por exemplo, no início da pandemia. É um absurdo a atitude desses governos nessa pandemia. Achamos que é preciso ter outra atitude.

Qual sua proposta para enfrentar a crise que estamos vivendo no transporte público?

A própria pandemia revelou a sede por lucros das grandes empresas, das empresas de transporte coletivo. Nós temos uma empresa pública, que é a Carris, e várias concessões para outras empresas nas zonas norte, sul e sudeste. Temos uma situação muito grave, porque, de fato, elas só estão interessadas no lucro, no lucro dos grandes capitalistas.

“Nossa proposta é gerar condições para tarifa zero. Retirar concessões das empresas e incorporá-las à Carris”

Então propomos, em primeiro lugar, um controle da população, com a abertura da contabilidade das empresas, para a gente ver por que eles fizeram uma choradeira total e ficaram reclamando que estavam perdendo dinheiro. O povo tem o direito de saber o quanto eles lucram a cada dia, mês e ano, e ter uma estimativa real dessa situação.

Nossa proposta central é gerar condições para uma tarifa zero, porque transporte público é transporte público. A ideia é retirar as concessões dessas empresas privadas e incorporá-las — tanto a frota, como os trabalhadores dessas empresas — , à Carris, e construir uma empresa única, estatal, 100% Carris, a serviço dos trabalhadores e do nosso povo. Inclusive, durante a pandemia, diminuíram as linhas e deixaram de cumprir com aquilo que haviam se comprometido com a população, que era servir as linhas. Se negaram e obrigaram, de fato, a Carris a assumir isso, o que é um absurdo e agora um escândalo. Pediram R$ 39 milhões e o governo municipal, do Marchezan, concedeu esses R$ 39 milhões a título de “indenização” sobre aquilo que eles haviam deixado de ganhar durante a pandemia. Na verdade, o prefeito está a serviço dessas grandes empresas, e nós queremos estatizar o transporte coletivo da capital, transformando ele em 100% Carris.

Porto Alegre tem um grande número de pessoas em situação de rua. Como pretende tratar dessa questão?

Na verdade, essa é uma questão mais estrutural. São milhares de pessoas que a gente observa que estão nas ruas e isso não nos agrada, é uma chaga do capitalismo. O capitalismo explora as pessoas, desemprega, coloca os miseráveis na rua. Precisamos ter uma atenção pontual e momentânea em relação a isso, mas isso não pode nos deixar de tratar a coisa estruturalmente, com um plano para acabar com o desemprego, porque o desemprego acaba com a vida das pessoas, com os trabalhadores e o povo. A nossa ideia é ter uma atenção pontual nesse sentido, de garantir os abrigos para as pessoas, incorporá-las a um plano de assistência social que garanta a sua sobrevivência. Não podemos, porém, aceitar que isso fique como uma coisa permanente. Precisamos incorporar as pessoas à vida cotidiana. Precisamos acabar com a miséria, acabar com essa situação. Temos que usar toda a assistência que tem no município, garantir que essas pessoas tenham uma sobrevivência nesse período de pandemia, para que elas não sofram todas as consequências, amenizando nesse sentido.

“Os mais pobres são as maiores vítimas do capitalismo, dessa exploração e exclusão social na nossa cidade”

Queremos transformar a cidade construindo um plano de obras públicas que deem emprego para milhares de pessoas que estão na miséria, desempregadas, moram mal, comem mal todos os dias. O plano de obras públicas, do nosso ponto de vista, ajudaria o povo que não está trabalhando a construir um emprego e garantir a sua sobrevivência, individualmente, e também da sua própria família. Exemplo disso é fazer uma solução casada, para que o trabalhador que não tem onde morar possa construir a sua própria casa e ganhar um salário nas frentes de trabalho que pretendemos construir. Temos, pelo menos, 300 mil pessoas que estão morando em situações de risco. Há outras milhares de pessoas que estão morando em habitações totalmente inadequadas — três, quatro, cinco pessoas em dois, três cômodos. Tem variações, a gente sabe, mas precisamos de um plano para acabar com o desemprego estruturalmente. Acabar com a miséria e com as dificuldades que as pessoas têm. Os mais pobres são as maiores vítimas do capitalismo, dessa exploração e exclusão social que acontecem na nossa cidade.

Quais as suas prioridades para a rede municipal de ensino e como planeja, no cenário da pandemia, o retorno às aulas em 2021?

Por enquanto, nossa ideia para o retorno às aulas é justamente para 2021. Porém, precisamos pensar, porque depende de como vai evoluir a pandemia. Estamos vendo, na Europa, o retorno de uma segunda onda. Os Estados Unidos, vi hoje na imprensa, vai ter um novo pico de contaminações, e isso não está longe de chegar ao Brasil do ponto de vista do comportamento dessa terrível chaga provocada pelo próprio capitalismo. Nossa ideia é construir um comitê científico de infectologistas, epidemiologistas, matemáticos, das pessoas que entendem do assunto, cientistas para ir analisando quando fazer esse retorno.

Existem várias vacinas em testes, e não sabemos exatamente como estão evoluindo as pesquisas no sentido de quais podem ser aprovadas, quais podem ser rejeitadas quanto a sua eficácia, porque tem que ser eficaz. Não adianta ter uma vacina que não serve. Cada uma delas, pelo que vi, pode resolver apenas parte do problema. Algumas precisam ter várias doses. Então, temos que ir analisando esse processo do retorno às aulas. Em princípio, a gente vislumbra 2021, embora precisemos pensar.

Falando sobre a educação em geral, ela é fundamental como um tema para resolver o problema da miséria. No nosso plano de obras públicas, incluiríamos, obviamente, uma ampliação da rede. Proporíamos, na educação infantil, ter escolas de educação infantil, creches públicas, e não privadas e conveniadas como existe hoje. Precisamos ampliar a rede pública nesse terreno, o ensino integral, porque isso ajuda a tirar as crianças da rua, das sinaleiras. E, junto com o plano de obras públicas, a garantia de empregos para os pais das crianças.

A gente propõe um congresso da cidade para debater um plano geral para a educação em Porto Alegre. Um congresso da educação, que construa um plano político-pedagógico para toda cidade, de comum acordo com a comunidade, professores e funcionários. É preciso estabelecer uma conexão, uma colaboração com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul, por exemplo, para que haja uma interação e que esses planos político-pedagógicos sejam elaborados com o apoio da UFRGS, construindo saídas importantes, mas que a comunidade, os educadores, os funcionários e os alunos possam colaborar com isso e criar um plano bem bacana, superior ao que já foi feito aqui. Revogar todas as medidas que o governo municipal já tomou. Eles tiraram a possibilidade de os professores reunirem-se uma vez por semana para planejar a educação.

A ideia é retirar todas as mudanças que esse governo fez, que só arrebentou com a educação em Porto Alegre. Junto com os funcionários públicos, eles retiraram vários direitos dos trabalhadores em educação, como o plano de carreira, os horários, a carga de 20 horas foi retirada. Na verdade, foi tirado o direito de a gente poder fazer essas reuniões, entre os educadores, para planejarmos a semana. Ou seja, revogar todas as medidas deste governo em relação a isso. Foi uma tragédia para a nossa educação.

Como pretende lidar com o problema da falta de vagas nas creches municipais?

Na verdade, as creches são conveniadas, e esse modelo não nos agrada. Foi um modelo construído na gestão do Partido dos Trabalhadores (PT). Somos contrários a esses convênios, mas também não queremos que haja demissões, tal como o governo tem atacado as pessoas. Queremos construir outras creches — outras creches públicas. Dentro do nosso plano de obras públicas, queremos outras escolas infantis nas creches, e, com isso, ampliar a garantia do atendimento a todas as crianças que não têm essa possibilidade até hoje.

É um problema bem grave, bem sério. Lamentavelmente, o PT criou, nos seus governos, esses conveniamentos. Queremos, então, uma ampliação das escolas infantis, das creches para garantir que as famílias possam deixar as crianças ali, em turno integral, sendo atendidas, enquanto os pais, as mães possam trabalhar com toda a tranquilidade.

“Somos contrários a esses convênios, queremos construir creches públicas”

Isso está dentro do nosso plano de emergência, porque, inclusive, se as crianças não têm esse atendimento, vão ficar expostas, em casa, com os irmãos e os irmãos mais velhos cuidando deles, os irmãos mais velhos indo para a rua, indo para a sinaleira pedir, garantir o sustento, ajudar a família. São muitos riscos. A nossa proposta é uma ampliação que dê conta das necessidades do todo. Garantir que nenhuma criança fique sem a creche, sem a escola.

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Joti Skieresinski
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