Portal de Acesso à informação do Governo Federal (Foto: Júlio Hanauer/Beta Redação)

Lei de Acesso à Informação completa oito anos em meio a tentativa de enfraquecimento

Julio Hanauer
Redação Beta
Published in
8 min readMay 28, 2020

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Legislação teria restrição de pedidos por meio de Medida Provisória assinada pelo presidente da República. Por outro lado, um projeto que tramita na Câmara dos Deputados pretende aplicar a lei aos partidos políticos

Por Caren Rodrigues e William Martins

Sancionada em novembro de 2011, pela ex-presidente Dilma Rousseff, a Lei de Acesso à Informação (LAI) só foi implementada em maio de 2012. Ao completar oito anos de efetividade, este instrumento democrático e de transparência reúne, segundo o Governo Federal, 895.848 mil pedidos de acesso a dados públicos.

Para especialistas, o mecanismo é essencial para a democracia no país. Contudo, durante a pandemia do novo coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro assinou uma Medida Provisória (MP) que restringia o acesso à LAI e retirava a possibilidade de recurso, caso o pedido fosse negado. No entanto, a MP foi derrubada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Marlise Brenol, doutora em Comunicação e Informação e professora da Universidade de Brasília, diz que a lei qualifica a cidadania e potencializa o debate público. “Ela é importante para a democracia, porque quando se tem uma população bem informada, instrumentaliza-se essa população com recursos para que ela possa exercer efetivamente a sua cidadania, participando do debate público por meio de recursos de e-participação ou outros recursos democráticos previstos na nossa constituição”, comenta.

Confira a entrevista com a Professora Dra. Marlise Brenol (Vídeo: William Martins/Beta Redação)

Estabelecendo em seu artigo 3º a publicidade de dados públicos como prioridade e o sigilo como exceção, a Lei de Acesso à Informação abrange os três poderes: Judiciário, Legislativo e Executivo; bem como todas as esferas de governo: municipais, estaduais, distritais e federal. Além disso, a LAI regulamenta o direito à informação, prevista na Constituição Federal.

MP de Bolsonaro restringia o acesso à informação
No dia 23 de março de 2020, o presidente Jair Bolsonaro editou uma Medida Provisória alterando a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro, que previa ações para o enfrentamento da pandemia da COVID-19 no Brasil. Nesta MP, suspendeu prazos de respostas a pedidos feitos por meio da Lei de Acesso à Informação, além de prever o não reconhecimento a recursos de pedidos que fossem negados. No texto, constava a suspensão para demandas feitas à órgãos públicos em que seus servidores estivessem em quarentena ou teletrabalho.

Porém, o plenário do Supremo Tribunal Federal, no dia 30 de abril, por unanimidade, derrubou a Medida Provisória que fazia restrições a Lei de Acesso à Informação. Para o ministro Alexandre de Moraes, relator do pedido que suspendeu a MP no dia 26 de março, as restrições feitas pelo presidente eram genéricas, abusivas e ofendiam o princípio da publicidade e da transparência.

Para Marlise Brenol, a Medida Provisória de Bolsonaro foi um oportunismo para impor retrocessos à LAI. “Foi um oportunismo muito perigoso, porque a própria lei já prevê seus prazos, recursos e respostas. Então dentro do instrumento legal já teriam os caminhos para uma argumentação pública, caso em algum questionamento ou em alguma requisição específica houvesse uma dificuldade efetivamente no sentido provocado pelas restrições da pandemia”, afirma.

Mas, segundo o relatório “Alterações no atendimento a pedidos de informação e a MP 928”, publicado este mês pelo Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas, mesmo com a suspensão da MP, órgãos públicos federais alteraram o atendimento a solicitações via LAI. De acordo com a publicação, injustificadamente a pandemia foi utilizada para alteração no atendimento para ao menos 46 pedidos de acesso à informação feitos ao executivo federal, de 27 de março à 27 de abril.

Conforme o relatório, 52% dos pedidos não foram atendidos; 22% sofreram alterações no atendimento; 20% tiveram atendimento parcial; e 7% o prazo foi estendido por tempo definido. Contudo, nenhuma das respostas apresentou, efetivamente, elementos referentes a pandemia ou ao teletrabalho, que pudessem ser impeditivos para que o pedido fosse respondido completamente e dentro dos termos da LAI. Apenas eram citadas, que o pedido não podia ser atendido ou que foi atendido parcialmente, por motivos da COVID-19 ou do estado de emergência, sem maiores explicações.

Destes pedidos que sofreram alteração, mas que suas respostas eram genéricas e sem maiores explicações, o relatório concluiu que 49% dos casos tiveram como justificativa para alteração no atendimento a pandemia; 24% a adoção do teletrabalho; 20% a salvaguarda de dados de registro do COVID-19; e 7% dependência não demonstrada de servidor envolvido com ações emergenciais.

Para acessar mais dados do relatório do Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas, clique aqui.

Deputado propõe que a LAI seja estendida aos partidos políticos
Durante seus primeiros oito anos de existência, a Lei de Acesso à Informação teve poucas propostas de modificações em seus termos, muito menos as que busquem ressaltar e facilitar ainda mais o acesso às informações. Porém, circula desde 2019 na Câmara de Deputados o projeto de Lei nº 4.178/2019, de autoria do deputado paulista Roberto de Lucena (Podemos-SP), que também é secretário de Transparência da Câmara dos Deputados. Os principais objetivos do projeto visam a inclusão dos partidos políticos na LAI, além da criação do Instituto Nacional de Transparência e Acesso à Informação.

Para o deputado, a principal proposta de seu projeto é a inclusão de partidos políticos na LAI. “Os partidos recebem anualmente cerca de R$ 900 milhões em recursos públicos, e muitas vezes esse dinheiro é usado para bancar luxos dos dirigentes partidários. É importante que a população conheça em detalhes a aplicação desse dinheiro pelos partidos”, afirma.

Mesmo afirmando que a lei não pode ser usada somente como uma prestação de contas por parte do seu solicitante, o parlamentar destaca que “todos os instrumentos que permitem o controle social sobre a esfera pública ampliam as condições de se controlar a corrupção”.

Segundo Roberto de Lucena, o que o levou a criação da proposta foi a necessidade constante de aprimoramento dos instrumentos de transparência. “Eu costumo dizer que o acesso à informação é o poder nas mãos do povo. Com informação precisa, correta, fidedigna, a população tem o poder de conhecer todos os passos da administração pública”, salienta.

Deputado Roberto de Lucena (Foto: Michel Jesus/ Câmara dos Deputados)

Se a proposta for aprovada, o Instituto Nacional de Transparência e Acesso à Informação vai funcionar como um órgão de controle externo que, entre outras atribuições, fiscalizará o cumprimento da Lei de Acesso à Informação. Esse projeto se baseia em uma proposta da Organização dos Estados Americanos (OEA). A ideia é que cada órgão ou entidade submetida à LAI crie uma Unidade de Transparência e Acesso à Informação, que fará a coleta, publicação e classificação das informações.

É com a unidade que o cidadão fará o contato. Ela será colegiada e tomará decisões por maioria. Os membros indicados não poderão depender hierarquicamente de uma única pessoa na estrutura interna do órgão. Entre as funções do instituto estão solicitar esclarecimentos das autoridades sobre pedidos de informações negados, rever a classificação de informações sigilosas, opinar sobre a Lei de Acesso e decidir os recursos apresentados por cidadãos contra decisões das Unidades de Transparência.

De acordo com o relatório consolidado da Lei de Acesso à Informação 2019, da Câmara de Deputados, divulgado nesta quarta-feira, 27, no ano passado o órgão recebeu 36.634 solicitações de informação. O documento traz ainda que, dessas solicitações, 92% dos pedidos encaminhados foram atendidos em até um dia e 0,9% foram indeferidos.

Segundo o deputado, interesses políticos não podem interferir nos processos da LAI. “Esse assunto é tratado por um órgão técnico da Casa, e supervisionado pela Secretaria da Transparência”, conta. De 2018 para 2019 houve um aumento de 116% na demanda de pedidos de acesso à informações, sendo que 99,3% deles foram feitos por pessoas físicas, categoria composta também pelos jornalistas.

Mapa da Transparência RS

O site Transparência COVID-19, uma iniciativa da Open Knowledge Brasil (OKBR), apresenta um ranking semanal dos Estados brasileiros em relação a qualidade dos dados e informações publicadas sobre a pandemia. O Rio Grande do Sul, do dia 21 a 27 de maio, teve pontuação média e ficou atrás de outros 23 estados brasileiros.

A partir de 2011, durante o governo de Tarso Genro, no Rio Grande do Sul, foram desenvolvidas algumas ações dentro de uma política pública de transparência. Umas delas foi a implementação do Mapa da Transparência. O projeto é um portal onde o governo publica dados sobre o dinheiro público através de mapas e gráficos interativos, mostrando quais órgãos e regiões os recursos são aplicados.

De acordo com Juliana Botelho Foernges, analista jurídica da PGE/RS e doutoranda em Ciência Política pela UFRGS e que, à época, implementou a iniciativa na Casa Civil do governo do Estado, a ideia do Mapa da Transparência era de incentivar a participação cidadã. “O portal tinha a premissa de ser um instrumento interativo para permitir uma maior interação e participação do cidadão, isto é, que o portal não fosse apenas um instrumento de visualização de informações sobre organização, programas e ações da gestão pública, mas também que essas informações tivessem utilidade e capacidade de contribuir na produção de análises ou inferências a partir do dado disponibilizado”, explica.

Cultura da transparência
A mudança de uma cultura é lenta e gradual. O Brasil, por muitos anos, viveu as duras sanções de um regime militar. Além da estrutura de repressão montada na época, os governos militares desenvolveram um sistema de coleta de dados, que era o Serviço Nacional de Informações (SNI), um órgão de inteligência do Estado, mas que operava também dentro da sociedade como um núcleo de rede de informações. Contudo, muitas dessas informações não chegavam até a população de forma clara e transparente.

Conforme Marlise Brenol, a Lei de Acesso à Informação é uma mecanismo democrático e que está ajudando a construir uma cultura de transparência na sociedade. “Viemos de um período bem complicado, nebuloso. Uma mudança cultural é uma mudança lenta e gradual. Então esses instrumentos normativos são instrumentos que nos ajudam a construir uma mudança cultural democrática no Brasil. Essa Lei ela é bem importante neste sentido”, afirma.

Por muitos anos, o que se consolidou no Brasil foi a cultura do sigilo, mas que há 11 anos, com a implantação da Lei de Transparência e após, com a Lei de Acesso à Informação, está sendo desconstruída. A transparência é uma das características que compõe sociedades democráticas, pois permite maior controle e participação dos cidadãos. Além de inibir práticas de corrupção por parte de agentes públicos e políticos.

Para Juliana Foernges, a LAI é um marco legal que se constitui no sentido de oferecer ferramentas para a criação de uma política de transparência. “A relevância da Lei de Acesso à Informação se dá justamente por incentivar uma mudança de cultura do segredo para transparência. A LAI é um marco legal que deveria direcionar as ações governamentais em todas as esferas de poder no conteúdo da transparência e do acesso à informação”, afirma.

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Julio Hanauer
Redação Beta

Estudante de Jornalismo na Unisinos. Assessor de Imprensa da Prefeitura de Maratá-RS.