Leis e iniciativas independentes combatem pobreza menstrual no Brasil

A falta de acesso a itens básicos de higiene ocasiona evasão escolar e prejudica a saúde das pessoas que menstruam

Andressa Morais
Redação Beta
7 min readJun 24, 2022

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Quase 200 mil alunas estão totalmente privadas de condições mínimas para cuidar da sua menstruação na escola, segundo relatório do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) (Foto: Freepik/Banco de imagem).

O relatório Pobreza Menstrual no Brasil: desigualdade e violações de direitos, divulgado em maio de 2021 pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) mostrou que 713 mil meninas vivem no Brasil sem acesso a banheiro ou chuveiro. Outra pesquisa, realizada em 2018, pela marca Sempre Livre, concluiu que 22% das pessoas que menstruam, de 12 a 14 anos, não têm acesso a produtos de higiene específicos para o período menstrual, número que sobe para 26% na faixa de 15 a 17 anos. Esses dados são o resultado da pobreza menstrual no país, que dificulta o acesso a itens básicos de higiene, mas existem iniciativas e leis que buscam mudar esse cenário.

Em março de 2022, o prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), sancionou a Lei 13.008/22, de autoria do vereador Leonel Radde (PT), que prevê a distribuição de absorventes descartáveis e internos, protetores diários e coletores menstruais a pessoas que se encontram em vulnerabilidade social. Os contemplados são todos aqueles que menstruam, de 10 a 50 anos, desde que estejam cadastrados no Cadastro Único para Programas Sociais do governo federal (CadÚnico).

Radde acredita que com a lei será possível ampliar o debate sobre direitos reprodutivos e demais pautas vinculadas às demandas das pessoas que menstruam (Foto: Ederson Nunes/CMPA).

Para a cientista política Kátia Azambuja, o programa é extremamente relevante, mas é importante que ele se articule com as outras políticas públicas já existentes para ter um olhar mais integral para as pessoas que menstruam. “Até para não ser somente um olhar para a menstruação. Tem que saber se essa menina, essa mulher, esses homens trans estão indo no médico, têm feito acompanhamento ginecológico. Tem que pensar para além da questão menstrual, tem que pensar na integralidade do indivíduo”, complementa.

Apesar da relevância da lei, Radde diz que encontrou dificuldades para sancioná-la. “Havia uma certa resistência da prefeitura em relação aos custos envolvidos.” Com ajuda de movimentos sociais, eles conversaram com as secretarias e conseguiram a aprovação do projeto.

Segundo Radde, os movimentos têm cerca de R$ 300 mil destinados para a aquisição dos itens de higiene. A distribuição será feita nos Centros de Referência da Assistência Social (CRAS) e nos locais que a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social determinar, que ainda não foram divulgados. Após a sanção, a prefeitura tem até 180 dias para que a ação seja colocada em prática. A expectativa do vereador é que a partir de agosto essa lei seja efetivada e obtenha os resultados esperados.

Pobreza menstrual no Brasil

A pobreza menstrual, também chamada de precariedade menstrual, é um problema de saúde pública. Consiste na dificuldade de acesso a itens de higiene durante a menstruação e está relacionada, principalmente, às condições de saneamento básico.

Essa problemática atinge, em maior número, quem se encontra em vulnerabilidade social. A falta de acesso aos itens faz com que as pessoas que menstruam busquem por outras alternativas. De acordo com a pesquisa realizada pela marca Always, das 1.124 pessoas entrevistadas, 50% já precisaram substituir o absorvente por papel higiênico, roupa velha ou toalha de papel. Ainda conforme a publicação, a utilização de itens inadequados na menstruação pode causar infecções no trato urinário, nos rins e até lesões nos órgãos reprodutores.

A precariedade menstrual atinge diferentes áreas na vida de quem menstrua. Uma delas é a escola, ocasionando a evasão.

Pesquisa da Always referente a pobreza menstrual no Brasil. (Fonte: Always)

Kátia destaca que para evitar a evasão escolar o programa precisa estar enraizado nas escolas e são necessárias outras iniciativas. Além de ser imprescindível a disponibilização dos absorventes, é importante deixar sabonetes, papel higiênico e outros itens de higiene disponíveis. Ela também ressalta que as escolas são isoladas e não se articulam com os setores do município como Conselho Tutelar, Unidade Básica de Saúde (UBS) e com outros serviços do território para assegurar os direitos que essas pessoas têm e precisam.

Kátia reforça que é necessário pensar sobre o público e ao acesso que ele tem para oferecer itens que se adequem a sua realidade e demandas. (Foto: Anderson Escouto/Arquivo Pessoal).

A menstruação ainda é um tabu no Brasil, e a cientista política também comenta sobre a importância dos alunos terem acompanhamento de um profissional, pois muitas vezes falta orientação sobre o assunto. Para ela, as escolas deveriam oferecer educação sexual para que as pessoas que menstruam possam entender, desde cedo, o seu corpo, por que menstruam e qual é a função. “Não é só a questão da menstruação, mas tudo o que vem junto quando uma pessoa começa a menstruar.”

No âmbito federal, em outubro de 2021, o presidente Jair Bolsonaro (PL) vetou a distribuição gratuita de absorvente menstrual para estudantes de baixa renda de escolas públicas e pessoas em situação de rua ou de vulnerabilidade extrema. Ele alegou que o projeto não previu de onde seriam retirados os recursos para custear as medidas. Porém, em março deste ano, o Congresso Nacional derrubou o veto e promulgou a Lei 14.214/2021, que institui o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual. No dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, o presidente assinou um decreto sobre o mesmo tema.

Segundo o documento do decreto, cabe ao Ministério da Saúde “oferecer acesso gratuito a absorventes higiênicos femininos às mulheres em situação de precariedade menstrual”. A Beta Redação entrou em contato com a pasta para saber se o projeto foi efetivado, mas até a finalização desta matéria, em 23 de junho de 2022, não obteve retorno.

Para Kátia, no entanto, “o atual governo federal não se preocupa com a saúde das mulheres, nem com a vida delas como um todo, visto os retrocessos que a gente teve de legislações, de retirada de direitos, não só das mulheres, mas da população pobre como um todo, reduzindo o ministério e algumas conquistas históricas que as mulheres já tinham”.

Iniciativa independente

Maria Helena Sarquiz criou o projeto Absorventes do Bem em 2021, pois viu que a demanda e a necessidade por itens de higiene pessoal estava alta. Ela trabalhou durante 16 anos como professora de inglês em escolas municipais, estaduais e privadas. Nesses locais ela viu o quanto a vulnerabilidade social atingia as meninas das escolas públicas.

O Absorventes do Bem foi criado em maio de 2021, principalmente pela alta demanda de itens de higiene básicos durante a pandemia. (Foto: Maria Helena/Arquivo Pessoal)

A iniciativa começou com um perfil no Instagram e, a partir disso, Maria Helena passou a divulgar para os amigos e a coletar absorventes para distribuir a entidades, ONGs e outros projetos que já estavam estabelecidos. Hoje, o Absorventes do Bem tem pontos de coleta distribuídos em diversos bairros de Porto Alegre, mas segue com as parcerias, pois as ações mais antigas já tem os registros das famílias e de quantas pessoas precisam dos itens de higiene.

Segundo ela, aproximadamente, mais de 10 mil pessoas que menstruam foram foram beneficiadas com a ajuda do projeto. Para fazer a doação basta ir até os pontos de coleta ou via pix, de qualquer valor.

Através do Instagram, os interessados podem perguntar qual é o local mais próximo para doar e também pedir os dados para o pix. Outra maneira de ajudar é se disponibilizar para ir até os pontos de coleta e auxiliar na distribuição dos itens, pois Maria Helena conta apenas com a ajuda de amigos para fazer esse processo.

Pontos de coleta:

Bárbaros Cervejas Especiais — R. Ramiro Barcelos, 1792 — Rio Branco, Porto Alegre

Lavanderia Clean — R. Mariante, 963 — Rio Branco, Porto Alegre

Crispidu Modas — Av. Otto Niemeyer, 2103 — Camaquã, Porto Alegre

Comvida Estética — Av. Bastian, 520 — Menino Deus, Porto Alegre

Espaço M — Av. Bento Gonçalves, 1403, sala 701 — Santo Antônio, Porto Alegre

Porto Carioca Bar — R. da República, 188, Cidade Baixa, Porto Alegre

A idealizadora do projeto diz que não vê ações por parte dos governantes. “Não está sendo feito nada, a não ser pela sociedade civil, como projetos como o Absorventes do Bem e muitos outros que temos como parceiros que pedem doações. Pelo que eu vejo e converso nas comunidades, ninguém aparece para sanar esse problema.”

Maria Helena ressalta a importância da lei, mas explica que, mesmo que ela seja efetivada, muitas pessoas não serão contempladas porque têm muita gente fora do sistema e, inclusive, sem CPF. “Também tem que ser levantado para os políticos debaterem sobre baixar impostos desses produtos, que chegam a 30% no Brasil”, complementa.

Outras iniciativas também visam mudar o cenário da pobreza menstrual. O projeto de pesquisa do Campus Osório do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS) SustainPads: Absorventes Sustentáveis e acessíveis a partir de subprodutos industriais”, feito pelas estudantes do ensino médio integrado Camily Pereira dos Santos e Laura Nedel Drebes, será o representante do Brasil na grande final do Prêmio Jovem da Água de Estocolmo (Stockholm Junior Water Prize — SJWP), que acontecerá na Suécia em 26 de agosto de 2022.

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