Lenta e gradual redemocratização

Quarta matéria da série “O perfil político do Rio Grande do Sul” conta como foi o processo de redemocratização após 21 anos de ditadura militar

Lidiane Menezes
Redação Beta
7 min readNov 29, 2018

--

Por Bruna Bertoldi, Camila Tempas e Lidiane Menezes

Ulysses Guimarães presidiu a Assembleia Constituinte (Foto: Arquivo Câmara)

Com a campanha das Diretas Já, a partir de 1983, a população passou a pedir por eleições diretas. Contudo, a campanha fracassou. Em 1984, é realizada uma eleição indireta pelo Colégio Eleitoral. Tancredo Neves vence o pleito, entretanto não consegue assumir o cargo devido a complicações de saúde. Tancredo morreu um dia após a sua posse, em 21/04/1985.

A Nova República de 1985, sob o comando de José Sarney, que assume no lugar de Tancredo Neves, abre espaço para a volta da democracia no Brasil. Embora ele tenha assumido de forma indireta, é através da nova Constituição que é garantido que os futuros representantes do país fossem escolhidos pelo povo para representar os seus direitos como nação.

Sarney assume a presidência sob olhares desconfiados. Isso porque ele fazia parte de um grupo que apoiou o regime militar no Brasil, e que adotou posturas conservadoras, como, por exemplo, a ARENA. Diferente de Tancredo, que vinha durante muito tempo com ideias contrárias ao autoritarismo e que buscou combater o militarismo, adquirindo, por isso, a confiança da população.

Segundo Boris Fausto, na série História do Brasil, o ponto mais positivo do mandato do novo presidente foi a garantia de liberdades aos cidadão brasileiros. Muito embora, segundo o historiador Tau Golin, “após o processo de abertura gradual e anistia da ditadura militar, em que os torturadores, assassinos, criminosos políticos, que cometeram crimes de lesa humanidade e contra os direitos humanos foram blindados, não poderiam ser punidos”. Segundo ele, isso aconteceu porque a ala de abertura política e as Forças Armadas não entravam em consenso, o que arrastou as forças da repressão para dentro da redemocratização.

A popularidade do governo de José Sarney, depois da promulgação da Constituição de 1988, despencou com o aumento excessivo dos impostos através do Plano Cruzado. O Brasil deixou de pagar sua dívida externa nesse período, o que Boris Fausto diz ter sido “um sério golpe nas finanças brasileiras”.

Sarney buscou cumprir o plano de governo de Tancredo. Por isso, em 1988 é instalada a Assembleia Nacional Constituinte que discutiu e colocou em vigor a atual constituição brasileira.

A volta de liberdade e a Assembleia Nacional Constituinte

Assim como a população em um todo, jornalistas levaram um tempo até se adaptarem ao novo regime, no qual a liberdade não era reprimida. “Jornalistas veteranos, que já haviam convivido com o regime democrático, tiveram mais facilidade nessa readaptação. Já os jornalistas surgidos na vigência da ditadura precisavam reaprender, evoluir da simples aposição de aspas em falas de terceiros, desenvolver o senso crítico que até então esteve impedido”, ressaltou o professor do curso de Jornalismo da Unisinos Luiz Antônio Farias Duarte.

Os jornais gaúchos foram protagonistas na cobertura da redemocratização (Foto: Camila Tempas/ Beta Redação)

O período da ditadura foi marcado pela reprodução do que os jornalistas ouviam e poderiam publicar, o que gerou a censura. Por isso, o fim do regime e a reestruturação da democracia trouxeram uma mudança nas redações. “Isso impôs uma mudança prática, em que a visão crítica e a análise e a interpretação tornaram-se comuns nas plataformas então vigentes, em especial nas impressas”, destaca.

Duarte, também conhecido como Nikão Duarte, foi um dos jornalistas que cobriu a constituinte de 88. Na época, repórter e na sequência chefe de redação da sucursal do grupo RBS em Brasília, contou um pouco de como foi essa experiência para a Beta Redação.

Nikão Duarte conta sobre sua experiência na cobertura da Assembleia Constituinte

O cenário gaúcho pós regime militar

No estado, Pedro Simon assumia o governo gaúcho. Assim como outras partes do Brasil, o Rio Grande do Sul tinha uma dívida de mais de 100 bilhões de cruzados — moeda da época. O que dificultava ainda mais o crescimento do estado.

Conforme Moacyr Flores, no livro História do Rio Grande do Sul, nos três primeiros meses o governo estadual enfrentou diversas greves e reivindicações de professores que buscavam salários mais dignos e melhores condições de trabalho. Contudo, após um ano de governo, Pedro Simon buscou investir em projetos para a expansão industrial e econômica. “Simon apresentou projetos de construção de 1.070km de estradas, recuperação de subestações de energia elétrica e investiu no Fundo de Operação de Empresa”, comenta Moacyr em seu livro.

Porém a crise econômica gaúcha foi agravada com a falta de recolhimento de ICM em produtos de exportação, além das importações de produtos primários por parte do governo federal. Com isso, ocorreu uma baixa nos preços dos produtos agrícolas no RS.

A partir de 1989 a economia gaúcha volta a crescer “principalmente com o crescimento da indústria nos setores metal-mecânico, material de transporte, material elétrico e metalúrgico, produção de vinho, soja, milho, arroz e carne”, destaca Flores.

Pedro Simon governou o RS, que acumulava altos montantes em dívidas (Foto: Geraldo Magela/ Agência Senado)

Reforma agrária no Rio Grande do Sul

Junto com a economia, o governo vinha enfrentando a reforma agrária, que nos anos de 1970 deixou mais de 100 famílias sem um local para morar, devido a implementação de máquinas em áreas rurais. Em 1984, surge o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terras, que se transformou no MST. Até os anos 90 ocorreram diversas invasões, e, nesse ano foram apresentadas 44 reivindicações ao governo Collor.

Com a falta de soluções e a liberação de crédito para assentamentos, manifestantes entraram em confronto com a Brigada Militar. “O saldo da guerrilha urbana, com 54 sem terras e 20 policiais feridos e um morto é um sinal claro da fragilidade das relações entre o MST e o governo”, pontua Moacyr Flores em sua obra.

Eleições diretas

Nas eleições diretas de 1989, surgem nomes como o de Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Collor de Mello, que venceu e foi eleito democraticamente depois de mais de duas décadas de regime militar. O governo Collor teve como principal objetivo estabilizar a economia nacional. E isso se deu através do congelamento dos depósitos bancários, o que causou choque na população e não surtiu efeitos positivos economicamente.

Um ano depois de ele assumir, em 1991, começam a surgir ameaças sobre fraudes e corrupção na campanha eleitoral de Collor por parte da população de classe média, que passou a exigir o impeachment do presidente eleito. Fernando renuncia a presidência ainda no mesmo ano e assume Itamar Franco, seu vice.

Caracterizado com um governo de transição, Itamar Franco trouxe a novidade para a economia nacional, que foi a Unidade Real de Valor (URV). Medidas significativas para um avanço positivo da situação financeira no Brasil.

Depois disso, seguiram-se até a atualidade governos democráticos. Em contrapartida, na série de Boris Fausto, o historiador sublinha que apesar das garantias de liberdade através da Constituição, o Brasil continua sendo um país desigual.

Segundo o historiador Golin, atualmente não se trata mais de ditadura ou democracia. “Trata-se de neoliberalismo e de república com seguridade social, compreendendo as reparações históricas dos índios, negros, direitos às diferenças e inclusão das massas miseráveis”, sublinha. Para ele, é dever do estado garantir os lucros do capital. As forças sociais humanizantes da política estão em tensão com o autoritarismo do Estado, que pode garantir o sistema neoliberal inclusive com um poder policial. “A venda antipatriótica das reservas nacionais já é indicativa desse processo”, completa.

Na sequência do governo de Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso assume por dois mandatos, de 1995 a 1999 e de 1999 a 2003. A partir de 2003, Luiz Inácio Lula da Silva é o novo presidente do Brasil, de 2003 a 2007 e de 2007 a 2011. Dilma Vana Rousseff foi sucessora de Lula, eleita duas vezes, de 2011 a 2015 e de 2015 a 2016. Em seu segundo mandato surgiram denúncias por corrupção e “pedaladas” fiscais, o que acarretou em um processo de impeachment. Michel Temer, vice-presidente, assume em seu lugar a partir de 31 de agosto de 2016 até 1 de janeiro de 2019, quando Jair Messias Bolsonaro assumirá a Presidência da República por ter sido eleito no pleito eleitoral de 2018.

Com o voto direto, Collor de Mello, Itamar Franco, FHC, Lula, Dilma e Temer assumiram a presidência (Foto: Acervo Presidência da República/ Montagem)

Falta de representação nacional

Mesmo com a volta da democracia há mais de 30 anos, ainda há reflexos dos longos períodos de repressão e autoritarismo. “Nunca se conseguiu desenvolver e consolidar uma cultura política democrática. Práticas e discursos autoritários continuaram sendo aceitos pela população. O resultado foi uma democracia formal, porém de baixa qualidade”, explica o professor do Programa de Pós Graduação em Ciência Política da UFRGS Rodrigo Stumpf González.

O Rio Grande do Sul teve papel político relevante durante a república e depois no regime militar. Porém, hoje, além do envelhecimento da máquina pública, falta de investimentos em educação, ciência, tecnologia e a perda de receitas, o estado deixou o seu papel como protagonista no cenário nacional. “O papel do Estado é de um observador esperando para ser impactado por medidas tomadas por lideranças de outras partes do país”, completa González.

Leia mais

--

--