Lutadoras abrem espaço para o Muay Thai feminino

O mundo das artes marciais se rende à força das mulheres

Eduarda Moraes
Redação Beta
7 min readNov 19, 2018

--

(Foto: Arquivo pessoal/Paola Guimaraes)

Assim como em outras lutas, o Muay Thai é um ambiente majoritáriamente composto por homens. No entanto, já faz um tempo que as mulheres se inseriram e não deixam por menos. As gaúchas Monique Nunes, 22, e Paola Luzzatto Guimarães, 31, provam que o gênero não é capaz de barrá-las no esporte. Monique é a lutadora campeã gaúcha e brasileira de Muay Thai. Paola ao mesmo tempo também é instrutora, arbitra e ainda gerencia uma página, destinada a mulheres, sobre a luta, a Buffalo Girls.

Embora o emagrecimento e condicionamento físico seja um motivo recorrente para a prática entre as mulheres, Monique e Paola vão além disso. Ainda que possuam histórias distintas em relação ao esporte, que chamam carinhosamente de “Thai”, entram em consenso quanto ao espaço que esse ocupa em suas vidas, para elas é muito mais que uma luta, é uma filosofia de vida.

Uma vida dedicada a luta

Paola Guimaraes iniciou sua história junto ao Muay Thai após a gestação. Buscas anteriores de atividades físicas que a atraíssem, a ponto de fazê-la permanecer na prática, foram frustradas. A modificação do corpo por conta da gravidez em conjunto com a rápida exaustão física e falta de uma modalidade que a retirasse da rotina, maternidade e estudo, levaram-na a buscar um esporte. “Quando o médico me liberou para a praticar alguma atividade física leve, procurei de cara a coisa mais hardcore te tivesse pra treinar. Sempre me interessei por lutas e encontrei uma academia pertinho de casa que tinha Muay Thai. E aí me apaixonei no primeiro treino”, conta Paola.

Paola e seu filho Lorenzo (Foto: Arquivo pessoal/Paola Guimaraes)

Desde então, são 10 anos dedicados ao esporte. Em sua carreira a lutadora contabiliza dez lutas, cinco anos como instrutora e três anos arbitrando profissionalmente. Mesmo com toda a experiência, quando questionada sobre enfrentar preconceitos por ser mulher, ela responde que segue sendo“de diversas formas diferentes”. Paola começou a perceber as restrições quando manifestou seu interesse em participar de lutas. “Meu professor na época, disse que não era bem assim, que eu precisava de tempo para me desenvolver e melhorar a técnica”,relata. A lutadora diz que o apontamento do professor era coerente mas atitude com meninos que desejavam ir para o ringue era diferente. “Para qualquer menino que tivesse um ‘sangue nos olhos’ já era cogitada a possibilidade”. Ela relembra que só conseguiu ir para o embate depois de cinco anos de treino, quando já era instruída pelo marido, e divido ao vínculo teve que mostrar o potencial com mais afinco para ganhar a confiança do treinador.

Outras situações aconteceram enquanto dava aulas. Sentia a falta de confiança que alguns alunos conferiam ao seu trabalho logo que ingressavam na academia. Mas afirma que ao longo das aulas a situação mudava. “Eu já fui xingada e desrespeitada em cima do ringue, enquanto arbitrava”, relata. Paola conta que chegou a ser empurrada por um treinador, quando o advertiu sobre a irregularidade de sua presença no ringue naquele momento. Mesmo assim, a lutadora afirma que esses são casos isolados, segunda ela, praticados por pessoas que costumam ser “mal educadas” no geral.

“Eu acho que sempre que a gente se esforça para fazer um trabalho bem feito, pelo menos, o esforço é reconhecido. Fico feliz que ainda consigo ter muito mais experiências boas com o esporte do que ruins”, revela Paola. Ela acredita que sua experiência no mundo do Muay Thai é um fator positivo, que contribuí para a respeitem dentro e fora do tatame.

Paola comemorando a vitória de uma de suas lutas (Foto: Aquivo pessoal/Paola Guimaraes)

Para ela, as mulheres estão se saindo muito bem na luta. “Nos últimos três anos a mulherada dominou. Hoje, temos diversos estádios de Muay Thai espalhados pelo Brasil e alguns deles com eventos e cards exclusivamente femininos. O primeiro a surgir foi o Super Girls, no Portuários Stadium, em Santos, com ele, foi dado espaço para muitas meninas mostrarem seu trabalho”, comenta. A instrutora saliente que o 1º Canoas Boxing Stadium Girls, evento exclusivamente feminino, foi sucesso de público. E exalta as lutadoras Tainara Lisboa, Rose Amorim, Allycia Hellen, Yuly Alves, como brasileiras que são referência nacional e internacionalmente para as gurias que estão começando.

No entanto, Paola não considera apenas as técnicas de luta quando elege suas inspirações. “Hoje em dia eu mudei muito meus conceitos. Entendo que a mulher, no mundo em que vivemos, não basta ser apenas uma boa profissional. Ser mulher e se posicionar é um ato de resistência, de luta. E acho que além de mostrar um trampo bom no ringue, ser sensível e engajada nessa luta de ‘ser mulher’ pesa muito para mim”. Elenca Tainã Duarte, conhecida como “Ursa”, e Denise Gomes, as suas inspirações.

Sobre o futuro na luta, Paola diz que 2018 foi um ano complicado, passou cinco meses dedicada para duas lutas e acabou deixando outras coisas de lado. Por isso, por enquanto está reorganizando e deixando o futuro para depois.

Para quem está começando a lutadora deixa a dica: “Muay Thai é um esporte de repetição. Requer persistência, dedicação. Não é brincadeira, mas pode ser divertido treinar. Machuca, mas acostuma. O Muay Thai, mesmo para quem não compete, pode e deve ser adotado como estilo de vida! Ele é transformador, mas apenas se tu permitir”.

Comunicação com foco nas mulheres

Para Paola, a internet foi uma facilitadora do Muay Thai no Brasil. Poder acessar vídeos de treinos e lutas que acontecem na Tailândia aproximaram os brasileiros do esporte. No entanto, mesmo com a facilidade de acesso as lutas femininas e mulheres destaques no esporte ainda eram desconhecidas pela maioria dos praticantes. “Nós já tínhamos vários canais de comunicação e informações acerca do esporte, mas as mulheres, por mais que fizessem grandes disputas, nunca estavam sob os holofotes. Eu pensei que, se os caras não sabiam quem eram as lutadoras mais famosas, como iam saber quem eram as mulheres que estavam começando ou até despontando no circuito brasileiro?”. Com foco em divulgar o trabalho, Paola criou a página Buffalo Girls no Facebook.

O nome vem de um documentário que conta a história de duas meninas tailandesas, de sete e oito anos, que sobrevivam da luta. “Esse documentário foi um tapa na cara, porque no caso dessas meninas não era em torno de grandes prêmios a jornada, eram para pagar as contas da família, botar comida na mesa mesmo. A força delas é algo impressionante. Achei que seria muito adequado que aquelas pequeninhas representassem a força feminina do esporte”, revela.

A página reúne matérias, entrevistas, divulgação de eventos, algumas coberturas e transmissões ao vivo comentando o desempenho das lutadoras após os eventos. Para ela, o retorno dos programas tem sido positivo. “Tive ajuda da Andresa Almeida e do Paulo Souza, da Greco Fighters Team — que também comandam o Canoas Boxing Stadium, primeiro estádio de Muay Thai do RS — para produzir tops personalizados e premiar as atletas destaque nos principais eventos de Muay Thai, para incentivar as gurias a lutar, se esforçarem para fazer disputas bonitas, técnicas e emocionantes”, comenta a lutadora.

Ela acredita que a página tenha ajudado a disseminar o esporte no estado e a qualidade das lutas.

Campeã estadual e nacional

Monique comemorando um dos seus títulos. (Foto: Arquivo pessoal/Monique Nunes)

Com 13 anos, Monique Nunes, conheceu o Muay Thai, no início o esporte se apresentou como forma de atividade física alternativa a musculação. Com dois anos de treino, devido a rotina de trabalho e estudo, Monique teve que dixar o esporte. Apenas no ano passado retomou as rotinas de treino.

Para ela, o fato de ser mulher não proporcionou empecilho na carreira. “Até elogiam pelo fato de as mulheres no Thai serem, às vezes, mais guerreiras que os homens. Tanto que dizem: lute como uma garota”, brinca. Monique se inspira nas em lutadoras próximas, de outras academias, pela persistência das meninas.

Campeã gaúcha e brasileira, por WO, a lutadora não sabe dizer qual conquista marcou mais. “Cada vitória deixa uma marca na gente, uma sensação de satisfação, de que todo esforço valeu a pena”, exalta.

Monique diz que pretende seguir lutando mas não tem interesse em se profissionalizar. Porém salienta, que só o tempo pode revelar o que vai acontecer.

Muay Thai

De acordo com a Confederação Brasileira de Muay Thai, a arte marcial originada na Tailândia tem mais de dois mil anos. No Brasil, a luta chegou em 1979, trazida por Nélio Naja junto com um grupo de faixas preta no Taekwondo.

A Confederação ressalta que de 1994 a 1998 foi um período difícil para o esporte no Brasil. Mas a popularização do MMA trouxe a luta de volta em 1999, que se consolidou no país desde então.

--

--