Mesmo com sua seção transferida para o térreo, Silvia ainda sente problemas de acessibilidade na falta de vagas especiais e na dificuldade de subir os lances de escada na entrada da escola. (Foto: Mariana Dambrós/Beta Redação)

Lutando pelo direito de votar

Impedida de escolher seus candidatos no primeiro dia de votação por falta de acessibilidade, eleitora retorna no segundo turno para exercer sua cidadania

Artur Colombo
Redação Beta
Published in
5 min readOct 29, 2018

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Texto por Artur Colombo e imagens por Mariana Dambrós

Impedida de votar por falta de acessibilidade em sua seção eleitoral no primeiro turno das eleições, a auxiliar administrativa Silvia Regina do Amaral, 52 anos, só conseguiu exercer seu direito ao voto no último domingo (28/10), no segundo turno. Ela conta que sempre votou em Sapucaia do Sul e que desde a sua primeira eleição, quando tinha 18 anos, nunca deixou de exercer sua cidadania.

Mesmo conseguindo se deslocar de carro até a Escola Estadual de Ensino Fundamental Gladis Rita Braitenbach, onde vota, Silvia explica que no dia 7 de outubro, primeiro turno das eleições, surpreendeu-se ao descobrir que sua seção, que sempre se localizou no andar térreo, havia sido transferida para um andar superior.

“Isso nunca tinha acontecido. Meu pai e minha mãe votavam ali, eu só chegava e ia votar na minha seção, que era no térreo. Inclusive, por me ver ali, eles já me ofereciam algo para sentar ou auxiliavam me passando na frente na fila”, conta ela. Diante de um cenário distinto no primeiro turno, Silvia pediu que o “não voto” não fosse justificado e sim registrado em ata, por acreditar que o erro não era dela e que estava sendo impedida de votar. O presidente de mesa registrou o ocorrido e forneceu a Silvia uma declaração explicando por que não estava votando, para que ela levasse até a Justiça Eleitoral.

Declaração feita pelo presidente da mesa após Silvia ter recusado a justificação do voto. (Foto: Silvia Regina do Amaral/Arquivo pessoal)

Lidando com as dificuldades

Natural de Santa Cruz do Sul, Silvia foi morar em Sapucaia do Sul — onde hoje vive com o filho, a irmã, uma sobrinha e uma prima — aos sete anos. Já convivia, então, com limitações decorrentes da poliemelite, doença causada por um vírus que vive no intestino, denominado Poliovírus, que teve aos quatro meses de idade. Mesmo tendo feito a vacina contra a doença, Silvia conta, por meio de relatos de sua mãe, que após uma febre alta acabou sendo internada. O diagnóstico da doença se deu apenas um mês após a primeira internação. Sendo assim, o vírus deixou sequelas, como cegueira no olho direito e o encurtamento de 4,5 cm da perna esquerda.

Apesar da deficiência, por ser muito criança quando tudo aconteceu, Silvia explica que se habituou às dificuldades. Mesmo assim, ela conta que as sequelas acabaram gerando outros problemas ao longo do tempo: “Devido ao encurtamento da perna esquerda, de uns 10 anos para cá eu tive um desgaste na cartilagem do quadril direito. Eu não tenho mais cartilagem ali, está osso no osso”.

Com isso, ao caminhar, Silvia sente muita dor, e hoje precisa mais da acessibilidade. “Enquanto jovem eu não tinha problema. Mesmo com o encurtamento da perna eu jogava futebol, corria. Foi então que eu comecei a sentir muita dor e os médicos disseram eu que desgastei o meu quadril porque a vida inteira forcei ele demais, por falta de acessibilidade, por subir muita escada.”

Devido às dores, Silvia hoje dirige um carro automático, por ter dificuldades com a embreagem. Com isso, consegue se locomover mais facilmente no dia-a-dia, sem ter que utilizar transporte público ou caminhar. Isso também facilitou a locomoção até sua seção eleitoral, que fica a 3 km de sua casa — no futuro, ela pretende mudar o local de votação para uma escola mais próxima.

Segundo turno e a luta por direitos

Uma eleitora assídua, Silvia conta que ficou magoada com todo o ocorrido no primeiro turno, principalmente por ser impedida de votar. Apesar disso, no segundo turno das eleições presidenciais, foi garantido para ela que seria realizada uma mudança na sua seção eleitoral, sendo transferida para o térreo. Foi então que, no dia 28 de outubro, Silvia foi até a escola e conseguiu realizar o voto em sua seção, no local de costume. “Agora foi mais tranquilo. Apesar da falta de acessibilidade na entrada, a urna estava no térreo. Me senti como cidadã. Cheguei e pude exercer meu direito ao voto”, relata.

No segundo turno, Silvia votou em sua seção no térreo da escola e foi atendida pelo presidente da mesa, que agradeceu a eleitora por não desistir de votar. (Foto: Mariana Dambrós/Beta Redação)

Quanto à questão da acessibilidade, Silvia reconhece seus direitos e explica estar acostumada a ter que lutar por eles. Hoje, ela é auxiliar administrativa na Unisinos, mas conta que já trabalhou em inúmeras empresas, algumas que permitiam um acesso mais facilitado para ela e outras não. “Eu sempre fui atrás dos meus direitos. Sempre pensei que não podia me esconder em baixo da mesa, preciso subir nela. Afinal, eu não estou fazendo só por mim, tem uma geração de pessoas vindo atrás”, lembra.

Silvia destaca que sempre foi envolvida na discussão política. “Fui presidente de grêmio estudantil, em 84 ajudei a fundar o Partido dos Trabalhadores em Sapucaia do Sul e trabalhei muito em campanha”, enumera. Orgulhosa, explica que devido a essa relação com a política e a busca por seus direitos é que ela escolheu, hoje, fazer faculdade de Direito pela Unisinos, onde tem desconto por ser funcionária. “Nessa altura da minha idade, eu não estudo por uma formação, não pretendo brilhar em um tribunal. Hoje, eu estudo para adquirir mais conhecimento. Quanto mais conhecimento eu tiver e poder passar isso para o meu dia-a-dia, melhor”, conclui.

Veja abaixo como foi o dia de votação de Silvia e confira um relato da eleitora sobre o ocorrido no primeiro turno:

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