Máscaras de tecido viram fonte de renda alternativa durante pandemia

Artesãs e microempreendedoras precisam se reinventar durante crise para garantir sustento familiar

Helen Appelt
Redação Beta
7 min readApr 29, 2020

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Máscaras de tecido são sustentáveis, econômicas e oferecem estilo. (Imagem: Arquivo pessoal/Samantha Rodrigues)

N o início de abril o Ministério da Saúde orientou a população a utilizar máscaras de tecido como forma de se prevenir contra a Covid-19, devido à escassez das máscaras profissionais, como as cirúrgicas ou as N95. A orientação serviu de oportunidade para as famílias gerarem um renda extra durante a pandemia. Foi o caso da moradora de Gravataí, região metropolitana de Porto Alegre, Samantha Rodrigues, 34 anos, que até então trabalhava com decoração para festas de casamento e para aniversários infantis.

Trabalho de Samantha desenvolvido antes de iniciar na produção de máscaras. (Imagem: Arquivo pessoal/Samantha Rodrigues)

O gosto por costura e artesanato vem desde a infância, mas há sete anos ela recebeu sua primeira encomenda de criação. “Eu faço artesanato desde que me conheço por gente, sempre gostei. Comecei a fazer fantasias infantis a pedido de uma cliente e não parei mais”, conta. Mas a necessidade do distanciamento social provocou o cancelamento da sua agenda até o mês de agosto. Não restou outra alternativa: “Estou trabalhando exclusivamente com máscaras de tecido há 24 dias”.

Ela explica que para empreender nesse novo serviço precisou fazer algumas pesquisas de mercado, calcular custos de material e mão de obra. Além disso, pesquisou o preço da concorrência, criou uma planilha de controle para a produção e iniciou os trabalhos. Samantha explica que um metro de tecido pode render oito máscaras no tamanho adulto, pois para seguir as recomendações do Ministério da Saúde é necessário duas camadas de tecido.

Em números, ela aponta que a produção com um bom tecido tem um custo de R$2,80 a R$3,15 por máscara, incluindo os custos com tecido, linha e elástico. Samanta está cobrando R$10,00 por máscara. A artesã já confeccionou pelo menos 1.300 unidades. Por causa da demanda e a preocupação de oferecer um produto de qualidade, Samantha conta com a ajuda da namorada, Gabriela Aguiar. “Eu faço toda a parte relativa à produção das máscaras, corte, costura e acabamento. Ela cuida do atendimento aos clientes, agendamentos de entregas, fotos dos tecidos disponíveis, fotos dos produtos e da embalagem para a entrega”, explica.

A produção depende da demanda de pedidos. Samantha conta que teve dias que produziu apenas 30 máscaras, mas já chegou a 120 unidades. A média é aproximadamente 56 por dia. “Não sei quanto tempo isso vai durar, mas espero que enquanto a Covid-19 nos obrigar a ficar em distanciamento social as vendas das máscaras continuem, porque pra quem trabalha com evento como eu, vai ser cada vez mais difícil. Graças às máscaras, estou conseguindo pagar minhas contas”, pondera.

Luiza Andrade, de 38 anos, mora em Belo Horizonte e trabalha há cinco anos como artesã. Seu trabalho nessa área é dedicado ao conforto e segurança de crianças em veículos, como almofadas de cinto de segurança, faixa soninho, trava para cadeirinha e apoio de cabeça. Ela é uma entre tantos milhões de brasileiras que precisaram se readequar a nova forma de trabalho, pois a demanda da atividade que desenvolvia antes caiu. Luiza também vende máscaras, e pelo mesmo valor de Samantha: R$10,00. Ela contava com a ajuda do marido para a tarefa. Além de recortar e moldar o tecido, era ele quem realizava as entregas. Mas um acidente de moto o colocou de repouso, e agora, Luiza está tendo que fazer tudo sozinha. Desde que começou este trabalho ja foram 1.500 unidades, e a média de suas encomendas varia de 50 a 80 unidades por dia. Sobre o lucro das vendas ela, relata: “Colocando tudo na ponta do lápis, uns 200%”.

Daysa Barbosa Laurentino, 30 anos, moradora do Rio de Janeiro, possui um currículo extenso de profissões exercidas, pois cada momento da vida lhe exigiu uma nova experiência. Já trabalhou em telemarketing, de estagiária em órgão público, na área de turismo e recepcionista. Trabalhar no regime CLT não era algo que lhe agradava, então buscou cursos e especializações para seguir em trabalhos autônomos. Depois de se especializar como maquiadora e design de sobrancelhas se sentiu preparada para lançar sua primeira apostila e ministrar cursos a partir de abril, mas a pandemia que chegou em março mudou seus planos.

Daysa se inspirou para vender máscaras por meio das redes sociais e montou uma equipe com mais quatro pessoas para lhe ajudar nos negócios. (Imagem: Reprodução/Instagram/Daysa Laurentino)

Como inspiração, Daysa seguiu os passos de uma moça que viu nas redes sociais e foi mais uma a se arriscar nas máscaras de tecido. Realizou uma pesquisa de mercado e contratou uma costureira, além da irmã caçula, o marido e um amigo da família para compor a equipe. Mais de 2.500 máscaras foram vendidas com um preço entre R$8,00 e R$10,00. O montante arrecadado é divido entre a irmã , que auxilia no atendimento (R$250,00), a costureira, que recebe por produção unitária, e o restante para ela e o marido. Já o amigo entregador fica com 100% do valor cobrado de frete. “Foi uma experiência incrível. Eu não fazia parte desse mercado, então foi um efeito camaleão, por precisar me adaptar à realidade e agir rápido. Produzir e vender máscaras está sustentando minha família inteira, inclusive meus pais que são camelôs e também estão vendendo máscaras”, conta.

Empreendendo na crise

Segundo Jorge Lopes Ferreira, professor de Gestão e Negócios da Unisinos, “toda crise representa desafio e oportunidades, portanto, é natural que tenha áreas de trabalho com perda de receita, enquanto outras ganham demanda”. Ele comenta que a adequação ao momento fica por conta de cada profissional, que na medida do possível, pode encontrar uma forma alternativa de gerar renda. “Quem trabalha com costura e artesanato, tem a oportunidade de substituir a renda perdida e, ao mesmo tempo, prestar um serviço muito útil para a sociedade, com a produção de máscaras de proteção”, ressalta o professor.

Jorge ainda complementa que, quem aproveita o momento para se reinventar economicamente também é empreendedor. “A crise apresenta oportunidades e aqueles que sabem aproveitá-las, são empreendedores sim”, explica. Porém não basta apenas empreender, é preciso ainda mensurar a precificação e o valor do produto a ser vendido. O professor diz que é necessário primeiramente olhar “para dentro de casa”, avaliando os custos além do material e mão de obra, para entender se o preço cobrado será suficiente para a necessidade do empreendedor.

No momento de pensar na produção, o administrador e empresário Jonas Cardona Venturini, 37 anos, de Porto Alegre, explica que no caso das máscaras, os empreendedores devem avaliar o custo da matéria prima e o valor hora deles para produzir o produto. “Outro ponto que deve ser levado em consideração, é além da qualidade da matéria prima, é o modelo de máscara com que se pretende trabalhar — devido a quantidade de material que varia”, comenta. Uma questão importante que Jonas ainda aponta é tipo de escala a ser trabalhada. Se a demanda for ampla, com muitas encomendas, há uma necessidade de reduzir o preço para ganhar na quantidade. Caso seja menor, é necessário trabalhar artesanalmente, seja com uma costura mais reforçada, o modelo, ou algo que diferencie o produto, para aumentar o preço.

Jonas explica também que há uma diferença entre preço e valor. “Preço é quanto custa o produto. O valor também é composto pelo preço, mas ele não é só isso. Se eu faço uma máscara que agregue valor ao meu cliente, por exemplo, se ela não aperta, se tem uma capacidade maior de absorção, ou que eu possa lavar e ela seque muito rápido, isso é geração de valor”, explica. Para o empresário, valor é uma forma de atender uma necessidade ou desejo do cliente.

Acessório extra

A artesã Lilian Raupp de Freitas, 44 anos, é moradora de Canoas e trabalha há 15 anos com artesanato e costura. “A costura é uma herança familiar que aprendi com minha mãe que aprendeu com minha vó e meu avô que era alfaiate”, conta. Até então ela trabalhava com bolsas personalizadas, mas com a pandemia também passou a produzir máscaras e, para agregar valor ao seu trabalho, voltado principalmente ao público feminino, acrescentou faixas para o cabelo.

A máscara avulsa tem um valor de R$10,00, enquanto o conjunto com a faixa é de R$20,00. A demanda tem sido grande: “De 25 a 30 por dia. Segunda a Sexta. Mas já cheguei a trabalhar de segunda a segunda conforme a necessidade das clientes”, explica. Lilian também oferece outras ideias para ter estilo durante a pandemia, como porta álcool em gel e rabicó de cabelo, também conhecido como xuxinha.

Lilian divulga seus trabalhos pelo Instagram. (Imagem: Reprodução/Instagram/Atelier da Lilian Raupp)

Pós pandemia

Enquanto durarem as incertezas, afinal, ninguém sabe quanto tempo será necessário para o distanciamento social acabar, o mercado de máscaras de tecidos continuará aquecido. Para Jorge Lopes Ferreira, professor da Unisinos, este é o momento também de planejar o futuro. “Quando a pandemia acabar, a demanda por máscaras sem dúvida cairá, e o empreendedor precisará tomar uma decisão: continuar empreendendo na indústria têxtil ou buscar outra atividade. Seja qual for a escolha, haverá necessidade de preparo. Caso decida trabalhar com a produção têxtil, deverá buscar conhecer melhor o mercado e as tecnologias disponíveis, para que possa ofertar produtos com competitividade. Caso pretenda seguir outros rumos profissionais, deve buscar uma capacitação com antecedência, para que, ao término da pandemia e com a melhora na atividade econômica, já possa buscar uma recolocação no mercado”, opina.

Aprenda a fazer a máscara em casa

Para quem tiver interesse em criar sua própria máscara caseira, pode visitar o site do Sebrae, que ensina o passo a passo da confecção.

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