Mais de 100 mil crianças não foram vacinadas contra a poliomielite no RS

Especialista avalia histórico das campanhas de vacinação no país e o que pode estar motivando a baixa procura pela imunização

Émerson Santos
Redação Beta
5 min readNov 17, 2020

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Sala de vacinação da UBS Amaral Ribeiro, de Sapiranga, está vazia devido a baixa procura pelas vacinas. (Foto: Leonardo Oberherr)

A Campanha Nacional de Vacinação contra a Poliomielite e a Multivacinação foram prorrogadas até 21 de novembro no Rio Grande do Sul — inicialmente iriam até o final de outubro. O motivo da prorrogação: a baixa adesão ao programa.

No dia 26 de outubro, quatro dias antes do encerramento do prazo inicial, a taxa de cobertura vacinal contra a pólio era de 48,2%, de acordo com a Secretaria da Saúde do Estado. A meta da campanha era atingir 95%. O fato acontece em meio a pandemia da Covid-19, momento em que há um esforço global para o desenvolvimento de uma vacina que possa imunizar contra o novo coronavírus. Mas por que a vacinação, que combate uma doença já erradicada no país, está sendo rejeitada por parte da população?

A poliomielite, também conhecida como paralisia infantil, é uma doença infectocontagiosa causada pelo poliovírus e que acomete geralmente crianças de até cinco anos, podendo inclusive levar à morte. O último caso de pólio registrado no Brasil, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), foi em 1989, tendo o país recebido o certificado de eliminação da doença em 1994. O epidemiologista Juvenal Soares exalta a luta do Brasil contra a doença na década de 1980, quando foi introduzido com sucesso no país o Dia Nacional da Vacinação. “O esforço extraordinário de vacinar cerca de 20 milhões de crianças em um dia, no mês de julho, em todo o território nacional, fez despencar os casos da doença”, pontua.

Haviam sido registrados 1.290 casos de poliomielite em 1980 no Brasil. Em 1981, já com grande parte das crianças vacinadas, o número caiu para 122. No ano seguinte, foram 45, sendo que os casos diminuíram a cada ano até o último registro em 1989. No entanto, até que a doença seja erradicada no mundo, existe o risco de que casos sejam importados, e o vírus volte a circular no país. Por esse motivo, é necessário que a vacinação siga acontecendo. “Entretanto, nos últimos anos têm sido constatada a diminuição no número de crianças vacinadas nos dias de vacinação”, afirma o epidemiologista.

A Campanha Nacional de Vacinação contra a Poliomielite, em 2013, teve cobertura vacinal de 95,68% no Rio Grande do Sul. O índice é muito superior aos 67% alcançados até o dia 9 de novembro de 2020, 35 dias após o início da campanha. De acordo com a Secretaria da Saúde do Estado, 174 mil crianças ainda precisavam receber a vacina naquele momento para que a meta fosse atingida.

UBS Amaral Ribeiro tem sido pouco procurada para vacinação contra a Pólio. (Foto: Leonardo Oberherr)

A técnica de enfermagem Michele Molter, vacinadora da UBS Amaral Ribeiro, de Sapiranga, confirma o desempenho aquém do esperado da campanha. “A procura pela vacina da pólio foi muito menor, tanto que houve a prorrogação. Ainda assim, a procura segue baixa e acredito que o cenário não vá mudar muito até o dia 21 de novembro”, lamenta.

Também não se pode ignorar o fato de que a maior arma contra o coronavírus é o distanciamento social. Então, as medidas de isolamento social podem ter influenciado na baixa dos índices de vacinação neste momento.

É o que diz o epidemiologista Juvenal Soares. “O isolamento social foi importante medida para se evitar a propagação da pandemia e certamente contribuiu para a diminuição da vacinação, até porque os serviços de atenção básica se transformaram, direcionando seu foco para o atendimento à Covid-19”, ressaltou o especialista, apontando para o fato de que essa transformação afastou pais e mães dos postos de saúde.

Faltou divulgação da campanha, dizem os pais

Grasiela Silveira da Rosa, de 31 anos, mãe da pequena Heloísa Rosa da Silva, de um ano, revela que quase não vacinou a filha pela falta de divulgação sobre a campanha. “No meu bairro não foi divulgada. Fiquei sabendo por acaso, por uma pessoa de outro bairro”, disse.

“Talvez, a ênfase à vacinação não seja a mesma de décadas atrás, quando se percebia uma mobilização nacional”, analisou Juvenal Soares. Ele lembra que na final do Campeonato Brasileiro de 1980, por exemplo, jogadores do Clube de Regatas Flamengo e do Clube Atlético Mineiro entraram em campo, no Maracanã, com uma faixa alusiva ao Dia Nacional da Vacinação. A repercussão da campanha, na época, também era extensa no Jornal Nacional, comenta o epidemiologista.

No contexto pandêmico, o justificado fechamento do país impediu a divulgação das campanhas de vacinação nas escolas e o trabalho de busca às crianças não vacinadas pelos agentes comunitários de saúde.

Descaso e desinformação

Em 2019, a OMS incluiu o movimento antivacina no relatório das 10 maiores ameaças à saúde no mundo. De acordo com a Secretaria de Saúde do Estado, uma pesquisa de 2019 mostrou que a desinformação e o descaso e a são as principais causas da não vacinação. O epidemiologista Juvenal lembra que essa onda de informações falsas sobre as vacinas surgiu em 1998, a partir de um boato de que a vacina tríplice viral (sarampo, rubéola e caxumba) pudesse apresentar como efeito adverso o autismo.

“A suspeita foi afastada e rechaçada, inclusive com um estudo realizado na Dinamarca envolvendo 600 mil crianças. Mas a divulgação [do boato] causou um efeito inacreditável”, analisa o epidemiologista. Ele afirma que o movimento antivacina lembra muito o comportamento, que classificou como absurdo, da população do Rio de Janeiro no início do século passado, quando houve a necessidade de se erradicar a varíola na cidade. O episódio ficou conhecido como Revolta da Vacina.

A erradicação de algumas doenças no país também pode afetar os índices de vacinação. “Já se assume que o controle das doenças tenha provocado nos pais a sensação de que as crianças não precisassem mais ser vacinadas. Ora, o efeito protetivo precisa ser aplicado e renovado a cada geração”, pontua Juvenal Soares.

Por fim, o epidemiologista reitera a importância das vacinas e faz um apelo aos pais e mães que ainda não vacinaram seus filhos contra a poliomielite. “A vacinação é o método de prevenção primária mais eficaz que se conhece. Vacine seu filho contra a pólio”, finaliza.

Entenda melhor o que é poliomielite, o que ela causa e como se proteger dessa doença. (Vídeo: Ministério da Saúde)

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