Maternidade real: mães relatam os desafios e aprendizados da amamentação

Muito além do que se vê nas redes sociais, amamentar não é tarefa fácil; reportagem mostra as dificuldades e experiências das lactantes

Laura Rolim
Redação Beta
9 min readMay 3, 2023

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A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que os bebês sejam alimentados exclusivamente com leite materno até os seis meses de idade. (Fonte: Flickr)

O aleitamento costuma ser uma tarefa bastante desafiadora para as mães, sejam elas de primeira viagem ou não. Isso porque, além de lidarem com uma enxurrada de sentimentos, muitas acabam tendo dificuldades para amamentar. A dor intensa nos seios, a pega errada (quando o bebê mama de forma incorreta) e as inseguranças relacionadas à amamentação são bastante citados como os desafios mais frequentes. Além deles, outros podem aparecer pelo caminho, como fissuras no peito, sangramentos e mastite — a inflamação aguda dos tecidos da mama.

De acordo com Cris Machado, consultora de amamentação, muitas mães desistem do processo por não estarem preparadas para lidar com uma qualidade de amamentação. “A boa técnica de mamada é o principal fator. Ela consiste em posicionar o bebê de forma adequada na mama, manter os seios secos e bem higienizados, evitar o uso de protetores e absorventes de mamas, e fazer a drenagem adequada — além de sempre ofertar o peito quando senti-lo endurecido”, elucida Cris.

Com o objetivo de visibilizar assunto, neste mês de maio, dedicado às mães, a Beta Redação conversou com mulheres que viveram ou estão vivendo a experiência do aleitamento materno. Pedimos que relatassem de forma muito expontânea o processo de alegrias e dificuldades nas primeiras mamadas da criança.

Se pesquisarmos por relatos de parto, puerpério e privação do sono, provavelmente encontraremos uma infinidade de conteúdos disponíveis. Mas pouco escutamos sobre os desafios de amamentar, assim como descrevem as entrevistadas dessa reportagem. Nas linhas abaixo, você vai conferir a voz delas com a menor edição possível, e terá contato com a maternidade real , em um painel com três mulheres que contam as suas experiências e os caminhos encontrados para o aleitamento materno.

A culpa é inimiga da saúde mental da mãe

Camila de Andrade Bernardo, estudante, mãe de Lorena, de quatro meses, conta que o início foi difícil. Além da bebê ter nascido prematuramente, devido a pré-eclâmpsia, levou alguns dias para que a adaptação ao peito acontecesse.

Depois de muitas tentativas, Camila decidiu amamentar a filha através da mamadeira. (Fonte: Arquivo Pessoal/Camila Bernardo)

Mesmo passando por consultoria de amamentação, levou alguns dias até que conseguíssemos pegar o jeito. Depois de um período de muitas tentativas, optei por não amamentar diretamente pelo peito. A primeira vez que eu amamentei foi com muita ajuda das enfermeiras, foi logo após o parto, e mesmo tendo estudado e me preparado, não teve aquele instinto de que tanto falam. Minha bebê precisava de muita ajuda para mamar, porque ela era minúscula e as mamadas levavam em torno de duas horas.

Eu imaginava aquela coisa romantizada do Instagram, que é uma conexão de mãe e filho, que não tem sensação mais incrível. E antes condenava na minha cabeça todo mundo que não amamentou pelo tempo indicado, porque não podia ser tão difícil assim.

Durante esse período, é normal que as mulheres passem por mudanças no corpo, assim como ao longo da gestação. “Três meses antes de engravidar, coloquei prótese de silicone e, durante a gravidez, meus seios já foram caindo e estrias apareceram. Fiquei chateada, obviamente, mas tinha uma razão para aquilo estar acontecendo, e priorizei a bebê acima de tudo. Pensava que depois mais plástica resolveria”, relata Camila.

Eu ficava feliz só de estar produzindo muito leite pra ela. Porém, tivemos problemas com ganho de peso. A amamentação, que já era estressante, se tornou ainda pior, porque eu me cobrava e me culpava por ela não ganhar peso.

Iniciei com o copinho, para ela não largar o peito. Ela tomava, mas era uma briga sem fim, e foi perdendo a paciência para mamar no peito também. Em seguida, passei para a colher dosadora. Ela tomava melhor, mas brigava muito, não gostava de ficar sentada no colo, e dar de mamar na almofadinha era muito mais trabalhoso. Também iniciei com a fórmula nesse período, e a culpa pegou mais alto do que nunca.

Até que, um dia, vindo do litoral pela Freeway, em um trânsito intenso, ela começou a chorar de fome no bebê-conforto. Sem ter como alimentá-la com a colher, peguei a mamadeira que usava para armazenar o leite que tirava da bombinha elétrica e ela tomou maravilhosamente bem, sem brigas, sem estresse. Foi a paz e a harmonia que tanto buscamos. Depois disso, passei a usar a mamadeira, mas a Lorena não quis mais mamar no peito. Mas eu ainda tiro meu leite na bombinha e dou junto com a fórmula.

Eu me senti livre, para ser bem sincera. Detestava passar duas horas com ela pendurada em mim, chorando e brigando, sem ganhar peso. Somos bem mais felizes agora. Eu me sinto aliviada de poder curtir ela como eu não consegui nos primeiros três meses, sem culpa e sem estresse".

"Gostaria de ter escutado que um filho merece uma mãe mentalmente sã, o menos exausta possível. Maternidade não tem que ser sinônimo de sofrimento e exaustão. Se não conseguires ou não gostares de amamentar, está tudo bem. Teu filho vai te amar incondicionalmente da mesma forma, vais continuar sendo a mãe dele e não vais ser menos mãe por isso”.

Camila conta que as duas são mais felizes agora, depois que ela passou a tirar o próprio leite e complementar com fórmula. (Fonte: Arquivo Pessoal/Camila Bernardo)

A dor e a satisfação do desafio cumprido

Para a comunicadora Kelly Matos, que é mãe de Gabriel, de dois meses, a amamentação também foi mais difícil do que ela imaginava. Em um post no Instagram, a jornalista desabafou sobre as dificuldades enfrentadas, e contou muito mais à reportagem.

Kelly Matos foi mãe recentemente, e compartilha suas experiências de maternidade através do perfil do Instagram. (Fonte: Arquivo Pessoal/Kelly Matos)

“Confesso que me preparei muito, mas subestimei a amamentação. Achava que o parto seria muito difícil. De fato, não é fácil — para isso, fiz exercício e treino de expulsão, que é um balão que tu colocas para aprender como deve fazer força. Para a amamentação, achei que eu teria alguma facilidade. Não sabia que, nas primeiras pegas, quando o bebê bota a boca, sentimos muita dor. E, mesmo depois, quando tu já dominas o processo e estás bem, a primeira [pega] dá um desconforto e depois vai aliviando. Eu não sabia disso.

A gente sabe que o parto dói. Qualquer pessoa sabe. Mas temos que falar mais. Por isso, até postei no meu Instagram que amamentar não é lindo. O processo, depois de ter o seu bebê mamando, é lindo. Mas o início da amamentação é muito difícil e, pelo que estou vendo, é para todo mundo.

Nunca me passou pela cabeça que sentiria como se uma gilete estivesse cortando o meu mamilo. Nunca. Imaginava que ele botaria a boca ali, eu daria a teta e, como tenho peito muito grande, pensava: ‘vai sair muito leite, então está ótimo’. Imaginava que o leite viria fácil e sem dor nenhuma.

Cada vez que ele colocava a boca ali para mamar, eu dava um grito. Chorava. Pingavam as minhas lágrimas na criança. Minha mãe ficava com dó. Eu falava: ‘não vou desistir’. Mas comecei a ter empatia por quem desiste. Entendi, porque realmente é uma dor insuportável. Então, achei nas minhas coisas um bico de silicone, que se coloca por cima do mamilo. Nenhuma consultora recomenda, porque o bebê pode confundir e não querer mais pegar a mama natural. Foi o que me salvou, porque eu não teria conseguido continuar.

Via nas novelas e nas fotos das redes sociais as mães dando de mamar felizes da vida. Nas propagandas de fralda, ou do dia das mães, nenhuma mãe está urrando de dor. Quando publiquei o meu texto no Instagram, foi enorme a quantidade de mulheres que escreveu falando: ‘para mim, foi igual’. Quando amamentei pela primeira vez, não foi como disseram. Ninguém te conta que é terrível no começo. Esse mundo cor de rosa, em que a pessoa dá o peito e o bebê mama, e vem um cheirinho de Johnson’s Baby, não existe.

Nas primeiras vezes em que o bebê mamar vai doer. E o que temos que fazer? Ajustar a pega. Porque não é instinto, não é mágico, não é sobre amor, porque tu amas aquele bebê e o bebê te ama também. Depois passa a ser sobre o amor. Mas no começo não é. No começo tu não sabes fazer e a criança também não sabe.

A amamentação foi tão difícil porque eu não fazia ideia desse início dolorido. Como é que ninguém diz que isso é dolorido? Não tem nenhum problema dizer, mas colocar isso em um lugar sagrado é como se tirasse a possibilidade de uma mulher dizer que dói, que sofre para amamentar. É como se ela estivesse fracassando. Precisamos falar sobre as dores e dificuldades do início para que uma mãe não se sinta culpada, até para estar preparada para este primeiro momento, para saber que não é uma coisa mágica, que não é instintivo.

O leite materno é muito poderoso. Não me arrependo nem por um minuto de ter continuado. Entendo quem desiste. Mas, no meu caso, ter insistido, me orgulha e acalenta, porque sei que meu bebê está tendo o melhor que uma criança pode ter, que é o leite materno".

"Eu faria mil vezes, apesar de falar que é um perrengue, que foi, disparado, a coisa mais difícil que já fiz, mas vale cada minuto, cada hora, cada dor que passei. E não glamourizo. Dói para caramba. Acho que é a coisa mais difícil e mais poderosa que já fiz nesses 35 anos de vida."

A comunicadora descreve a amamentação como “a coisa mais difícil” que já fez em toda a vida. (Fonte: Arquivo Pessoal/Kelly Matos)

Respeite a sua própria natureza

A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que os bebês sejam alimentados exclusivamente com leite materno pelo menos até os seis meses de vida. E, mesmo após a introdução dos alimentos, aconselha que sigam sendo amamentados até os dois anos de idade ou mais. Esta última orientação é seguida pela cantora e influenciadora digital Priscila Brenner, mãe de Davi, 5 anos, que mamou até os quatro anos de idade, e ainda recorre ao peito ocasionalmente. Para Priscila, a amamentação foi um processo de descobertas e empoderamento, que rendeu até uma música sobre o processo.

No perfil do Instagram, Priscila Brenner cria conteúdos relacionados a maternidade e educação respeitosa com as crianças. (Fonte: Arquivo Pessoal/Priscila Brenner)

“Depois que tive o Davi, eu me apaixonei pelo mundo da criação e amamentação. Entendi que o leite materno é o alimento mais saudável do mundo, e não fazia sentido tirar isso do meu filho por causa dos tabus da sociedade. Também sempre foi um momento de fortalecer nossa conexão. Não existia um motivo plausível para parar, então eu segui.

Não tive grandes dificuldades, como sentir dor, ou com a amamentação em si, porque desde cedo busquei muita informação e pessoas para me ajudar. Nem sempre tu precisas pagar por isso. Podes ir ao hospital, lá tem enfermeiras disponíveis para ajudar. Claro que há a parte da privação de sono, mas toda mãe vive isso, até as que não amamentam.

Logo no início, tive auxílio de uma consultora de amamentação. Ela me ajudou com a pega correta e me deu muitas dicas. Desde lá, não senti nenhum desconforto físico. Amamentar foi realmente muito gostoso para mim e para o Davi, um momento ímpar de conexão.

Por ser influenciadora, eu já tinha uma certa experiência em lidar com pessoas se intrometendo em assuntos pessoais, mas o fator principal para lidar com as opiniões contrárias foi estar munida de conhecimento. Eu sabia que estava fazendo o melhor para o meu filho, tanto para a saúde física quanto emocional dele, então não me importava com as opiniões. Conhecimento é poder. Ele te empodera para nadar contra a maré.

O Davi sempre mamou em livre demanda, mesmo quando maior. O leite materno precisa da sucção para ser produzido. Quanto mais incentivo com a sucção, maior a produção de leite. Por isso, dividir mamadas por tempo ou turno pode prejudicar a amamentação".

"A natureza é sábia, meu corpo estava alinhado com a demanda do Davi. Foi um processo difícil, mas foi maravilho para mim como mulher e como mãe também, pela conexão".

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