Meninas ampliam representatividade no skate

Modalidade que estreou nas Olimpíadas de Tóquio abre cada vez mais espaço para o protagonismo de mulheres

Luana Ely Quintana
Redação Beta
7 min readMar 18, 2022

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O número de mulheres skatistas no Brasil praticamente dobrou de 2009 a 2015, segundo o Datafolha. (Foto: Arquivo Pessoal/Sofia Godoy)

“Como menina que pratica o esporte, acho que não desistir, mesmo com comentários desnecessários, e não se importar com a opinião dos outros é o mais importante para continuar”, destaca a skatista da modalidade bowl e park, Lara Vargas, de 12 anos.

Com apenas 3 anos de idade, Lara se apaixonou pelo skate. Sem saber direito o porquê, nas palavras dela mesma, “comecei a andar de skate, me apaixonei e nunca mais parei”. Natural de Campo Bom, no interior no Rio Grande do Sul, atualmente a menina desfila talento pelas pistas de Florianópolis, em Santa Catarina. Com um olhar sempre à frente, inspirada por Sky Brown — skatista nipo-britânica e primeira medalhista de bronze olímpica na modalidade park feminino — Lara sonha com as pistas mundo afora. “Meu maior sonho é viver do esporte e viajar o mundo”, revela.

“O skate significa simplesmente tudo. Minha vida é isso, não consigo mais viver sem andar de skate” , afirma.

Inspirada pela skatista Sky Brown, Lara sonha com as pistas do mundo. (Foto: Arquivo Pessoal/Lara Vargas)

Da proibição às Olimpíadas

O skate era um esporte injustiçado. Nas Olimpíadas de Tóquio 2020, ele finalmente ganhou espaço e se tornou uma modalidade olímpica. No Brasil de 1988, entretanto, o então prefeito de São Paulo, e ex-presidente do país, Jânio Quadros, em decreto publicado no dia 24 de junho, proibiu a prática do esporte no Parque Ibirapuera durante os dias de semana. Tal ação gerou um sentimento de revolta em muitos skatistas. Uma “skateata” foi organizada e, como resultado, Quadros proibiu a prática em toda a cidade paulista. No ano seguinte, quando a nova prefeita, Luiza Erundina, assumiu o posto, revogou a proibição e liberou a prática do skate na maior cidade do país.

Uma “skateata” foi organizada pela proibição da prática do esporte no Parque Ibirapuera e, por causa da manifestação, Jânio Quadros proibiu a prática em toda a cidade. (Foto: Reprodução/Twitter)

Após 33 anos da proibição, representando o Brasil, uma “fadinha” disputou a prova final das Olimpíadas de Tóquio e conquistou seu espaço no primeiro pódio olímpico do skate street feminino. A medalha olímpica prateada de Rayssa Leal chamou a atenção de muitas de mulheres que ainda se sentiam apagadas por escolherem um esporte culturalmente taxado como masculino. A então “fadinha do skate”, como foi carinhosamente apelidada pelos brasileiros após um vídeo seu vestida de fada andando de skate viralizar na internet, chegou a Tóquio e bateu suas asas nas pistas japonesas para o mundo inteiro admirar.

Com apenas 13 anos, Rayssa conquistou sua medalha de prata no dia 26 de julho de 2021, se tornando a 7ª medalhista olímpica mais jovem da história e a mais jovem brasileira em 85 anos. “Eu achei incrível, como menina e como skatista, ter visto a Rayssa participar das Olimpíadas e ser medalhista, por ela ser tão nova e ter esse talento”, diz Lara.

“Mostra que todas nós, meninas, somos capazes também. A Rayssa Leal significa a força feminina do skate”, pontua.

Rayssa Leal comemora a conquista da medalha de prata nas Olimpíadas de Tóquio. (Foto: CBSk)

A partir da conquista de Rayssa e, também, de diversas outras meninas e mulheres antes dela, o skate se tornou um marco na luta pela igualdade de gênero. O número de mulheres skatistas no Brasil praticamente dobrou entre 2009 e 2015, segundo pesquisa encomendada pela Confederação Brasileira de Skate (CBSk) ao Datafolha. Na ocasião, 8 milhões de pessoas praticavam a modalidade no Brasil. Deste total, 2 milhões eram mulheres.

Além da Rayssa, diversas outras meninas compartilham o mesmo sonho e paixão, como é o caso de Sofia Godoy, de 13 anos. A jovem é apaixonada pelo esporte desde outubro de 2019, quando um amigo do seu pai a convidou para andar de skate em Sapiranga. “Eu fui andar de roller e pedi para o meu pai para andar de skate, porém eu nunca tinha nem subido em cima de um. Eu simplesmente comecei a embalar e estou embalando desde então”, conta.

“O skate significa gratidão para mim”, expressa a skatista (Foto: Arquivo Pessoal/Sofia Godoy)

Cheia de atitude, Sofia deixa sua marca por onde passa. Com seus cabelos cacheados e com pontas verdes, a menina conquistou vitórias e fãs em 2021, mesmo ano do sucesso da "fadinha". “Foi muito legal ver a Rayssa conquistar o pódio, isso me motivou mais ainda e me mostrou que é possível realizar esse sonho”, diz.

O sonho de disputar uma Olimpíada

Com o desejo de se profissionalizar, viajar mundo afora e, também, disputar uma Olimpíada, Sofia conseguiu viajar muitos quilômetros do território nacional em competições da Liga Amadora de Bowl, promovida pela CBSk. A menina passou e deu um show em estados como Santa Catarina, São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, se destacando em meio a centenas de competidores.

Segundo ela, o skate transformou sua vida. “Foi uma mudança enorme, pois era muito tímida antes do esporte e, hoje, me sinto mais à vontade com a galera”, enfatiza Sofia, ao aconselhar cada skatista a não desistir das suas metas no esporte.

“O skate significa gratidão para mim. Sou grata por cada manobra nova, cada dica recebida, cada amizade que o skate me proporcionou até agora. Obrigada, família skateboard, por me receber tão bem neste esporte”, disse Sofia Godoy, atleta de 13 anos

“A Sofia foi a revelação do ano de 2021”

Luis Antonio Rejani, treinador de Sofia, destaca que, antes dos Jogos Olímpicos de Tóquio, ele não possuía nenhuma aluna menina e que, agora, ele treina duas alunas fixas. “Com certeza, a Rayssa é a principal responsável por essa procura de meninas pelo esporte”, frisa.

“Ela [Sofia] tem um futuro muito promissor no skate”, destaca o treinador, Luis Rejani (Foto: Arquivo Pessoal/Sofia Godoy)

Sobre Sofia, só elogios. “A Sofia foi a revelação do ano de 2021, pois ninguém a conhecia”, diz. “Ela tem um futuro muito promissor no skate, embora seja de modalidade diferente do que a Rayssa. Mas acredito que ela tem potencial para chegar em uma Olimpíada”, complementa.

A diferença entre modalidades

O skate street, praticado por Rayssa, como o próprio nome diz, é a modalidade que envolve elementos do dia a dia encontrados pelas ruas, como bancos, corrimãos, escadas e rampas. As pistas simulam a arquitetura da cidade e as manobras podem ser as mais variadas possíveis, de acordo com a criatividade do atleta, como as manobras flip, grind ou ollie.

Rayssa Leal praticando a modalidade skate street, que envolve elementos encontrados nas ruas. (Crédito: Reprodução/Instagram)

Já o skate bowl, praticado por Sofia, é a clássica modalidade do skate. Ela remonta às origens do esporte e a prática nas piscinas californianas da década de 1970, quando piscinas vazias eram utilizadas para fazer manobras e movimentos que remetem ao surf, só que no concreto. Neste caso, quem é bowlrider nem precisa tirar os pés do shape do skate nas paredes côncavas e inclinadas em formato de bacia. A gravidade faz uma boa parte do serviço e aí fica por conta da criatividade.

Sofia Godoy pratica a modalidade bowl, que remete às origens do skate na Califórnia. (Crédito: Reprodução/Instagram)

Além destas duas modalidades, ainda existem a skate park — mistura entre o bowl e o street. Na pista você encontra half pipes e elementos parecidos com o street para execução de manobras. Também há o vertical — que consiste em uma pista em formato de ‘U’, ou half pipe, com paredes muito maiores que as demais utilizadas nas outras modalidades. Esse tipo de pista permite voos mais altos, onde o skatista pode abusar das manobras em rotação, flips e aéreos.

A maior pista da América Latina

Indo ao encontro dos anseios da população jovem da região metropolitana, a Prefeitura de Porto Alegre apostou na construção de uma pista de skate na cidade. Localizado no trecho 3 da Orla do Guaíba, o Skate Park foi aberto à população em outubro de 2021.

A pista possui elementos portuários e náuticos — correntes de navio, âncora e rampa em forma de submarino — que vão de encontro com releituras de pontos de skate da capital, como o corrimão da Câmara Municipal, os bancos do calçadão de Ipanema e a ponte em curva da Praça Itália.

A pista possui elementos portuários e náuticos que vão de encontro com pontos de skate da capital (Crédito: Confluência 2020/Divulgação)

A Megapista da Orla do Guaíba, conforme o projeto executivo, tem área real de 6.268m² e a pista em si, tem 940,20m³ de concreto e 19,5 toneladas de aço. O investimento contratual é de R$ 2.452.181,29. Os formatos da pista atendem à modalidade vertical e street.

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Luana Ely Quintana
Redação Beta

fotojornalista independente • escoteira • educadora social • estudante de artes visuais 🚩antifa