Micropigmentação paramédica: autocuidado além da estética

Procedimento recupera autoestima de pessoas que passaram por processos cirúrgicos e traumáticos

Jordana Fioravanti
Redação Beta
6 min readDec 6, 2021

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Reencontro de Laudiceia com sua autoestima depois da reconstituição mamilar. (Foto: Juliana Photo Studio/Amigas do Peito)

Geralmente usada para realçar sobrancelhas, a micropigmentação vem ganhando outro papel para transformar olhares e elevar a autoestima: a partir do uso paramédico. O procedimento consiste em administrar a coloração mais próxima da pele em superfícies com cicatrizes ou na reconstrução de aréolas, por exemplo.

Inicialmente voltada para o público feminino que passou por modificações nos seios em decorrência do câncer de mama, hoje a técnica também já atinge o público masculino e transgênero. Bastante indicado em diversos casos de correção como assimetria labial, lábios leporinos, preenchimento de regiões acometidas de alopecia, e camuflagem de cicatrizes e manchas, o procedimento, além de render resultados realistas, é considerado rápido e acessível.

Quem explica melhor é Márcia Brasil, graduanda em biomedicina, micropigmentadora e fundadora da ONG Amigas do Peito, que já dedicou 23 dos seus 40 anos à área da beleza. “A micropigmentação paramédica traz o conforto estético, dando a impressão de que não há cicatriz ou marca na região. Isso se aplica a diversos tipos de cicatrizes, sejam causadas por acidentes, por perda tecidual durante cirurgia plástica ou necrose”. Por meio do procedimento é possível cobrir cicatrizes hipercrômicas (escuras), acrômicas (brancas) ou hipertróficas (elevadas) — sendo esta última uma técnica que também nivela a pele.

A micropigmentação paramédica é também uma intervenção não invasiva, como informa o Instituto Brasileiro de Pesquisas e Desenvolvimento Institucional (Ibrape), referência mundial na técnica. Nos casos de pacientes com histórico de mastectomia com retirada parcial ou total da mama, os mamilos são redesenhados pelo profissional com uso de técnica 3D que reconstitui todo o aréolo mamilar.

Esse foi o caso da supervisora escolar Lisiane de Almeida Osório, de 45 anos. Depois de passar por um tratamento contra um câncer de mama em 2012 e uma recidiva da doença em 2016, em 2017 ela foi submetida a uma mastectomia radical, com a retirada completa do tecido mamário. “Após ter retirado aréola e mamilo, surgiu o desejo de fazer uma micropigmentação paramédica”, conta.

Lisiane se tornou voluntária da Amigas do Peito. Hoje ela enfrenta o câncer pela terceira vez. (Foto: Arquivo Pessoal/Lisiane Osório)

Lisiane passava em frente ao estúdio de beleza de Márcia quando o cartaz da primeira ação de redesenho de aréolas realizada pela Amigas do Peito, em 2016, lhe chamou a atenção. Ela se inscreveu e foi selecionada. Quando perguntada sobre como se sentiu depois do procedimento, relembra: “A sensação é de imensa felicidade por ter a identidade da mama recuperada através de uma ação tão bela. Fiquei emocionada por ter recebido o Selo da Vitória”, revela, ao explicar o significado do selo — "ele representa o fim do tratamento, quando a paciente busca a tatuagem cosmética para fechar um ciclo de sofrimento e resiliência. Com certeza ajudou muito na autoestima, pois quando a gente se olha no espelho e vê as mamas com mamilos novamente, o sentimento é de que houve o resgate de uma parte de nós que se perde durante o tratamento”. Hoje, Lisiane, que também se tornou voluntária da Ong, enfrenta uma nova e mais grave recidiva da doença.

Quem também buscou a reconstrução foi a professora de educação infantil Laudiceia Lopes, de 56 anos, que descobriu o primeiro câncer de mama aos 33. “Na primeira vez, esvaziei os vasos e só retirei o nódulo. A recidiva veio aos 47 anos, quando tive que retirar toda a mama, aréola, tudo — para daí então fazer uma reconstrução mamária”, conta. Para ela, difícil não é uma palavra que explique de maneira suficiente asituação. “Foi muito difícil. Mais do que difícil. Se tivesse um outro termo para dizer…”, desabafa.

Laudiceia conheceu Márcia por meio da irmã que tinha uma colega de faculdade que fazia parte da equipe da Amigas do Peito e a indicou. “Então, eu fiz a aplicação de restauração e o retoque também. Na hora foi maravilhoso. A gente recupera a autoestima. Fiquei muito feliz”, e destaca: “Isso afeta demais a feminilidade da mulher. Então, eu acredito que para quem faz o trabalho, é tão gratificante quanto para quem recebe”, diz.

Antes e depois de uma das pacientes da Ong. (Foto: Amigas do Peito)

O afago após a dor

Depois de atender mais de 100 casos vindos da oncologia, Márcia revela que são estes os que mais ficaram na memória. “Muitas histórias já me marcaram. São relatos de mulheres que não se olhavam no espelho desde que fizeram a cirurgia de retirada da mama e que após a reconstituição conseguiram se identificar novamente como mulheres, pois a aréola tem o significado de fonte da vida, é ali que todos nós recebemos o nosso primeiro alimento ao nascer, então quando você perde a aréola, a mama e/ou o mamilo, ocorre de também perder a identidade como mulher”, comenta.

A feminilidade que se ausenta leva consigo a autoconfiança e o amor próprio. A sexualidade vira desconforto, constrangimento. “Elas dizem que não tem mais um seio, mas sim uma bola no lugar dele”, conta Márcia. "Muitas não conseguem mais ter relação sexual com seus companheiros, não conseguem ficar à vontade, tirar a roupa. São mulheres que se sentem mutiladas”, enfatiza a profissional que diz receber muitos comentários de pessoas fragilizadas que foram abandonadas por falta de compreensão do parceiro.

“Isso choca, impressiona ao ouvir. Então, observá-las quando se olham no espelho após a reconstrução areolar mexe muito comigo. Tem um grande brilho nos olhos delas quando conseguem novamente se olhar, se encarar de frente para o espelho outra vez”, explica Márcia.

A importância de buscar profissionais confiáveis

Márcia Brasil, da ONG Amigas do Peito, destaca a alta demanda e a pouca busca por qualificação no setor de micropigmentação paramédica. (Foto: Acervo Pessoal/Márcia Brasil)

Mas para ter certeza de que a esperança não se tornará frustração, é importante certificar-se da qualidade do local e das credenciais do ou da profissional que realizará o procedimento. “A qualificação necessária hoje é de esteticista ou que trabalhe na área da saúde, para que tenha conhecimento mais amplo sobre a pele e a regeneração tecidual. A internet é uma ótima aliada para investigar as qualificações do profissional antes de tomar a decisão”, ensina Márcia.

Além disso, quem deseja realizar o procedimento deve, primeiro, passar por avaliação. “Assim a gente analisa a necessidade do paciente e apura a expectativa que ele tem em relação ao ‘disfarce’. Em muitos casos, como pessoas em tratamento de câncer ou portadores de vitiligo, é indispensável a liberação médica por escrito”, pontua Márcia. Cicatrizes recentes, que tenham menos de seis meses, não devem receber intervenção e o procedimento não é indicado para quem faz uso de anticoagulante, tem anemia ou doença autoimune, é gestante ou lactante.

Materiais de baixa qualidade também podem gerar alergia, irritação e até mesmo novas cicatrizes. Por isso, tanto o pigmento, quanto o material devem ter aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Márcia indica que uma forma de se resguardar é certificar-se de que o profissional utiliza insumos nacionais. “Os produtos sem validação geralmente são aqueles comprados via importação. Eu sempre prezo pelo uso de equipamentos e materiais nacionais, porque eles já têm registro da Anvisa assegurado por lei. Materiais importados, mesmo que o esteticista cite como diferencial, não tem registro da Anvisa no Brasil”, afirma.

Amigas do Peito

A descrição da Ong em seu site é clara: um grupo de amigas com o objetivo de contribuir com o resgate da autoestima de pessoas que precisaram remover a mama após a mastectomia.

“A minha história dentro da micropigmentação começou com a busca por cursos de especialização em disfarce e camuflagem de cicatriz, e um dos cursos oferecia como bônus a reconstrução de aréolas. Fiquei impressionada com o número de pessoas que precisam desse procedimento, em contraste com a baixa demanda de profissionais na área”, diz Márcia, que junto de alguns amigos elaborou o projeto para atender voluntariamente às mulheres mastectomizadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Ao acessar o site da Ong você confere formas de colaborar com doações e de como se voluntariar — além de ter acesso ao formulário de inscrição para recebimento gratuito da micropigmentação.

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