Como políticos veem a importância de ministros militares no Planalto

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Redação Beta
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8 min readSep 26, 2019

Quase um terço dos escolhidos por Jair Bolsonaro (PSL) para ocupar a Esplanada dos Ministérios possui ligações com as Forças Armadas

Presidente Jair Bolsonaro tem mais ministros militares do que governos da época da ditadura (Foto: Equipe de transição/Divulgação/Rafael Carvalho)

Com a confirmação da votação no pleito presidencial de outubro de 2018, o Brasil democraticamente definiu um chefe de Estado ligado ao Exército. Jair Messias Bolsonaro, do Partido Social Liberal (PSL), foi escolhido para o cargo máximo com o apoio de 55,13% dos eleitores. Um dos discursos que acompanha o político, que iniciou a carreira na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, em 1988, é defender a comunidade dos militares. E, por todo o seu envolvimento, não demorou para que a tropa passasse a ocupar a Esplanada dos Ministérios ao lado de Bolsonaro.

Não chegou a ser surpresa quando o presidente anunciou que sete dos 22 ministros escolhidos tinham ligação com as Forças Armadas. O número representa quase um terço dos principais membros do primeiro escalão. Posteriormente, após a queda de Gustavo Bebianno (sem partido) com menos de dois meses de gestão, mais um nome oriundo da caserna foi escolhido: o general Floriano Peixoto assumiu o posto da Secretaria-Geral da Presidência, ultrapassando a marca 33% de militares no alto escalão.

Com o nono mês do primeiro ano de governo a ser completado, a reportagem de Beta Redação buscou ouvir a opinião de políticos das mais diferentes vertentes para analisar a atuação dos chamados ministros militares no governo de Jair Bolsonaro.

Mais militares que na Ditadura

O atual ministério possui mais oficiais do que quando o Regime Militar foi instaurado no País, em 31 de março de 1964. A revelação tem algum impacto. Apenas Costa e Silva, que assumiu o Executivo entre 1967 e 1969, contava com sete ministros ligados às Forças Armadas. A composição militar do governo Bolsonaro supera os de Castello Branco, Emílio Médici, Ernesto Geisel e João Figueredo.

Os líderes do Poder Executivo seguintes também contaram com alguns militares no escalão máximo de confiança. Foi assim com José Sarney (MDB), que optou por três; com Fernando Collor (então no PRN), que aumentou uma posição, posteriormente retirada por Itamar Franco, já falecido, e mantido por Fernando Henrique Cardoso (PSDB) com o mesmo número — três.

Durante a chegada ao governo do Partido dos Trabalhadores (PT), nenhum militar ocupou a esplanada. De 2003 até 2016, em toda a era Lula e nas duas gestões de Dilma Rousseff, nenhum oficial esteve em postos ligados ao primeiro escalão. Procurado, o candidato à presidência pela sigla no último pleito, Fernando Haddad, não quis comentar o tema.

A visão de membros do governo

Deputado federal Bibo Nunes elogia escolhas, mas faz adendo: “só não pode ser um número exagerado” (Foto: Câmara dos Deputados/Divulgação)

Integrante do PSL na Câmara Federal, Bibo Nunes está em seu primeiro mandato em Brasília e aponta a honestidade como principal virtude e característica dos militares no posto de ministros. “São competentes e jamais roubam”, responde.

Há uma frase popular utilizada para amenidades pela população brasileira: tudo que é em excesso é ruim. Nessa linha, o deputado federal gaúcho revela uma preocupação.

“Nada contra militares no governo, só não pode ser um número exagerado”, analisa.

Completam a bancada gaúcha do PSL na Câmara outros dois integrantes, Nereu Crispim e Ubiratan Sanderson, que é policial. Todos também estão em suas primeiras legislaturas.

Tenente-coronel Zucco (dir.) ao lado do general Hamilton Mourão antes das eleições (Foto: Arquivo Pessoal/Divulgação)

Na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, quem atraiu a atenção do eleitorado no último pleito foi justamente um militar do PSL. O tenente-coronel Luciano Zucco foi o deputado estadual mais votado (166,7 mil votos) e têm motivos para argumentar favoravelmente à categoria no novo meio que está inserido.

Para ele, a vontade do cidadão foi comprovada nas urnas. “Inúmeros colegas de farda disputaram as eleições do ano passado. Muitos lograram êxito e desempenham seus mandatos sob a orientação da Constituição e coerentes aos preceitos legados dos diversos anos de caserna.” Tudo isso, de acordo com o deputado, faz parte da retomada do país da “reconstrução e de resgate de valores que foram esquecidos nos últimos anos”.

Outro elemento já destacado por Bibo também é enaltecido por Zucco: a fé da população em militares. Em âmbito nacional, o tenente-coronel, que serviu ao Exército por 26 anos, elogia o trabalho do colega Tarcísio Gomes de Freitas no Ministério de Infraestrutura.

“É um profissional altamente preparado, dotado de experiência e que tem dado pronta resposta, porque tem sensibilidade em eleger prioridades. Ele é responsável por um destacado conjunto de iniciativas que estão transformando o país”, analisa, reforçando que obras como a duplicação da BR-116, no trecho entre Porto Alegre e Pelotas, só estão andando porque estão nas mãos das Forças Armadas.

Ex-ministro, Tarso alerta para desalinhamento com Bolsonaro

Uma das principais caras do PT nas últimas décadas, especialmente no âmbito gaúcho, Tarso Genro tem uma visão crítica sobre a alta concentração de militares no governo federal. Ex-governador do Estado (2011–2014), ex-prefeito de Porto Alegre em duas ocasiões e tendo ocupado três cargos em ministérios distintos, Tarso recupera a história das Forças Armadas para justificar seus argumentos.

Para ele, “os militares mal ou bem sempre tiveram um papel importante no Brasil”, relembra. Porém, destaca o alinhamento deles durante a Guerra Fria contra um suposto “comunismo” na sociedade brasileira, originando o Regime Militar.

Tarso Genro teme que militares possam ser vistos como “salvadores da pátria” (Foto: Pedro Revillion/Palácio Piratini)

Ex-ministro da Educação, de Relações Internacionais e da Justiça, Tarso Genro define que as Forças Armadas não estão participando “como instituição política unitária do governo Bolsonaro, eleito por meios distorcidos e ilegítimos, como hoje já se sabe de forma clara”. Para ele, esse alinhamento se deve na base de “controle e sustentação” para o mandatário, que define como “avoca identificado com as corporações militares”.

Opositor ao atual governo, Tarso faz um alerta. “Alguns chefes militares, embalados pela mídia oligopólica, possam se alçar como salvadores da pátria nas crises que virão, e assim ‘partidarizam’ novamente as Forças Armadas.”

Ao fazer uma comparação entre 2004 e 2010, quando foi ministro, o cenário é bem diferente. “Os militares, se quisessem tomar o poder, teriam hoje quadros muito mais preparados e sérios do que o atual presidente, que envergonha o Brasil em todos os quadrantes do mudo”, finaliza.

Para aliado de Temer, quebra de hierarquia pode atrapalhar governo

Quem também já esteve numa cadeira de ministro foi o ex-deputado federal Carlos Marun (MDB-MS). Em dezembro de 2017, ele trocou a Câmara Federal pela Secretaria de Governo da Presidência da República na gestão Michel Temer (2016–2018) — que tem status de ministério. Marun salienta a convivência com os colegas de esplanada. Para ele, tanto Sérgio Etchegoyen, ex-ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, quanto Joaquim Silva e Luna, ex-ministro da Defesa, tiveram papéis destacados.

“Foram pastas que as pessoas que exerceram essas funções eram vocacionadas para elas. A experiência foi muito positiva. Em momentos críticos, como a greve dos caminhoneiros, sem dúvida alguma, a participação de ministros militares, com conhecimento das questões sobre a segurança nacional, foi muito positiva para que pudéssemos avançar para alguma solução”, reforça.

Um dos pilares do último governo, Carlos Marun alerta sobre hierarquia militar na relação entre ministérios e Palácio do Planalto (Foto: Antonio Augusto/Câmara dos Deputados)

Porém, o político, que não concorreu na última eleição e esteve envolvido em polêmica por um cargo na hidrelétrica de Itaipu com o novo presidente, afirma que há uma ressalva a ser feita: existe hierarquia na vida militar. Hoje, o Brasil é administrado por um capitão, função inferior à de outras patentes, por exemplo, de general — função de diversos subalternos ao presidente Bolsonaro no âmbito governamental.

De acordo com Marun, para superar essa regra hierárquica, é preciso entendimento. “O militar tem uma formação onde a hierarquia é um valor absoluto. Sem ela, não existe Forças Armadas. Em alguns aspectos, isso é positivo; em outros, nem tanto. Não considerando hierarquia como uma forma de atuar em relação ao presidente, onde o respeito à figura presidencial também se faz fundamental, mas no sentido de discutir com o superior hierárquico algumas questões. Discutir, dialogar e debater” relata.

Opinião externa

Deputado federal eleito em duas oportunidades, prefeito e vice-prefeito da capital do Rio Grande do Sul, José Fortunati vive a política há três décadas. Com toda essa experiência, discorre sobre a trajetória militar no poder.

“A gente não pode ignorar e esquecer que quem acabou insuflando, acabou criando as condições para que o golpe de Estado acontecesse não foram os militares e, sim, os civis. Não dá para fazer uma leitura rasa. Civis de um lado, militares do outro.”, recupera. O ex-gestor da cidade de Porto Alegre não deixa transparecer de que lado está essa questão.

José Fortunati teme mais escolhas não ligadas às forças armadas do governo (Foto: Reprodução do Twitter @josefortunati)

Fortunati ressalta a convivência e o conhecimento dos escolhidos por Jair Bolsonaro. Para ele, esse não é o principal problema na conjectura do país. “A maior parte deles (militares) da reserva, já com uma extensa carreira de serviços prestados, tanto aqui, como no Exterior. Eu conheço alguns deles. Como o vice-presidente, que coordenou a terceira região militar de Porto Alegre, o atual ministro do Exército, conheço bem e sei o quanto são preparados. Então não é o número de militares no governo que me traz inquietação”, justifica.

Fortunati acredita que o problema está na forma que o presidente da República se posiciona. No entendimento dele, falta postura de governante da Nação. “O que me traz inquietação é a instabilidade que o próprio presidente Jair Bolsonaro cria a todo momento, sempre com políticas públicas questionáveis. Não deixou de lado a campanha, continua fazendo e governando para os seus e não para toda a população”, argumenta.

No único momento em que se permite analisar o quadro político do ministério composto pelo Brasil nos dias atuais, Fortunati vê os que não são ligados ao Exército como problemáticos. “Os ministros da Educação e do Meio Ambiente são civis e trazem preocupação muito grande em duas áreas fundamentais para o país”.

Atualmente sem cargo ou filiação, após passagens pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), Partido Democrático Trabalhista (PDT) e Partido dos Trabalhadores (PT),o ex-prefeito afirma que “é natural que gostaria que tivéssemos menos militares no governo, com toda a certeza, mas não vejo grandes problemas. Diante desta confusão toda que o governo federal construiu nos oito primeiros meses de governo, os militares procuraram ter uma postura um pouco mais centrada. Se bem que, às vezes, entraram na onda do próprio Bolsonaro”.

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