Mister na diversidade e na militância

Bruno Popko, vencedor de concurso LGBT em Cruz Alta, busca visibilidade aos homens trans

Ariane Laureano
Redação Beta
5 min readSep 20, 2017

--

No último domingo (17), ocorreu o concurso Miss e Mister Diversidade, na cidade de Cruz Alta. Em sua 12ª edição, a Festa da Diversidade tem ganhado espaço no cenário estadual como um evento de reconhecimento, luta e diversão da comunidade LGBT. O analista de faturamento, militante trans e representante de Canoas, Bruno Popko, foi o vitorioso.

Bruno Popko aguarda cirurgia de redesignação sexual. (Foto: Arquivo Pessoal)

Segundo Everlei Martins, um dos organizadores do evento, a vitória de Bruno se deu por um conjunto de fatores. “O concurso busca unir beleza e propósito de ser um militante da causa LGBT, e de ter capacidade de comunicação para levar a mensagem da luta dos direitos e promoção da cidadania”, explica.

Bruno afirma que decidiu participar do concurso para promover a visibilidade do homem trans. Ele já colecionava outros dois títulos: foi o primeiro Mister Trans do Encontro Regional Sul de Travestis e Transexuais de 2017 e abriu a categoria de Mister Trans da Cidade de Passo Fundo/RS.

Mas não é só nas passarelas que Bruno faz bonito. Juntamente com a esposa, Aline Popko, Bruno faz parte do Conselho Municipal LGBT de Canoas. E busca auxiliar outras pessoas que passam pela mesma situação.

Bruno e Aline Popko integram o Conselho Municipal LGBT de Canoas. (Foto: Arquivo Pessoal)

Bruno nasceu Cíntia. Mas sabia que aquele corpo não lhe pertencia. Durante a infância, nunca teve vaidade, e sua mãe sempre o deixou escolher as roupas que queria. Desde muito pequeno, Bruno sabia que não era igual às outras meninas. Mas durante a adolescência isso mudou. “Eu precisava trabalhar, precisava adquirir meu espaço na sociedade, então eu deixei o cabelo crescer e tentei aceitar meu corpo”, conta.

Foi então que ele começou a participar de um time de futebol, no qual algumas das meninas eram lésbicas. Começou a sair em baladas LGBT e conhecer pessoas com diferentes realidades e gêneros. E o processo foi se tornando cada vez mais afirmativo, mas de forma gradual. Bruno começou a se vestir como homem, e foi quando cortou os cabelos que realmente se afirmou como tal. “Eu sabia que faltava algo, que eu era incompleto. Foi então que eu vi uma entrevista do João Nery e ali soube quem eu era”, relembra. João Nery é o primeiro trans homem brasileiro a ser operado e o pioneiro na luta pelos direitos desse grupo.

Bruno afirma que nunca sofreu preconceito, mas o seu grande desafio foi iniciar a transição e lidar com as transfobias, principalmente no momento de ir ao banheiro masculino. “Eu lembro de uma festa que eu estava, já me vestia como homem, tinha aparência masculina e um segurança me barrou. Eu fui embora, porque não conseguia ir no banheiro feminino, e fui para um posto”, explica.

Bruno começou o seu processo de transição de maneira equivocada, tomando bomba e hormônio por conta própria. Ele e sua esposa são os fundadores do grupo de apoio para homens trans, chamado de “Os Super Homens”. Aline ressalta a importância do apoio. “Muitas vezes, eles chegam aqui tímidos, sem saber o que fazer, e nós damos todo esse encaminhamento. Se for preciso, a gente vai junto, seja pra fazer identidade, seja pra ir no posto de saúde”, esclarece.

Segundo uma pesquisa realizada pela Coordenadoria das Políticas das Diversidades e Comunidades Tradicionais da prefeitura de Canoas no ano passado, mais de 60% da população não sabe onde procurar auxílio e nem que o município tem órgãos para auxiliar nesse processo de transição.

Dados extraídos da pesquisa realizada pela Coordenadoria das Políticas das Diversidades e Comunidades Tradicionais, da Prefeitura de Canoas (Gráfico elaborado pela autora)

Bruno considera que ainda existem muitos tabus a serem quebrados em relação à transexualidade, mas que essa começou a ser melhor tratada na grande mídia. “Grande parte do que que tem ali é ficção, mas o que a Ivana (persongem trans da novela “A Força do Querer”, da Rede Globo) está passando, muitos de nós passaram e vão passar”, comenta Bruno.

“Antes da transição eu era uma pessoa retraída, e é muito importante saber que você não está sozinho nessa, que mais pessoas passam por isso”, afirma Bruno, que está esperando para realizar a cirurgia de redesignação sexual no Hospital de Clínicas, em Porto Alegre.

Hospital de Clínicas tem programa para comunidade trans

O Protig, Programa de Identidade de Gênero do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, funciona desde 1998 e presta assistência à comunidade trans e suas famílias. Com uma equipe multidisciplinar, o programa é composto por diferentes especialidades médicas — ginecologia, urologia, mastologia, psiquiatria e fonoaudiologia.

O atendimento se dá através de consultas individuais e com os familiares e participação contínua de grupos terapêuticos. A psiquiatra Maria Inês Lobato, coordenadora do programa, explica que a cirurgia é apenas uma parte do processo. “Não se consegue transformar alguém em homem ou mulher. É feito um trabalho para que o paciente se adeque de acordo com sua identidade de gênero”, explica.

Por ser um procedimento irreversível, Maria Inês ressalta que é importante que o paciente se enquadre em todos os requisitos definidos: maioridade, acompanhamento psicoterápico por pelo menos dois anos, laudo psicológico e/ou psiquiátrico favorável e diagnóstico de transexualidade.

Para os adultos que tenham interesse em participar do Protig, basta procurar o posto de saúde do seu município e solicitar o encaminhamento. Já para os adolescentes, é necessário procurar o posto de saúde e solicitar encaminhamento para a Psiquiatria da Infância e Adolescência do Hospital de Clínicas.

Avanço nas passarelas e retrocesso na legislação

O juiz federal da 14ª Vara do Distrito Federal Waldemar Cláudio de Carvalho concedeu liminar que permite que os psicólogos ofereçam a terapia de reversão sexual, conhecida como “cura gay”. Esse tratamento contraria resolução de 1999 do Conselho Federal de Psicologia (CFP).

Os representantes do CFP destacaram que a homossexualidade não é considerada patologia, segundo a Organização Mundial de Saúde. E fizeram um alerta em relação às terapias de reversão sexual, as quais não têm resolutividade. O CFP também informou em nota que o processo está em sua fase inicial e afirma que vai recorrer da decisão liminar.

--

--