Desfile de lançamento da coleção Plastic aconteceu em 2017, no Santander Cultural, em Porto Alegre. (Foto: Ana Viana/Divulgação)

Moda para todos

Novas coleções apostam na inclusão e oferecem roupas adaptadas para pessoas com deficiência

Gabriela Stähler
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5 min readMar 26, 2019

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Vestidos e calças que abrem pela lateral, blusas com zíper e saias com velcro. Essas são algumas das peças encontradas na moda inclusiva, pensada para ser vestida por todos, incluindo as pessoas com deficiência. A coleção Plastic, da estilista gaúcha Vitória Cuervo, é a principal expoente dessa iniciativa. As roupas são adaptadas para cadeirantes, pessoas com nanismo e para quem usa sonda.

Apesar das peças adaptadas, a estilista conta que o foco inicial do trabalho era a sustentabilidade: a inspiração veio do lixo recolhido nas praias, que deu origem às estampas da coleção. “Mas fui convidada para fazer um desfile na Semana da Pessoa com Deficiência, em Porto Alegre”, lembra. Depois disso, a coleção que, originalmente, tinha poucas peças inclusivas passou a estar diretamente ligada à causa.

Estampas da coleção Plastic remetem a objetos encontrados em praias catarinenses. (Foto: Gabriela Stähler/Beta Redação)

Formada em Moda pela Feevale, Vitória desenvolve coleções inclusivas desde a faculdade. Ela também produz peças sob encomenda, como vestidos de festa para quem usa cadeira de rodas. “As roupas que faço para cadeirantes são de fácil colocação, porque têm velcro, facilita para vestir. Também tenho uma saia que é adaptada para pessoas com nanismo, que é diferente de uma peça infantil”, explica.

Blusa da coleção Plastic tem velcros nas laterais para ser vestida por pessoas com deficiência. (Foto: Gabriela Stähler/Beta Redação)

Ouvir o público é o primeiro passo para fazer uma coleção de moda para pessoas com deficiência. E ele não é pequeno: segundo dados do IBGE de 2010, 23,9% da população brasileira tem alguma deficiência. De Niterói, no Rio de Janeiro, a dançarina de cadeira de rodas, Vanessa Andressa, 31, relata dificuldades para encontrar roupas confortáveis e bonitas onde mora.

A wheelchair dancer conta que o problema mais comum é a peça se enrolar quando a pessoa está sentada, além de não cobrir o corpo adequadamente. “As blusas devem ser um pouco diferenciadas, porque nós temos as costas mais largas e braços mais fortes”, observa. Já nas peças abertas, o fecho deve ser sempre para frente para facilitar o manuseio.

Mas todos os tipos de deficiência têm espaço no mercado da moda inclusiva. Vitória lembra que já criou um vestido exclusivo para uma cliente que tem apenas 3% da visão. “Fiz com cores claras, que são melhores para ela. A peça também tem um velcro para que ela possa saber qual é a parte da frente na hora de se vestir”, conta.

Vitória Cuervo, criadora da coleção Plastic, conta que muitas das peças foram doadas para pessoas com deficiência. (Foto: Gabriela Stähler/Beta Redação)

Mercado em crescimento

Além da produção das roupas, uma vertente importante da moda é o serviço de consultoria de imagem. A consultora Michele Simões, 36, é cadeirante e criadora da plataforma Meu Corpo é Real, uma campanha que busca tornar a moda mais democrática por meio de ações e novos produtos. “As pessoas com deficiência não são vistas como consumidores em potencial. A gente não tem a representatividade de se olhar e ver como ficaria, porque todas as referências são pessoas que ficam em pé”, critica.

Michele é formada em moda, mas só investiu na área da inclusão depois de sofrer um acidente de carro, em 2006. A consultora perdeu o movimento dos membros inferiores do corpo e, como cadeirante, encontrou poucas opções de trabalho. Atuar no ramo da moda adaptada trouxe oportunidades para continuar na profissão. Atualmente, Michele diz que faz com que “o mercado e os consumidores se conectem”.

A consultora também criou o Fashion Day Inclusivo. A iniciativa leva grupos de consultores de moda para hospitais de reabilitação. A partir de conversas com pessoas com deficiência, os profissionais oferecem dicas e adaptam as peças para que sejam usadas por todos.

Além de atender o público final, com dicas de estilo para cadeirantes, Michele desenvolve um trabalho de curadoria inclusiva com marcas de moda. O projeto é voltado para as empresas que ainda não estão totalmente inseridas nesse universo.

Mas criar peças de roupa para todos os públicos é um processo que exige estudos complexos. Envolve pesquisas com fisioterapeutas, além dos PcDs (pessoas com deficiência) e familiares. É importante ter em mente que cada tipo de deficiência requer um design específico que atenda a suas necessidades.

A coordenadora do curso de Moda da Unisinos, Luciana Borges, aponta algumas recomendações para quem deseja empreender em uma moda para todos. “Manter foco no usuário, estudar aspectos ergonômicos e se preocupar com a condição física é fundamental”, destaca. A professora também faz questão de abordar o assunto em sala de aula. “Trabalho com o corpo dito padrão e faço constantemente comparações de como a peça de roupa poderia ser construída caso tivesse determinada particularidade”, comenta.

Moda inclusiva também abre espaço para liberdade de gênero, como a coleção de Vitória Cuervo. (Foto: Ana Viana/Divulgação)

A estilista Silvana Louro, dona do e-commerce Equal Moda Inclusiva, explica que a marca se especializou nas necessidades de pessoas com paralisia cerebral e com deficiências físicas. O diferencial das peças está nos cortes, nas aberturas estratégicas e no design. A loja virtual também vende roupas para pessoas que não têm deficiência. Os valores variam entre 50 e 350 reais.

Marcas que ainda não produzem coleções adaptadas podem começar com ações simples. A dica de Silvana é incluir etiquetas em braille, que proporcionam mais autonomia para que pessoas com deficiência visual escolham suas roupas. O desafio, segundo ela, é que ainda é caro produzir esse tipo de etiqueta.

Apesar disso, o maior obstáculo encontrado por Susana ainda é o preconceito. “Ninguém aguenta mais essas projeções ilusórias do belo. Nossa missão é mostrar a realidade de diferentes corpos, sensibilizar a sociedade por meio da moda”, declara. Com o crescimento dessa sensibilização para a moda inclusiva, os clientes ganham por acharem novas formas de se expressar e as marcas ganham por atingirem novos públicos.

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