Montserrat: “Porto Alegre deve ser uma capital de tecnologias limpas”

Dentro da série de entrevistas com concorrentes à prefeitura de Porto Alegre, a Beta Redação conversa com Montserrat Martins, do PV

Carol Ambros
Redação Beta
10 min readNov 4, 2020

--

Monserrat Martins, candidato à prefeitura de Porto Alegre pelo Partido Verde. (Foto: Douglas Balestrin/Divulgação)

O candidato escolhido pelo Partido Verde (PV) para concorrer à prefeitura de Porto Alegre é Montserrat Martins, médico psiquiatra forense, concursado do Poder Judiciário, graduado em Direito e escritor. O porto-alegrense iniciou sua atuação política em 2010, quando concorreu pelo partido nas Eleições Estaduais do Rio Grande do Sul, tendo sido, entre nove candidatos, o quarto mais votado. Durante sua carreira como médico, Montserrat atuou no SUS e em diversos hospitais da capital gaúcha. O candidato também tem uma carreira como escritor, tratando de temas como terapia de família e a diversidade cultural brasileira.

Concorrendo ao lado de Montserrat como vice-prefeita está a socióloga e economista Alda Miller (PV), que há mais de 30 anos atua na indústria microfinanceira e em projetos de desenvolvimento integrado e sustentável, sendo a cofundadora do Fórum Ambiental de Porto Alegre. Alda, de 64 anos, também tem atividade intensa em questões de gênero e valorização do trabalho da mulher.

A entrevista com Montserrat para a cobertura especial das Eleições 2020 foi produzida pela Beta Redação com suporte institucional da Unisinos. A pauta teve a colaboração da comunidade universitária, que, em consulta por meio virtual, apresentou 22 sugestões de perguntas, das quais cinco foram selecionadas e editadas para apresentação a todos os candidatos.

Confira a seguir a entrevista, concedida por e-mail no dia 21/10.

O projeto “Mina Guaíba” prevê a exploração de carvão na cidade vizinha a Porto Alegre. Por que o senhor é contra e o que pretende fazer em relação a ele?

Fizemos textos e vídeos mostrando os danos à saúde das substâncias tóxicas contidas no carvão, que tem dezenas de elementos químicos dos quais alguns são extremamente tóxicos, como os metais pesados chumbo, mercúrio, cádmio, cromo, zinco, cobre, níquel e arsênio. Em micropartículas no ar e na água, esses metais pesados causam danos crônicos à saúde, que geram tumores, alergias, asma e outras doenças respiratórias.

“Pelo próprio projeto da Mina Guaíba, é visível a contaminação da água e do ar”

O EIA-RIMA [estudo de impacto ambiental] da mineradora foi estudado pelo Instituto de Geociências da UFRGS e acompanhamos esses estudos. Na área de 4,5 mil hectares prevista para o projeto haveria mais de 2 mil hectares escavados com explosões que liberam enorme poeira de carvão a 15 km do Centro de Porto Alegre. Também querem rebaixar o lençol freático e enterrar os rejeitos, além de construir um canal de 9 quilômetros de extensão até o Rio Jacuí para drenagem da água da chuva que, naturalmente, levará a poeira do carvão ao rio.

Ou seja, pelo próprio projeto da Mina Guaíba, é visível a contaminação da água e do ar. Não precisa haver nenhum acidente. O funcionamento normal previsto por eles já nos contamina de modo extremamente nocivo à saúde.

Um dos projetos do plano de governo do PV é garantir qualidade de vida na Capital. Como o senhor pretende agir para que Porto Alegre tenha menos poluição, com água limpa e boa qualidade do ar?

Qualidade dos alimentos, da água e do ar são os primeiros elementos de uma boa saúde. Para a qualidade dos alimentos, a prefeitura deve adquirir os alimentos sem agrotóxicos produzidos na zona rural de Porto Alegre para alimentar nossas crianças nas creches, pré-escolas e escolas públicas. E assim, ao mesmo tempo, estimulando essa produção e preservando a área rural, contribuindo para a fixação dos produtores, para resistirem à especulação imobiliária.

“Não basta tratar só a água do Guaíba em Porto Alegre, sem tratar seus afluentes”

Para a qualidade da água temos de reativar o Pró-Guaíba, acionando para isso a Associação dos Municípios da Grande Porto Alegre (Granpal), pois o Sinos e o Gravataí estão entre os cinco rios mais poluídos do país e têm de serem tratados também, não basta tratar só a água do Guaíba em Porto Alegre, sem tratar seus afluentes.

A qualidade do ar e a diminuição das doenças decorrentes requer a mudança da atual matriz de transportes públicos à base de óleo diesel.

O plano de governo do PV traz como proposta para a segurança pública os programas de Videomonitoramento Ampliado (VIDA) e o Guarda Municipal Cidadã (GM CIDADÃ). Como esses programas pretendem, de fato, melhorar a segurança na Capital?

A Guarda Municipal é uma força de segurança comunitária, preventiva, e tem um papel fundamental para uma cidade mais segura. Mas, para isso, precisa de concursos para aumentar o efetivo de apenas 400 guardas, bem como o monitoramento com apenas 1.300 câmeras precisa ser multiplicado.

Mais uma vez, temos de ter bons projetos para buscar recursos. Para isso que existem [fontes de recursos] na esfera federal, internacional e até mesmo na nossa sociedade civil gaúcha, como é o caso do Instituto Floresta, que foi autorizado por lei a contribuir com equipamentos para os órgãos de segurança estadual. Devemos propor lei semelhante para poderem contribuir com equipamentos para a segurança municipal também.

“Precisa de concursos para aumentar o efetivo de apenas 400 guardas”

O uso da Procempa, da inteligência da tecnologia da informação, é outro instrumento que pode ajudar muito com o barateamento dos custos de iluminação pública. Uma cidade mais iluminada, com mais câmeras e guardas municipais, estará fazendo a sua parte para que a segurança aumente, além da colaboração com as forças de segurança estaduais, como a Brigada Militar e a Polícia Civil.

Como o Programa de Estímulo à Geração de Empregos (GERE) citado no seu plano de governo vai contribuir para o empreendedorismo e tecnologia na Capital?

O primeiro obstáculo ao empreendedorismo é a burocracia, a dificuldade de deixar a informalidade. O segundo é a falta de apoio técnico. No caso das startups, por exemplo, a parceria com a Procergs poderia ser um fator para alavancar esse tipo de empreendimento, muitos na área de informática mesmo. Mesmo em áreas estratégicas, como a reciclagem, a prefeitura atual não colabora. As Unidades de Triagem consomem 50% de seus ganhos pagando terceirizadas para assinar projetos por falta de colaboração técnica da prefeitura, por não reconhecer a importância da atividade. O terceiro fator de inibição ao empreendedorismo é a tributação de microempresas que sequer chegaram à fase lucrativa, quando ainda estão em fase de subsistência. Tributos devem ser cobrados de quem pode pagar, não de quem luta apenas para sobreviver.

“O primeiro obstáculo ao empreendedorismo é a burocracia. O segundo é a falta de apoio técnico”

Porto Alegre deve ser uma capital de tecnologias limpas, estimulando as empresas de tecnologias não poluidoras através de incentivos fiscais (como a energia solar) e PPPs para as linhas de aeromóvel, por exemplo. Esse tipo de geração de empregos é sustentável porque se projeta para o futuro, assim como é o caso da Tecnologia da Informação, que segue se expandindo como atividade. Um amplo Programa de Inclusão Digital para estudantes e para capacitar trabalhadores é um dos elementos de um projeto de geração de emprego e renda, pois hoje até para trabalhar no armazém da esquina você precisa conhecer aplicativos para tele-entrega, por exemplo. Enfim, a geração de emprego e renda é tarefa complexa que deve ser estimulada por iniciativas como essas, entre outras, de modo complementar.

A questão ambiental se tornou ainda mais urgente no Brasil. Por que o Partido Verde, mesmo existindo há mais de 30 anos no país, não conseguiu conquistar mais espaço?

Se você observar bem, verá um discurso “ambientalista” e “sustentabilista” generalizado por todos os partidos, mas sem qualquer compromisso com a realidade. É o que nós chamamos de “ambientalistas placebos”, ou seja, sem conteúdo verdadeiro, apenas ilusório.

Nossa população ainda não tem o hábito de acompanhar a votação de projetos, por exemplo, relativos à preservação da zona rural de Porto Alegre. A maior parte da população sequer sabe do projeto da Mina Guaíba de carvão, um risco imenso para nossa água e nosso ar. Nós colocamos esta informação nas redes sociais: “Antes de votar pergunte o que o(a) seu(sua) candidato(a) pensa sobre o carvão”. O Projeto Pró-Guaíba foi abandonado há 15 anos e a população não tem se manifestado sobre o abandono do projeto de despoluição, provavelmente por falta de informações também.

“Não basta o discurso ‘placebo’, é preciso compromisso verdadeiro com questões ambientais e sustentabilidade”

Claro que o Partido Verde também teve seus erros e chegou a ter parlamentares incoerentes, como um deputado que tivemos aqui e que não defendeu nossas causas. O PV agora investe na qualificação dos seus militantes para mostrar para a população, com clareza, que não basta o discurso genérico, “placebo”, mas que é preciso o compromisso verdadeiro com as questões ambientais e da sustentabilidade.

Talvez leve tempo, mas esse é o caminho: coerência e responsabilidade, mostrando propostas sérias e de qualidade, não apenas para o ambiente físico (água, ar, alimentos), mas também para o ambiente humano (saúde, educação, segurança).

QUESTÕES DA COMUNIDADE UNIVERSITÁRIA

Caso fosse prefeito durante a eclosão da pandemia do novo coronavírus, o que teria feito igual ou diferente das decisões do atual governante?

Teria feito várias coisas diferentes, a saber:

a) Faria Convênio com o LACEN, o Laboratório do Estado, para produção de Testes (o LACEN já produziu mais de 50 mil, mas a prefeitura paga testes privados), e assim poderia fornecer também para taxistas e motoristas de aplicativos, o que a prefeitura atual se nega a fornecer, pois paga caro para fornecedores privados ao invés de usar o laboratório público do Estado. O Laboratório do Estado também deve ser contatado sobre a capacidade de produzir vacinas, como o Estado de São Paulo está fazendo com o Instituto Butantã, que é público;

b) Aceitaria o oferecimento do Hospital Parque Belém para atender pacientes de Covid lá;

c) Não fecharia postos de saúde, manteria o atendimento nos postos nas comunidade e evitando aglomerações no atendimento de saúde;

d) Não diminuiria linhas de ônibus como foi feito, pois também gerou aglomerações no transporte;

e) Fiscalizaria o comércio para verificar o cumprimento dos protocolos (máscaras, álcool em gel, distanciamento), pois é educando a população que se obtém melhores resultados.

Qual sua proposta para enfrentar a crise que estamos vivendo no transporte público?

Esse modelo, além de falido e ineficiente, é poluidor ao extremo, o óleo diesel é nocivo à saúde. A matriz de transportes deve mudar para os não-poluentes, como aeromóvel, VLT, ônibus elétricos. A prefeitura deve autorizar imediatamente a construção da linha turística do aeromóvel na Orla, que não custará nada aos cofres públicos porque será bancada pela iniciativa privada. Incrivelmente, a prefeitura não autoriza essa linha do aeromóvel. A única explicação parece ser o lobby das empresas de ônibus. Além da linha turística devemos iniciar, de imediato, mais duas linhas de aeromóvel cuja viabilidade financeira já está bem estudada: do Centro Histórico para a Avenida Assis Brasil até a FIERGS, e do Centro Histórico pela Ipiranga até a PUC.

“Vale a pena financiar o transporte público se ele não for poluidor”

Para as frotas passarem a ser de ônibus elétricos, devemos desenvolver projetos de captação de recursos que existem para projetos de sustentabilidade, captando verbas federais e mesmo internacionais a fundo perdido. Vale a pena financiar o transporte público se ele não for poluidor. Assim, o dinheiro das multas de trânsito deve ser canalizado como subsídio a esse transporte com ônibus elétricos.

O futuro do transporte deveria ser por metrôs e aeromóveis. Porém, devido ao alto custo das linhas de metrôs, o aeromóvel é o melhor investimento, através de Parcerias Público-Privadas (PPPs), com a parcela pública do investimento sendo financiada pelo BNDES em 20 anos. Mas para a linha da Orla não é necessário nenhum investimento, basta permitir que a iniciativa privada construísse. Incrivelmente, a atual gestão municipal ainda não permitiu essa linha, sem qualquer custo para o erário público.

Porto Alegre tem um grande número de pessoas em situação de rua. Como pretende tratar dessa questão?

Em primeiro lugar, tentando prevenir a miséria, criando alternativas de subsistência, desburocratizando alvarás, isentando de tributos as microempresas individuais com fins de subsistência. Hoje até o Camelódromo cobra aluguéis caros, tornando inviável ser camelô. A prefeitura atual não tem qualquer projeto de inclusão social dessas pessoas que lutam pela subsistência e são discriminados. Enfim, em primeiro lugar, é um imenso problema social que tem de ser enfrentado com alternativas realistas de geração de emprego e renda que incluam as que eles já vêm tentando, como autônomos informais muitas vezes, que devem ter seus alvarás facilitados e isentados de tributos para sua subsistência.

“Hoje até o Camelódromo cobra aluguéis caros, tornando inviável ser camelô”

Quando não conseguirmos prevenir essa situação, temos de ter abrigos para moradores de rua, que devem constar com conexão com as redes de assistência social, educação, cursos profissionalizantes e redes de saúde, considerando um percentual de dependentes químicos maior que o da população em geral. Grupos de entre ajuda, como Alcoólicos Anônimos e Narcóticos Anônimos, devem ser convidados para atuarem em parceria com a gestão municipal nos postos de saúde e também nos abrigos.

Quais as suas prioridades para a rede municipal de ensino e como planeja, no cenário da pandemia, o retorno às aulas em 2021?

Havendo vacinação, como acreditamos que haverá em 2021, o calendário letivo poderá ser retomado. Para contribuir com a vacinação mais ampla temos de ver as condições do Laboratório do Estado (LACEN) ter aqui o papel que o laboratório público de São Paulo (Instituto Butantan) está tendo por lá.

Como pretende lidar com o problema da falta de vagas nas creches municipais?

É preciso ampliar muito o número de creches, pouco mais de 200 para uma população de 1,5 milhão de habitantes significa uma enorme carência de vagas. Nossos projetos para a educação, como a ampliação das creches e de pré-escolas e um amplo Programa de Inclusão Digital, devem ser financiados por fundos a serem buscados na esfera federal e até internacional, pois bons projetos de educação, inclusão e sustentabilidade têm condições de obter tais financiamentos até mesmo a fundo perdido.

--

--