Motoboy de Parobé se veste, desde 2017, com camisetas do Grêmio

História de Sérgio Vidal é exemplo que une paixão pelo futebol e vontade de ajudar o próximo

Laura Blos
Redação Beta
6 min readAug 25, 2020

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O amor pelo futebol e por um time vai muito além das quatro linhas de um campo ou das arquibancadas de um estádio. É no dia a dia que a paixão é estampada pelos torcedores. Sérgio Vidal da Silva, de 51 anos, o Serginho Motoboy, é dono de uma coleção que já contou com 387 camisetas do Grêmio e, há três anos, veste diariamente a farda tricolor.

Parte da coleção de Sérgio, que há três anos usa somente o manto Tricolor, para pagar promessa. (Foto: Arquivo pessoal/Sérgio Vidal)

Desde o primeiro jogo da semifinal da Libertadores de 2017, entre Grêmio e Barcelona de Guayaquil, o morador de Parobé, no Vale do Paranhana, usa somente camisetas do time gaúcho. A decisão de usar as camisas todos os dias, durante três anos, foi uma promessa feita antes do jogo que levou o time para a final e, mais tarde, ao título do campeonato daquele ano. “Já se passaram os três anos e, agora, prorroguei para cinco, já que é a roupa que mais tenho”, conta Serginho, rindo.

As vestimentas favoritas de Sérgio são duas camisetas de goleiro. “Elas são do ano de 2013, com manga longa, e possuem o mesmo design, mas eu gosto muito de usar elas”, declara.

Assinada por Vitor, camisa de goleiro é uma das preferidas. (Foto: Arquivo pessoal/Sérgio Vidal)

Gremista desde sempre, Sérgio costumava comprar e ganhar camisetas de presente, até que em uma oportunidade pôde comprar dez camisas por um bom preço, e há 12 anos se considera colecionador. Serginho é motoboy e revela que sempre anda com dinheiro ou então com uma camisa “dobrada” para poder trocar por outra que ainda não tenha.

Atualmente, com pouco mais de 200 mantos, o colecionador explica que possui cerca de 15 peças consideradas raras e de alto valor. Entre elas, o “Santo Graal” gremista, a camisa de 1983. E essa tem história. Foi usada no dia 28 de julho de 1983, data em que o Tricolor Gaúcho conquistou sua primeira taça Libertadores, um dia antes do aniversário de 14 anos de Sérgio.

“Eu morava no interior e a gente foi de kombi assistir o jogo do Grêmio, no Olímpico. Aí foi comprado uma camisa pra mim e quem assinou ela, na época, foi um tal de César, que nem ia jogar, era reserva, mas foi quem acabou entrando e fazendo o segundo gol. Aquela camisa vale muito. Pra mim tem um valor inestimável ”, relembra Serginho, que ainda explica que, dependendo da situação, a camisa pode valer até R$ 15 mil.

Além desta, camisas como a usada por Anderson na lendária Batalha dos Aflitos e o manto do bicampeonato da Libertadores também fazem parte da coleção. “Em 97, o Grêmio fez uma edição limitada em comemoração ao bicampeonato da Libertadores, quando foram lançadas 1903 camisas. Essa também é uma camisa muito rara”, explica.

Camisa “das tacinhas” é considerada rara, por haver somente 1903 unidades. (Foto: Arquivo pessoal/Sérgio Vidal)

Mas não é fácil manter uma coleção. Sérgio conta que é preciso muito cuidado com questões como luz, lavagem e secagem, assim como em relação à maneira como são guardadas e conservadas. Inclusive, alguns dos itens são preservados ensacados à vácuo e mantidos com controle de temperatura.

Para cada manto, uma história. A mais cara comprada por Serginho custou a “bagatela” de R$ 4,8 mil. É uma camisa usada pelo goleiro gremista Mazaropi. “Eu trabalhava em um posto e um cliente trabalhava para o goleiro, e tinha essa camisa, presente do Mazaropi mesmo. Pedi demissão do posto para comprar essa camiseta e ainda coloquei algumas parcelas do seguro desemprego para pagar ”, lembra, rindo.

A mais difícil de encontrar foi a camiseta preta de mangas longas lançada em 2015. Sérgio foi a Gramado e Três Passos, lugares onde lhe disseram que conseguiria encontrá-la, mas não conseguiu. Até que em um despretensioso dia, ao realizar entregas no Hospital de Parobé, viu uma pessoa usando a camiseta e lhe ofereceu uma troca .

Camisa que mais deu trabalho para Serginho adquirir. (Foto: Arquivo pessoal/Sérgio Vidal)

Entre as histórias que marcam cada camiseta, há algumas bastante inusitadas. “A última que comprei foi quando eu estava indo a Campo Bom e, entre Nova Hartz e Araricá, vi um andarilho. Vi que aquela camisa eu não tinha. Fiz um retorno grande, voltei e parei a moto, ele até me xingou. Falei que era colecionador, que queria comprar a camisa. Foi eu falar e ele já tirou a camiseta ”, conta.

Camisa comprada de andarilho, na RS-239. (Foto: Arquivo pessoal/Sérgio Vidal)

A tarefa de colecionador não é fácil, mas alegra a vida dos adeptos. “Ser colecionador é gratificante, mas é um negócio mais pra ti. A única vez que eu expus, em um evento do consulado, há uns três anos, eu não consegui sair de perto, é um ciúmes desnecessário. Acho que não tenho ciúmes pela minha moto, acho que nem pela minha ex-mulher, mas pelas camisas eu tenho”, revela Serginho, brincando.

A paixão pelo tricolor o acompanhará até mesmo no leito de morte. Sérgio já fez a escolha: quer ser enterrado usando uma camisa usada em 95 contra a Portuguesa. “Na época eu fumava ainda. No bicampeonato brasileiro, contra a Portuguesa, quando o Grêmio fez o segundo gol, acabei queimando a camisa e a minha barriga com o cigarro, e essa camisa eu tenho guardada, e quero ser enterrado com ela”, declara.

Apesar de todo o cuidado, Sérgio não é apegado à coleção. Ele conta que seguidamente presenteia amigos e familiares, ou ainda vende algumas peças. Envolvido em ações sociais e de amparo à comunidade, em sua última campanha o motoboy sorteou seis camisetas para pessoas que participaram de um grande movimento de arrecadação de alimentos em Parobé.

Isabel Teresinha de Andrade foi a primeira sorteada e conta que não esperava ganhar. “Levei um quilo de arroz, de coração, para ajudar alguém, pois sei o quanto é bom quando estamos precisando de alguma coisa e alguém nos dá. Tive a sorte de ser a primeira sorteada. Nunca, até hoje, tinha ganho nada”, lembra Isabel, que parabenizou a iniciativa. “Achei um lindo gesto da parte dele em se desfazer da sua coleção para ajudar as pessoas. Fiquei agradecida de ganhar e muitíssimo feliz pela ação”, ressalta.

Isabel foi uma das sorteadas e levou uma das camisetas da coleção para casa. (Foto: Arquivo pessoal/Sérgio Vidal)

Outra felizarda foi Marilei Debastiani, coincidentemente, prima de Serginho e colorada, que também ressaltou a importância da ação. “Foi muito gratificante ajudar nessa campanha, não pelo sorteio, mas sim, por saber quantas pessoas o Serginho pôde ajudar. Ele é uma pessoa incrível e de bom coração. Sempre que ele fizer algo nós o ajudaremos”, declara.

Colorada, Marilei ganhou camiseta tricolor no sorteio da campanha. (Foto: Arquivo pessoal/Sérgio Vidal)

Sérgio divulgou em suas redes sociais a campanha e os pedidos de ajuda começaram a chegar. Com o grande número de pessoas pedindo auxílio, o motoboy decidiu vender mais algumas de suas camisetas para cumprir com o valor necessário. “Eu estava com 58 pedidos de cestas básicas e arrecadei cerca de 20. Sorteei seis camisas e vendi algumas para completar a demanda das cestas”, conta.

Perguntado sobre o critério de escolha das camisas sorteadas, Serginho afirma que conta com camisetas repetidas, e que opta por essas na hora de se desfazer. Um gesto de carinho que o parobeense carrega há anos, incentivando a prática solidária e promovendo ações de ajuda a pessoas em situação de vulnerabilidade social.

Serginho com as camisetas sorteadas na campanha. (Foto: Lilian Moraes)

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