Mudanças culturais desafiam Movimento Tradicionalista Gaúcho

Regras rígidas ajudam a manter identidade do MTG, mas também podem afastar integrantes

Maria Júlia Pozzobon
Redação Beta
5 min readSep 11, 2019

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Do chimarrão ao churrasco, dos bailes aos rodeios. Do lenço ao chapéu, das esporas às gineteadas. Chegou a hora dos tradicionalistas. Em véspera da Semana Farroupilha, os movimentos tradicionais gaúchos dividem opiniões quando o assunto são as normas exigidas pelo meio.

O Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG), que promoverá as festanças deste mês, é conhecido pelo alto nível de exigência com a preservação da cultura gaúcha. Porém, o que nem todos sabem é que o MTG vem realizando adaptações com o passar do tempo com o objetivo de não afastar os jovens nem o público fiel a sua essência. Inclusive, o tema do MTG deste ano é “Mulher Gaúcha: 70 anos da inclusão no Tradicionalismo Gaúcho organizado”.

Gaúcho em preparação para a Semana Farroupilha. (Foto: Maria Júlia Pozzobon/Beta Redação)

A participação feminina, de fato, é destacada no movimento. Um exemplo é Gabriela Sarturi Rigão, 23 anos. Natural de Santa Maria, a menina carrega no peito a faixa de 1ª prenda do Rio Grande do Sul com muito orgulho. Criada dentro de um Centro Tradicional Gaúcho (CTG), Gabriela foi convidada com apenas 14 anos para participar de cavalgadas do Departamento Campeiro Centro de Pesquisa Folclórica Piá do Sul. Foi esse fato que contribuiu para ela ser a 1ª Prenda Juvenil da 13ª Região Tradicionalista em 2015, avaliadora de Cirandas Regionais e palestrante sobre cultura tradicionalista, mas o maior orgulho é ser prenda e tradicionalista.

“Foi no tradicionalismo que eu descobri a minha voz, minha força, a minha essência. É onde eu vejo o desenvolvimento de pessoas, a propagação de valores e a esperança de dias melhores”, orgulha-se Gabriela.

Compartilhando do mesmo sentimento, Laura Frota, 29 anos, é formada em Educação Física e instrutora das invernadas Chupetinha e Dente de Leite do CTG Galpão de Estância de São Luiz Gonzaga, da 3ª Região Tradicionalista. “Não vou dizer que sou uma tradicionalista que concorde 100% com o que movimento impõe, mas acho necessário a preservação da cultura e das nossas raízes. Claro que não devemos nos manter sempre focados no passado, mas temos que nos adequar sem deixar de lado as raízes”, comenta Laura.

Sobre as regras impostas pelo tradicionalismo, ela acredita que as mudanças são essenciais, e ainda completa: “Enquanto achar que está no caminho certo, irei continuar defendendo”.

“Sem dúvidas, o tradicionalismo me ajudou não só na minha formação pessoal, como profissional. Para qualquer criança que tenha contato com o tradicionalismo, alguma influência positiva terá para o seu futuro”, reforça Laura.

Ela diz que é notável o desenvolvimento da criança no tradicionalismo com o decorrer do ano. Eles geralmente chegam tímidos ao CTG e a convivência com as outras crianças permite novos saberes. “Além dos conhecimentos tradicionalistas que são ensinados, as crianças também aprendem coisas para a vida, como desinibição, companheirismo e ajuda ao próximo. Por exemplo, na própria dança, às vezes colocamos uma prendinha que sabe um pouco mais, com um peão que está com mais dificuldades. A gente nota eles se ajudando”, relata Laura.

Utensílios gaúchos podem servir de decoração. (Foto: Maria Júlia Pozzobon/ Beta Redação)

Ana Paula de Almeida, 22 anos, frequentou o CTG Tiarayú, de Porto Alegre, 1ª Região Tradicionalista, entre os anos de 2012 e 2015.

Ela acredita que o Tiarayú tem a “mente bem aberta”, comparado aos demais CTGs. “Lá a gente encontra homossexuais que frequentam o local, dançam e são bem-vindos. Porém, dentro do tablado a gente tem que performar, como se fôssemos atores e temos que entrar no personagem que a tradição exige”, comenta.

Apesar de ser um local que Ana gostou muito e se recorda nostalgicamente, ela ainda não pensa em voltar. “Penso que existem outros jeitos de manifestar minha arte, em outros meios. Não poder ter tatuagens no meu corpo é um dos motivos que me afastaram do CTG”, desabafa.

Gabriela Sarturi Rigão, 1ª prenda do Rio Grande do sul, comenta que todo o ano ocorre um Congresso e Convenção Tradicionalistas, momentos para votações que definem mudanças no MTG. “Porém, a mudança de cultura não ocorre através de votação, e sim de vivência, a qual eu também vivi ao longo dos anos”, diz Gabriela. Ela relembra o seu tempo de infância, em que escutava dentro do CTG a expressão “Não dá um carão para quem te tirar para dançar”. Isso significa que não podia recusar uma dança quando um peão a tirasse para dançar. Hoje em dia, Gabriela conta que esses comentários não ocorrem mais.

“A prenda não é mais colocada nesse papel de ter que estar dançando com todos os visitantes e ser gentil na forma de aceitar a dançar. Isso é uma mudança cultural que envolve o tradicionalismo, mas isso não significa que se está se perdendo valores, pelo contrário, está se apropriando de mais valores, como o respeito pela figura da prenda”, destacou Gabriela.

Para Gabriela, é importante ter regras por preservar o movimento tradicionalista, porém, isso não impede que quem discorde de algo se manifeste. Entretanto, são as divergências que, muitas vezes, levam alguém a se afastar do movimento.

Mudanças recentes nas regras campeiras

Chama Crioula é símbolo do MTG. (Foto: Maria Júlia Pozzobon/Beta Redação)

Em relação às mudanças mais recentes, é possível citar a que ocorreu no ano de 2014, momento em que foram discutidas e votadas propostas de alterações na área campeira e artística. As propostas tiveram votos facultativos e flexibilizaram também algumas práticas nas provas campeiras. Ficou decretado, por exemplo, que o uso da espora ainda é permitido, desde que não seja pontiaguda. O relho de couro também é opcional agora. Os defensores dessa mudança estavam alinhados à pauta de defesa dos animais, que antes eram machucados por esses acessórios.

Ainda em 2014, a 25ª Região Tradicionalista, na Serra, apresentou uma proposta que introduziu a manta gel como uma alternativa à carona para encilhar o cavalo, suavizando o contato com a cela com o animal.

São três utensílios utilizados para realizar a montaria no cavalo: o couro, o pelego e a barbela de corrente, que segura os outros dois acessórios. O que mudou foi o couro, que agora tem a opção de manta gel, feita do mesmo material porém mais macia, beneficiando o animal.

A outra questão levantada foi o laço apresilhado, que passou a ser facultativo. Antes ele era atado no cavalo, e agora o peão pode segurar ele solto, evitando que se enrole na corda em caso de quedas e acidentes.

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