Mudança cultural e valorização da saúde mental é caminho para enfrentar o suicídio

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11 min readJul 6, 2023

Coordenadora do Comitê Estadual de Promoção à Vida e Prevenção do Suicídio-RS, fala sobre os altos índices deste tipo de violência entre idosos

Para prevenir o suicídio do idoso é necessário promover a vida dele(Foto: Andréia Volkmer/Arquivo Pessoal)

Por: Ana Oliveira, Henrique Kirch, Michele Alves e Vitor Westhauser

Andréia Volkmer é coordenadora do Comitê Estadual de Promoção à Vida e Prevenção do Suicídio. Formada em Serviço Social, ela trabalha no núcleo das doenças e agravos não transmissíveis (NVDANT), onde há uma subdivisão denominada Vigilância das Violências Interpessoais e Autoprovocadas. Ela está à frente do Comitê desde a sua idealização no final de 2015. Na entrevista, ela confirma a tendência de aumento do número de suicídio entre idosos identificados nesta reportagem, e dá outras informações sobre o trabalho desenvolvido pelo Comitê. A entrevista ocorreu por vídeo chamada.

Reportagem: É correto afirmar que, proporcionalmente, a faixa etária que mais comete suicídio no RS tem sido a de idosos?

Andrea Volkmer: Correto. A gente pode dizer a respeito do Rio Grande do Sul que a faixa etária com maior taxa de mortalidade por suicídio, ou índice se vocês quiserem chamar, é a faixa etária de idosos sim, com idade de 60 anos e 60 anos mais.

Reportagem: Dentro da faixa etária dos idosos, a reportagem identificou, a partir dos dados do DataSus, que o grupo com taxas mais altas de suicídio é o de 60 a 69 anos. Dá para afirmar também que este grupo é o que tem o maior número de ocorrências, casos?

Andrea Volkmer: Olha, se é do 60–69 certinho eu não saberia dizer pra vocês. Acredito que não importa muito a faixa de idade dentro da faixa etária. Acredito que vocês têm que firmar que é o grupo de idosos. E vocês sabem que quando é faixa, é feito pela população total daquele grupo. Como ainda a população de idosos é menor, isso vai mudar daqui a pouco e vai ser maior, e aí vai diminuir essa taxa. Como a população é menor a taxa fica mais alta. Não é o número maior, mas a gente trabalha com taxa para poder comparar. A hipótese que temos é que os idosos acabam sendo mais assertivos e acabam morrendo mesmo. Essa é uma das razões que torna a faixa etária de idosos elevada.

Reportagem: É possível confirmar que são muito mais homens, que o número de ocorrências chega a ser três, quatro vezes maior do que das mulheres, que cometem suicídio no RS?

Andrea Volkmer: Sim, isso é em todas as faixas etárias pensando no suicídio. O homem morre mais do que as mulheres em todas as faixas etárias. Já nas tentativas é o contrário, as mulheres cometem mais do que homens. Isto acontece no mundo inteiro, dos homens morrerem mais por suicídio do que as mulheres. Sexo masculino do que o sexo feminino.

Reportagem: Assim, como por exemplo da faixa de 60 aos 69, em 2017, segundo os dados e números que nós levantamos, foram 153 óbitos. Em 2018 também 153; em 2019 aumentou para 178; em 2020 para 173; em 2021,175. Só entre o grupo de 60 a 69, falando especificamente de homens. Podemos dizer que nesses anos de análise, houve um aumento de ocorrências dentro da faixa etária de idosos com idade de 60–69?

Andrea Volkmer: Acho que vocês podem dizer que existem sinais de um possível aumento. Pode-se dizer que houve um sinal, porque como vocês não são da área técnica, que lida com isso, estão apenas observando uma pequena evolução nos números. Mas, para a gente poder afirmar é preciso de alguns testes estatísticos, eu peço para colegas da área para fazer e a gente nunca se arrisca a dizer que aumentou. Um erro muito comum que ocorre quando colegas da área de vocês divulgam números, é que eles fazem a comparação de um ano para o outro, sem analisar uma série histórica, que vocês fizeram muito bem, analisaram um período maior de tempo. Porque eles não observam que, se olhar um ano antes ainda, muitas vezes é maior do que esse ano que estão dizendo que teria diminuído ou aumentado. Se fizer de 2020 a 2021 e não olhar para 2019, pode estar pior. Aí vai lá e diz que aumentou. Pode-se dizer sim, que através desses sinais é preciso prestar mais atenção, que tem sim aumentado nos últimos anos um pouco a cada ano.

Reportagem: O que o RS está fazendo para que isso deixe de acontecer, para que os casos diminuam? Quais programas que o estado tem ou se há um planejamento de um programa futuro específico para os idosos?

Andrea Volkmer: Bom, aí a questão é muito ampla. Cada cidade é motivada a fazer o seu trabalho de promoção da vida nos seus ambientes. Cada cidade vai programando grupo de idosos, atividades lúdicas, várias atividades. É vasto no estado atividades lúdicas. Agora, a gente tem um pouco menos dessas atividades funcionando como funcionava antes. Devido à questão da pandemia, as coisas mudaram muito. Aqueles dois anos lá 20/ 21 as coisas deixaram de acontecer e agora aos poucos ainda estão retomando, até porque ainda falando de idoso, ainda se pensa em cuidados. Enquanto Estado, a gente tem um Comitê que tem um plano estadual que pensa em todas as populações na questão do homem num total. Mas, para o idoso que é o que a gente tá falando aqui, a gente também tem um grupo de ações que o próprio Comitê pretende fazer, colocar em prática. E também nós temos ações para que os municípios possam fazer as suas atividades. Os municípios neste momento estão montando os seus programas, planos de enfrentamento para que a gente possa olhar e ver se está faltando alguma coisa, por exemplo, no caso do idoso, a gente aponta algumas coisas, mas é um trabalho de “formiguinha”, né? Porque todos nós temos milhões de coisas para fazer e o suicídio é um assunto muito grande, tem uma magnitude imensa falando epidemiologicamente. Mas, a gente pode dizer que tudo o que a gente faz interfere para todos, não é só para os idosos, não é só para crianças ou para os adultos. Os programas que nós estamos desenvolvendo agora neste momento, por exemplo, são de pósvenção (suporte para sobreviventes e enlutados por suicídio). A gente tá articulando um trabalho para que se tenha em todo o estado, em todos os municípios, os que possam ir às casas das pessoas que estão enlutadas pelo suicídio. E nós temos enlutados de todas as faixas etárias. Vamos ter pessoas idosas enlutadas de outras pessoas que morreram por suicídio. A ideia de fazer um trabalho com essas pessoas além de colocá-las numa situação mais confortável para tocar a vida em frente, para poder administrar melhor esse luto, é porque geralmente as pessoas acham que é por causa delas que a pessoa morreu, resolveu morrer por suicídio. E não é verdade!

Então, a gente pode trabalhar com essas questões para que a gente esteja fazendo prevenção para o futuro e neste momento o que nós temos é isto.

São diversos lugares, que se nós fizermos uma pesquisa, nós já fizemos algumas vezes, mas neste momento nós não estamos atualizados, é perguntar para cada município do estado as estratégias que eles estão fazendo para ver as diversas ações que eles estão promovendo, para toda a população e tem aquelas específicas para os idosos, por que prevenir o suicídio do idoso é promover a vida dele!

Desta forma, a gente vai entendendo que dentro do mundo do sofrimento do idoso, é que ele não quer ser um peso para família. Ele não quer que a família deixe de fazer alguma coisa e que ele intervenha no dia a dia dos seus familiares por estar recebendo esse cuidado. Mas, ele não consegue perceber como a falta dele vai ser pior ainda para todos da família.

Reportagem: Tem algum fator de risco para homens e mulheres. Essa questão, de que os homens morrem mais, porque realmente nos números exatos que nós temos, os homens são mais de 80%, certo?

Andrea Volkmer: Sim. Agora, eu quero dizer pra vocês que no suicídio a gente tem esse drama de não ter nada 100% certo. A gente não tem isso. É uma hipótese porque a gente conta, né? São muitas coisas. É preciso de uma atenção e intervenção para que não haja ideia e nem tentativa. A gente tem que trabalhar para que a pessoa não chegue nesse momento. Então, o que vocês podem dizer é que o Rio Grande do Sul tem esse Comitê e têm planos para todas as faixas etárias e também para os idosos. O plano sempre vai ser focado em formar profissionais para trabalhar com isso, que é o que o Comitê Estadual mais faz, que é trabalhar na formação das pessoas, profissionais, que trabalham com os idosos.

Outra coisa, nós temos muito nos homens a questão machista. Acho muito importante vocês falarem. Eu não sei por que não falei isso em primeiro lugar. É sobre a questão cultural.

Esta questão precisa ser transformada. A gente precisa trabalhar com as pessoas de hoje, para que essa cultura vigente seja substituída por um outro tipo de cultura, é a nossa cultura, ela é violenta e a gente não se dá conta, mas ela é violenta. Eu teria que pegar algum tempo para provar para vocês, né, não é o caso porque não é isso o trabalho de vocês, mas eu posso dizer para vocês uma coisa certa: “o que é que a cultura ainda hoje fala dos homens? Que o homem não chora, que o homem que está em sofrimento é fraco, que se ele está com depressão é porque não tem o que fazer. “Dá uma lenha para ir rachar!” As pessoas ainda dizem isso. Os mais jovens, eu não sei o que andam dizendo, mas que quem chora é fraco, é bobão. É um sinal de fraqueza mostrar sofrimento, resumindo, então eles acabam escondendo isso aí. Não dizendo, se fechando e pensando em morrer por suicídio.

Reportagem: A gente sabe que é complicado falar sobre isso, nessa questão do Rio Grande do Sul de ter o tradicionalismo e tal. A gente ficou na dúvida de levantar essa questão cultural porque a gente não tem um embasamento científico, uma prova disso.

Andrea Volkmer: Então, aqui no Rio Grande do Sul o problema do suicídio é um problema em todos os lugares do estado. E eu acredito muito, a minha hipótese, está muito ligada a essa questão que eu falei para vocês, é uma questão cultural porque embora tudo isso que a gente vive aqui tenha nos outros estados, a gente carrega uma coisa muito mais forte, da questão do papel masculino, dessa coisa do macho, do gaúcho macho, o gaúcho que faz tudo e está pronto pra tudo. É uma questão que foi construída por décadas e precisa ser repensada.

Reportagem: Você falou que o Comitê está fazendo capacitação para profissionais de saúde e que teria que expandir mais, certo? É pouco ainda, mas já está sendo feito. De quanto em quanto tempo é feita essa capacitação que é promovida pelo Comitê?

Andrea Volkmer: Todos os anos. E nós atendemos toda a rede intersetorial, inclusive já fizemos eventos para educação. Mas, sempre todo mundo pode se inscrever e não é só aqui em Porto Alegre. Nossos eventos costumam encerrar as vagas rapidamente. Nós fazemos geralmente para 600 pessoas. A gente tenta conseguir auditórios grandes, porque a gente traz pessoas de fora e não são pessoas que a gente pode trazer toda hora. Agora, a gente está organizando um seminário que vai ser no final do ano. Nós vamos fazer três seminários este ano, dois já estão certos, um vai ser para os profissionais da segurança pública. Estamos trazendo um bombeiro, um tenente-coronel que virá fazer uma palestra sobre isso aqui no Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, a gente vai tentar levar ele também para Santa Maria.A gente já tem este Comitê e dentro dele nós temos diversos grupos. Inclusive, nós temos um grupo que trabalha com a questão da pessoa idosa, mas, infelizmente, esse grupo não conseguiu se articular e neste momento não está funcionando.É isso aí, os grupos começam e tem a troca das pessoas, né, das secretarias, das instituições. E aí, tem que recomeçar tudo com a nova equipe que assume. O do idoso está no momento de recomeço. Mas, a gente está agora, focando nesse evento e o outro vai ser de pósvenção, de suporte e assistência aos sobreviventes e enlutados por suicídio, e isso tudo acaba sendo para todas as faixas etárias.É um assunto importante que deveria ter em todos os cursos. Não a questão do suicídio. Mas, a questão da importância da saúde mental. Esse é o grande foco, né, além da cultura, eu acho que tão importante do que a questão cultural, é a questão da saúde mental. Eu falo primeiro na cultura, porque a cultura faz com que a gente não valorize a saúde mental.

Reportagem: Dos programas que já estão ocorrendo, há alguma localidade ou cidade no RS realizando o trabalho de pósvenção, grupos que estão trabalhando nisso no momento?

Andrea Volkmer: Venâncio Aires está começando um trabalho de pósvenção. É pouca coisa que temos aqui no Rio Grande do Sul. Eu sei de Venâncio Aires, eu sei de algum trabalho sendo feito pela AMERGS, que é a Associação Médica Espírita do Rio Grande do Sul. Tem uma psicóloga que estudou muito sobre isso tudo, que preparou e ela está fazendo trabalhos, ela atende famílias enlutadas.

Nós, do Comitê, fizemos trabalhos em escolas, fomos lá e fizemos trabalhos com a direção, com os professores e com os alunos. Mas, isso aí, como eu disse, são coisas que não são o nosso foco. O nosso foco é saber construir esse método para que outros possam fazer em seus municípios, localidades. Às vezes a gente “apaga alguns incêndios” como se diz e faz alguma coisa, mas não é o nosso foco principal. Eu sei que também temos o Projeto Vozes, que é muito bacana. Certamente agora, logo nos próximos anos, nós teremos vários municípios que terão esses trabalhos de pósvenção e agora mesmo nosso evento vai ser para isso. Esse evento nós vamos trazer especialistas na área para que os profissionais entendam o que é a pósvenção e possam ver de que forma eles podem colocar isso no seu fazer profissional.

A pósvenção, no caso, é depois que aconteceu o suicídio. Nós queremos trabalhar na prevenção, mas a gente precisa também trabalhar com as pessoas enlutadas. Entendendo que este trabalho também é prevenção, porque dali podem sair outros suicídios. É uma coisa ligada à outra.

Reportagem: Vai haver dois seminários que já estão certos para o próximo semestre, isso?

Andrea Volkmer: Isso. O de Segurança Pública vai ser em outubro e o outro ainda não tem uma data pré definida, porque a gente vai depender dos profissionais que vão nos dizer quando terão uma agenda. Por exemplo, no ano passado a palestra da Karen Scavacini foi em agosto, a gente fez no dia que ela podia. Esses profissionais, pelo menos da parte da Saúde, a gente não tem como pagá-los, eles vêm sempre gratuitamente. E a gente, lógico, conseguiu as passagens, hotel, alimentação, traslado, para que ela não tivesse gastos. E também nós vendemos os livros dela aqui, primeiro porque nós tínhamos interesse em comprar, segundo porque é um apoio, uma forma de agradecer a disponibilidade dela.

Reportagem: Como seria e qual a importância dessa mudança cultural que você fala?

Andrea Volkmer: É um dos trabalhos que a gente mais precisa fazer e que envolve toda a sociedade, a questão das escolas, envolve as famílias. A forma e a educação que se dá para as crianças, envolve todo mundo, saúde, assistência social e segurança pública. Todo mundo teria que fazer nesse campo, porque a gente não muda a cultura de um dia para o outro. Então, é melhorando a sociedade que a gente consegue prevenir o suicídio. Nós nunca vamos zerar isso. Zero suicídio. Eu acredito que não, mas nós podemos diminuir e muito esse número de casos.

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