Mudança do rol da ANS afeta pessoas do espectro autista

Mesmo via judicial, planos de saúde não são mais obrigados a cobrir procedimentos fora da lista

Arthur Mombach Schneider
Redação Beta
5 min readJun 22, 2022

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Por Arthur Mombach Schneider e Gabriel M. Ferri

O rol da ANS limita alguns tratamentos e terapias para sessões abaixo do número requerido. (Foto: Caleb Woods/Unsplash)

O rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) estabelece uma lista de procedimentos, exames e tratamentos que os planos de saúde contratados em território nacional são obrigados a cumprir. A lista é atualizada e revisada a cada dois anos. O rol é disposto na Lei nº 9.656, de 1998, entrando em vigência em 1º de janeiro de 1999.

No início do mês de junho de 2022, a 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu que o rol da ANS é taxativo e não exemplificativo. Isso significar que, quando a lista era considerada como exemplificativa, ficava estabelecido que os tratamentos iam além daqueles previstos no rol. Ainda que a solicitação para tratamentos específicos muitas vezes precisasse ser feita judicialmente, os planos de saúde eram obrigados a arcar com os custos. Contudo, com a revisão do STJ, os planos não possuem mais a obrigação de cobrir procedimentos e tratamentos que não estejam expressamente definidos na lista, que pode ser acessada aqui.

A discussão já vinha acontecendo há algum tempo. Enquanto a terceira turma do STJ já havia definido que o rol era exemplificativo, a quarta turma entendia, desde 2019, que o rol era taxativo. O primeiro julgamento sobre o caso aconteceu no dia 23 de fevereiro de 2022, porém devido à repercussão pública, o julgamento foi adiado para 8 de junho. A decisão final indicou sete votos a favor da mudança, sendo votados pelos juízes Luis Felipe Salomão (relator), Villas Bôas Cueva, Raul Araújo, Marco Buzzi, Marco Aurélio Bellizze e Isabel Gallotti, e três votos contra, sendo eles Nancy Andrighi, Paulo de Tarso Sanseverino e Moura Ribeiro.

O rol da ANS possui, atualmente, 3.357 itens divididos entre consultas, exames, procedimentos ambulatoriais, internações, tratamentos e odontologia. A partir dessa decisão, qualquer tratamento fora da lista deverá ser contratado à parte, seja na hora de firmar o plano de saúde, seja através da negociação de aditivo contratual para a cobertura de procedimento extra-rol. No final, haverá um valor a mais além da mensalidade. Outras opções são feitas 100% particular ou via SUS, caso seja oferecido.

Há diversos tratamentos e terapias que a lista não engloba, como medicamentos aprovados recentemente, alguns tipos de quimioterapia oral e de radioterapia e cirurgias com técnicas de robótica, por exemplo. Além disso, a ANS limita o número de sessões de algumas terapias para pessoas autistas e pessoas com deficiências, como consultas com psicólogos e terapeutas ocupacionais que são limitadas a 40 sessões por ano. Muitos pacientes precisam de mais consultas do que as estipuladas para conseguir resultado com essas terapias, por isso, no atual modelo, conseguem a aprovação judicial de pagamento pelo plano de saúde.

A Associação de Pais e Amigos do Autista de Farroupilha (AMAFA), que disponibiliza um atendimento especializado para crianças e adultos com Transtorno de Espectro Autista (TEA), mediante observação diária de profissionais especializados, realizando atividades didáticas pedagógicas, acredita que muitas pessoas vão deixar de contratar planos de saúde. Esse cenário irá gerar um aumento de pessoas recorrendo aos serviços disponibilizados pelo SUS.

“Acreditamos que haverá um aumento nas negativas por parte dos planos de saúde, onde será levado à risca a lista de procedimentos e tratamentos publicados pela ANS, mesmo que seja prescrito por um médico e que seja de extrema importância. Mesmo sendo pago o plano de saúde corretamente, ainda assim será negado. Também pensamos que haverá um aumento no SUS, pois as pessoas irão migrar para o SUS para garantir o procedimento e tratamento, aumentando a fila de espera”, declara a instituição.

Rede Gaúcha Pró-Autismo desempenha papel importante nesse novo momento

Segundo o coordenador da Rede Gaúcha Pró-Autismo (RGPA), Hugo Enio Braz, a mudança no rol da ANS afeta pessoas autistas, considerando que muitos tratamentos vão requerer terapias, procedimentos e medicamentos que não constam nessa lista básica. Portanto, os planos de saúde ficam desobrigados a bancar essas demandas.

“Não houve exclusão de tratamentos constantes do rol original. A mudança de exemplificativo para taxativo mantém o rol original, mas estabelece que o que não está na lista não precisa ser coberto pelos planos de saúde”, explica Hugo.

Ele também acredita que possa haver uma mudança no rol futuramente, pois o entendimento do STJ, que altera a condição do rol de exemplificativo para taxativo ainda pode ser alterado, tendo em vista que existe uma Ação Direta de Inconstitucionalidade em tramitação no STF.

Sobre o papel de atuação do grupo, Hugo comenta que “a RGPA age no sentido de esclarecer às associações filiadas sobre como atuar, individualmente e em conjunto, na defesa e constituição de direitos, inclusive dialogando com o Poder Público em suas diversas instâncias, sendo a questão da mudança de entendimento sobre a natureza do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS a sua bandeira mais recente”.

Como a alteração no rol afeta as famílias

Muitas famílias com parentes diagnosticados com TEA foram afetadas pela alteração da ANS. Cristiane Rodrigues, 39 anos, mãe de um menino autista, Arthur, de 9 anos, comentou sobre as dificuldades enfrentadas pela família antes da mudança e sua opinião sobre o novo formato.

“A gente sempre tentou usar o plano de saúde para as terapias, para os exames que precisam ser feitos, mas tem uma dificuldade muito grande porque muitos encaminhamentos que os neurologistas e psiquiatras passam, o convênio não cobre. Muitas vezes a gente tem é encaminhado pelo plano para uma cidade mais distante, então temos que ir de São Leopoldo até Porto Alegre para fazer aquela determinada terapia, porque em outras cidades não tem”, afirma Cristiane.

Cristiane também comentou que Arthur, atualmente, realiza três tipos de terapia: hidroterapia, terapia ocupacional e fisioterapia com intervenção motora, e que o plano não cobre . Segundo ela, a hidroterapia o plano não cobre porque esse tipo de terapia não consta no rol. "Vale também para a terapia ocupacional, que está no rol, mas muitas vezes o plano não cobre, porque às vezes vem o pedido de fazer essa terapia com integração sensorial e o plano não cobre isso. E a questão da fisioterapia com intervenção, eles também não cobrem, porque ela é domiciliar. Mesmo o profissional sendo cadastrado com uma clínica que tem o plano, eles não cobrem pelo fato de ser domiciliar”.

Sobre a mudança no rol, Cristiane considera que, a partir da decisão do STJ, o que já era difícil agora vai ficar pior ainda, até para quem reivindicar o acesso ao tratamento na justiça. Além disso, muitos exames necessários não estão contemplados no rol, mas é possível conseguir pelo plano, mas agora também isso vai ficar mais complicado.

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