Mulher na mecânica automotiva não é um perigo constante

Projeto educativo de Alvorada transforma relação entre as mulheres e o setor automotivo

Vitor Brandão
Redação Beta
4 min readApr 17, 2019

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Por Laura Hahner Nienow e Vitor Brandão

Tainná Santos (D) e Márcia Carolina de Quadros (E) capacitam mulheres de todo o Brasil em mecânica automotiva. (Foto: Vitor Brandão/Beta Redação)

S e você escutou em algum momento da vida que motoristas mulheres são menos aptas do que homens no volante, ou que “botar a mão na graxa” é uma tarefa unicamente masculina, saiba que comentários como esses são mais comuns do que imaginamos, mesmo em 2019. Para acabar com os pré-conceitos, a técnica em mecânica automotiva, Tainná Ediles da Silva Santos, 23, iniciou o projeto Mulher Não Fica Empenhada, a fim de educar mulheres sobre o funcionamento do setor automotivo.

De acordo com uma pesquisa realizada em 2018 pela Automotive Business, as mulheres representam 6% da alta liderança das empresas da indústria automotiva. Consideradas todas as áreas do setor, elas abrangem apenas 17% do quadro total. Mesmo assim, o instrutor Maurício Jorge Tesche, professor de Tainná quando ela ainda estava se aperfeiçoando na área, acredita que o entendimento das concessionárias e das grandes montadoras está mudando. “Há muitas mulheres hoje no ramo, seja nas áreas de recepção, peças ou garantia, pois é um mercado abrangente. Além disso, também há muitas mecânicas trabalhando”, ressalta.

Ainda criança, Tainná ficava deslumbrada ao ver um capô aberto e as mãos dos mecânicos sujas de graxa entre as peças. Quando cresceu, viu na paixão uma oportunidade profissional. Sendo assim, ingressou na turma de Maurício em 2012, sendo a única mulher entre 23 alunos do curso técnico em mecânica automotiva da Fundação Pão dos Pobres, em Porto Alegre, daquele período. “Era complicado, mas eu ia para casa pensando sempre: ‘preciso me formar, então, tenho que ser forte aqui dentro’. Tinha que acreditar na minha capacidade”, relembra.

Nas aulas práticas, Tainná ensina como trocar o pneu do carro e depois seleciona uma das alunas para realizar a atividade. (Foto: Divulgação/Mulher Não Fica Empenhada)

De acordo com a mecânica, era comum escutar nas primeiras aulas frases como: “tu não podes fazer isso porque machuca” ou “tu não podes cursar mecânica automotiva”. Porém, ao longo do curso, Tainná mostrou à turma que o talento com as ferramentas e a vontade de aprender não dependem de gênero. Seu professor insiste que “ela está onde está porque mereceu e lutou”.

Mesmo com diploma em mãos, mercado não reconheceu a profissional

Tainná foi certificada como mecânica automotiva em 2017. Nesse momento, novos desafios surgiram, como conquistar o reconhecimento entre os profissionais da área. “Eu entregava meu currículo nas oficinas e ninguém me retornava”. As contas acumularam e a solução foi empreender.

“Tinha tudo nas mãos, só precisava fazer acontecer de alguma forma. Me sentir feliz fazendo algo que amava e que, ao mesmo tempo, me desse grana”.

Foi então que surgiu a iniciativa Mulher Não Fica Empenhada para ensinar mecânica básica e manutenção de carros e motocicletas a mulheres da região. O projeto capacita interessadas de todas as idades a realizarem prevenções em seus próprios veículos, rompendo com a cultura de que esse assunto é só de homens. Além disso, o curso idealizado por Tainná e sua esposa Márcia Carolina de Quadros, hoje gerente do negócio, permite que as alunas entendam o funcionamento dos processos de reparos, evitando cobranças abusivas dos mecânicos.

“Já soube de episódios em que o profissional se aproveitou do desconhecimento das clientes para lucrar mais”, lamenta Tainná. De acordo com ela, muitas vezes uma simples troca de pneu que custaria 20 reais, sai por 100 reais só porque a motorista é mulher. “E eu senti uma grande necessidade de mudar o cenário”, completa.

Tainná mostra o prêmio recebido pelo seu empreendimento. (Foto: Arquivo Pessoal/Tainná Santos)

No ano passado, o projeto de Tainná recebeu o 1º lugar do Prêmio Baita Empreendedor, promovido pela Agência de Fomento Social Besouro e Associação de Jovens Empresários de Porto Alegre (AJE POA). Na ocasião, o Mulher Não Fica Empenhada concorreu com outros 186 empreendimentos gaúchos. “Não acreditei quando anunciaram, porque eram muitos concorrentes. Ali aconteceu algo que nunca havia imaginado”, relembra.

Publicidade brasileira: reflexo de uma suposta realidade

Comerciais televisivos raramente retratam mulheres como compradoras ou motoristas. Normalmente são elas quem ofertam o produto. Contudo, essa não é uma realidade. Segundo levantamento realizado em 2014 pela Folha de São Paulo com montadoras, as brasileiras são responsáveis por 40% das compras de veículos no país. O mesmo estudo aponta, ainda, que as mulheres influenciam 70% das vendas, seja na escolha do modelo até o modo de pagamento.

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