Mulheres buscam espaço na arbitragem

Apesar de serem poucas, elas fazem parte de um movimento que deve tornar o futebol um espaço mais democrático

Laura Pavessi
Redação Beta
4 min readMay 7, 2019

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Valorização do futebol feminino é uma bandeira para garantir maior inserção de mulheres no mundo da arbitragem. (Foto: Michael M./Flickr)

Nos últimos anos as mulheres têm reivindicado seu lugar em diversos espaços da sociedade que, até então, eram vistos como exclusivos dos homens. O futebol é um deles. Hoje, já existe uma torcida organizada só de mulheres coloradas. As integrantes mulheres da Torcida Jovem do Grêmio já foram objeto de estudo e existe uma forte mobilização de grupos organizados para mostrar que o futebol feminino merece o mesmo interesse econômico e cultural que o masculino.

Um espaço que também deve se tornar mais democrático nos próximos anos é a arbitragem. Mas o caminho para a evolução ainda é longo. Na última Copa do Mundo, em sua 21ª edição, realizada na Rússia, nenhuma mulher foi escalada entre os 36 juízes e 63 assistentes. Do Brasil, foram selecionados três profissionais para o mundial. Todos homens.

No Rio Grande do Sul, o quadro da Federação Gaúcha de Futebol (FGF) conta com 39 árbitros na categoria A, 76 na B e 70 na C. Na primeira, atuam apenas duas mulheres. Na categoria B, nenhuma mulher é mencionada no quadro publicado no site da instituição. Na categoria C, constam três nomes de mulheres.

Apesar de ainda serem poucas, as mulheres que se inserem nesse espaço representam um sentimento de renovação para as próximas gerações. Nesse sentido, instituições como a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) têm feito movimentos visando garantir maior participação feminina na arbitragem.

No mês passado aconteceu o 1º Curso Regional para árbitras e assistentes da CBF, em Blumenau (SC). A iniciativa reuniu 21 profissionais para a realização de atividades teóricas, físicas e práticas para aprimorar seus conhecimentos.

“O objetivo foi fazer elas se sentirem mais à vontade em um grupo só de mulheres e deixá-las prontas e mais seguras para se inserirem em cursos do quadro de elite da arbitragem brasileira”, declarou a Coordenadora de Arbitragem Feminina da entidade, Ana Paula Oliveira.

Árbitra da categoria A da FGF, Luiza Reis se beneficiou dos incentivos à inclusão de mulheres no universo da arbitragem. Enquanto se graduava em Educação Física na UFRGS, a instituição, em parceria com a FGF, convidou alunas que já tivessem concluído a disciplina de futebol para trabalharem como gandulas na Copa do Brasil e no Campeonato Brasileiro. Enquanto atuavam na função, as meninas foram incentivadas a se inscreverem para o curso de arbitragem, já que a Federação tinha interesse em expandir a participação das mulheres no quadro. Luiza começou o curso em 2009 e, no ano seguinte, já começou a trabalhar na categoria de base.

“Quando fiz o curso existia um teste físico e outro teórico para entrar e, depois, mais um teste no momento de se formar efetivamente árbitra. Eu já tinha experiência no atletismo, então não tive tanta dificuldade no teste físico”, relembra. “Atualmente trabalho aqui no Rio Grande do Sul em todas as categorias, desde a série A do Gauchão até a segunda divisão, e a nível nacional na categoria de base feminino e brasileiro da série D e da série C”. Além da atuação em campo, ela faz doutorado na Escola de Educação Física da UFRGS.

Ainda assim, o quadro de mulheres árbitras no Rio Grande do Sul é muito pequeno. Luiza ressalta que são, no total, sete mulheres: uma árbitra e seis assistentes. Só ela e Maíra Mastella Moreira pertencem ao quadro nacional da CBF. “Acho que com a obrigatoriedade dos clubes terem o futebol feminino em competições, o quadro feminino está se valorizando. No ano passado e neste ano a comissão de arbitragem tem nos escalado nos jogos dos campeonatos brasileiros e na FGF vemos chances iguais de trabalho para homens e mulheres”, avalia.

O incentivo ao futebol feminino traz uma oportunidade para que as mulheres participem, em campo, também da arbitragem. “Eu trabalho em partidas femininas desde 2016, quando ingressei no quadro da CBF. Naquela época ainda não existia o (campeonato) Brasileiro feminino, era Copa do Brasil (de Futebol Feminino), e foi a primeira vez que atuei em jogos oficiais femininos. Agora temos os campeonatos femininos série A1 e A2, então estamos trabalhando muito e eu particularmente adoro”, conta. Luiza ainda menciona que, após o recente contrato firmado com redes de televisão, o futebol feminino definitivamente ganhará mais destaque.

Na lembrança, ela revela guardar momentos especiais como a sua estreia no Campeonato Gaúcho da Primeira Divisão, pois o torneio fez parte da sua infância e adolescência no interior do Estado. Também a estréia em jogos da dupla Grenal, assim como os jogos da TV aberta no domingo à tarde, e mais recentemente, no quadro nacional nas oitavas de final do Campeonato Brasileiro da série D marcaram a sua trajetória.

Para as mulheres que pensam em construir uma carreira na arbitragem, Luiza avalia que todos os esforços valem a pena. “Se gosta de futebol, de treinar, de estudar e seguir regras, esse é o caminho. As oportunidades estão aí, mas é necessário treinar muito, pois os testes físicos já rigorosos para os homens são ainda mais para as mulheres. Contudo, nunca devemos desistir dos nossos sonhos antes de tentar”, aconselha.

Ex-árbitro e comentarista de arbitragem da RBS TV, Márcio Chagas vê com otimismo a inclusão das mulheres neste universo, que ainda se mostra preconceituoso. “Vejo que ainda há muita resistência para colocar as mulheres na arbitragem, principalmente como comandantes e não só como assistentes. A verdadeira mudança só irá ocorrer quando a estrutura do futebol tiver mulheres nas comissões de arbitragens, dirigentes, presidentes e conselheiras. Enquanto não houver essa mudança estrutural, a mulher sempre ficará sendo vista com desconfiança ou como “objeto” de desejo”, avalia. “Sou favorável a esta abertura de espaço para que tenhamos mulheres atuando em todas as competições, independente do gênero”, conclui.

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