Mulheres enfrentam o machismo no universo gamer
Plataformas desenvolvedoras investem em mecanismos de denúncia para barrar a participação de agressores
O streaming atualmente conta com plataformas específicas no mercado de jogos eletrônicos, como a Twitch, que disponibiliza premiações e recompensas para quem exibe e consome lives de games. Contudo, o machismo permanece recorrente nessa indústria, como evidenciam os relatos das streamers Pâmela Gonçalves, Pâmella Studzinski Sanchez e Joana Tshy.
A participação majoritária de homens no universo dos jogos eletrônicos dificulta a inserção de mulheres nessa área, seja como consumidoras dessa categoria de entretenimento ou como profissionais. Em decorrência da mentalidade retrógrada que continua permeando a indústria, as jogadoras enfrentam resistência para garantir o seu espaço.
Resistência feminina no streaming de games
Pâmela Gonçalves critica a existência de esteriótipos que reforçam a ideia de que mulheres não têm a mesma habilidade de homens no universo gamer. A streamer menciona que, embora as mulheres estejam ganhando visibilidade em narrações e competições da área, a mentalidade machista representa um obstáculo a ser superado.
A profissional acredita que as mulheres ainda são reprimidas no universo dos jogos eletrônicos, o que faz com que elas se distanciem do segmento e, em muitos casos, sequer busquem desenvolver as suas habilidades no meio. “Eu não vou jogar bem, não vou conseguir aprender esse jogo porque há homens que falam certas coisas que me desagradam. Eu já passei por isso, eu sei”, explica Pâmela, demonstrando o quanto a toxicidade masculina de uma parcela do público de games acaba diminuindo a presença feminina no segmento.
A manauara acredita que a importância da mulher no mundo gamer — seja narrando, competindo ou comentando — , é crucial como fonte de inspiração para outras jogadoras. “As mulheres que chegaram lá são um espelho para todas nós que estamos nessa construção. Queremos enfrentar tudo que há no caminho e chegar lá”, afirma.
Segundo Pâmela, quando profissionais que produzem lives se expõem nas redes sociais para mostrar os seus conteúdos, esse movimento gera espaço para pessoas falarem o que quiserem, sem nenhum filtro. “Infelizmente, chegam muitos comentários machistas para mim. Me fazem mal, mas tento não ligar”, desabafa.
De acordo com Pâmela, as mulheres estão habituadas a lidar com julgamentos alheios. Embora propensa a se deparar com manifestações tóxicas, a streamer comenta com entusiasmo que também recebe muito incentivo do público. Contudo, reitera que exposições agressivas já a fizeram pensar em desistir das transmissões.
Ao relembrar sua trajetória com o game League of Legends (LoL), iniciada em 2015, Pâmela revela que precisou lidar com julgamentos que não somente a acusavam de jogar mal, como também atribuíam a sua falta de experiência ao fato de ser mulher. “Houve uma situação, há 2 anos, em que eu fui jogar LoL e acabei sendo xingada com comentários machistas", recorda. Contudo, a profissional foi positivamente surpreendida ao descobrir que um membro do seu time havia presenciado a agressão e a reprovado veementemente, não somente passando a criticar o agressor na comunidade, mas também enviando mensagens para que todos soubessem do comportamento.
Atualmente a empresa Riot, desenvolvedora do LoL, possibilita que ações de denúncia sejam mais efetivas. Através das notificações, os jogadores podem acusar casos de racismo, machismo e qualquer outro tipo de preconceito. “Eu lembro que chegou uma mensagem pra mim no próprio jogo falando que tinham tomado uma providência em relação a esse jogador”, sublinha.
Pâmela recorda que, assim que começou a realizar transmissões online, pessoas também a acusaram de usar decotes como forma de ganhar mais visibilidade, já que supostamente o público masculino iria se sentir mais atraído para assisti-la. “Até hoje continuo me deparando com muitas reações retrógradas sobre o meu corpo nesse meio”, critica a streamer.
A importância da diversidade na indústria gamer
Pâmella Studzinski Sanchez indica que, na comunidade gamer, uma parcela do público ainda não aceita o protagonismo feminino. Segundo ela, essa realidade inibe a participação de jogadoras que precisam lidar com a desvalorização e a falta de espaço.
Em decorrência dessa mentalidade retrógrada, Pâmella já protagonizou inúmeras situações de machismo que a fizeram repensar sobre seu lugar no esporte. Ela reitera ser incrivelmente difícil ser mulher nessa área, pois o preconceito é sempre desprovido de lógica, dando a impressão de que as mulheres estão roubando o espaço de outros jogadores. “Jogar um jogo para mim é como ler um livro ou ver um filme. Não faz sentido ser algo somente voltado para determinado grupo de pessoas, mas precisa ser de fácil acesso a todos”, reitera.
A streamer revela que, quando começou a produzir conteúdo, não existiam muitas mulheres realizando lives e que, atualmente, presencia um número bem maior de jogadoras ocupando esse espaço.
“Sempre temos que estar provando que somos gamers de verdade, como se fosse necessário provar algo para poder ser streamer ou jogar um jogo”, enfatiza. Ela também menciona que a representação feminina nos games não a agrada, pois na maioria das vezes as personagens são objetificadas com roupas curtas ou algo que agrade o público masculino.
Porém, Pâmella também relata mudanças estruturais significativas diante desse contexto. Como exemplo, cita que ficou satisfeita com a nova versão do game Resident Evil 3, já que a protagonista, Jill Valentine, foi completamente remodelada e passou a utilizar um vestuário condizente com uma policial que se encontra diante de um apocalipse zumbi. “A roupa agora é funcional e não mostra tanto o corpo, em contraponto ao original em que ela utiliza um top e uma saia, que, a meu ver, nunca seria a primeira opção da personagem”, explica.
Para que realmente ocorra uma maior representação feminina, Pâmella acredita que não somente a presença de mulheres seja fundamental, mas também de outras minorias representativas. “Espero que isso seja discutido e implementado na indústria, que seja natural ter pessoas diversas envolvidas com a criação de jogos que cada vez mais representem as pessoas como um todo”, frisa.
A luta pela conquista do espaço no segmento gamer
Ao refletir sobre a escassa presença feminina nas competições profissionais, Joana Thais Trindade acredita que a falta de incentivo seja o principal fator gerador desse cenário. A gamer aponta que teríamos uma realidade distinta caso as pessoas enxergassem o potencial das mulheres com a mesma intensidade que dão visibilidade para as competências masculinas e consumissem mais o conteúdo desenvolvido por streamers.
Em razão desse contexto, a participação da mulher no universo gamer proporciona um maior nível de representatividade e um entendimento de que jogos não possuem restrição de gênero. “Ter espaço para falar sobre isso é realmente importante, porque quando eu era criança não havia tantas referências como hoje em dia, e isso é maravilhoso. Não quero que as outras gerações passem as dificuldades que passei para conseguir ter acesso a lugares que ocupo hoje”, enfatiza Joana.
Sobre casos de machismo, Joana destaca que não se sente atingida por esse comportamento, já que as pessoas frustradas que agem dessa forma e tentam invalidar a sua jornada não fazem a mínima ideia do que ela precisou passar para ocupar a sua posição atual. Assim sendo, ela não acredita que qualquer manifestação de ódio gratuito seja digno de sua atenção.