Não há idade para aprender

Graças ao EJA, pessoas que tiveram os estudos interrompidos podem realizar o sonho de se formar no Ensino Médio

Gabriel Nunes
Redação Beta
5 min readNov 13, 2018

--

José Fernando estuda há três anos e meio pelo EJA (Foto: Gabriel Nunes/Beta Redação)

De segunda a sexta-feira, José Fernando da Silva, 50, acorda às 6h15 para ir trabalhar em uma fábrica de injetados, próxima à casa onde mora, em Lomba Grande, Novo Hamburgo. Às 7 horas, o auxiliar de expedição começa seu expediente na firma onde trabalha há 20 anos. Quando sai do trabalho, às 16h50, se prepara para pegar o ônibus da linha Lomba Grande das 18h15, e encarar quase uma hora de viagem até o Centro da cidade, onde estuda no Colégio Marista São Marcelino Champagnat. As aulas começam às 19 horas e vão até as 22h35. Ao final da aula, José pega o ônibus das 23h05 para casa. Ele adormece no início da madrugada.

Para José, a rotina puxada tem um grande objetivo pessoal: se formar no Ensino Médio após mais de 30 anos. Há 3 anos e meio ele participa na modalidade de ensino Educação de Jovens e Adultos (EJA), que oferece o Ensino Fundamental e Médio para pessoas que passaram da idade escolar e não tiveram oportunidade de concluir os estudos.

José parou de estudar a primeira vez aos 12 anos. “Tinha dificuldades na família, daí comecei a trabalhar e acabei relaxando nos estudos”, explica. Apesar da insistência da mãe, não voltou para a escola nem mesmo quando já estava casado e morando em Canela, na serra gaúcha. “Nessa segunda vez eu ia estudar apenas o 2º e o 3º anos do Ensino Médio, mas devido à adaptação ao clima frio da serra, junto ao cansaço do trabalho, estudei dois meses e desisti novamente”, relembra.

Foi preciso quase três décadas para José retornar de vez à sala de aula. “Recentemente me separei. Morava sozinho e ficava pensando besteira, com depressão, daí segui o conselho de um colega e me matriculei no EJA”. Com isso, ele pretendia se ocupar, conhecer pessoas novas e ter mais conhecimento. Começou no 6º ano do Ensino Fundamental no Colégio Marista, por opção, pois achava que “seria bom começar a aprender desde o básico novamente”.

Em pouco mais de três anos, José cursou o 6° ano do Ensino Fundamental até o 3° ano do Ensino Médio. Uma das características do EJA é que a cada semestre é possível encerrar um ano do ciclo básico de ensino. Durante esse período, o auxiliar de expedição conta que pensou em desistir algumas vezes. “Ano passado e nesse também, porque o serviço no trabalho estava muito puxado, chegava em casa cansado. Não podia relaxar, se eu sentasse já não ia na aula”, explica.

Apesar da rotina cansativa, José sente muito orgulho por estar se formando. “Quando terminar o Ensino Médio, pretendo continuar estudando, talvez até fazer uma faculdade de contabilidade, que é o curso que a minha sobrinha estuda”, revela. A formatura de José está marcada para o dia 21 de dezembro, mas ele ainda precisa ser aprovado nos exames finais do semestre. Junto com ele se formarão cerca de 150 alunos.

Assessora do Colégio Marista São Marcelino Champagnat, Camila Hugentobler explica que a instituição, atualmente, possui cerca de 700 alunos, todos com bolsas de estudo integrais e divididos em 18 turmas. “Os alunos passam pelo período de inscrições e também por uma entrevista para ver se possuem direito a uma bolsa”, explica. De acordo com ela, tem direito a bolsa pessoas com renda familiar inferior a 1.4 mil reais. Os alunos também recebem material escolar e uniformes.

Marli parou de frequentar a escola durante a infância e só voltou a estudar aos 47 anos (Foto: Gabriel Nunes/Beta Redação)

Enquanto muitos estão concluindo os estudos após longo hiato, outros retornam às salas de aula pelo mesmo motivo. É o caso de Marli Dal Soto, 47, que também parou de estudar cedo. “Foi lá pelos 10 anos, porque comecei a trabalhar”, lembra. Hoje, trabalha como doméstica das 8 às 17 horas, e há dois meses estuda durante o turno da noite na Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Eugênio Nelson Ritzel, localizada no bairro Diehl, em Novo Hamburgo, próximo a sua casa. Para voltar a estudar ela contou com o apoio de seus dois filhos, Júnior e Katlyn Borba. “Tem dias que eu chego do trabalho cansada, sem querer ir na aula, e eles insistem que eu vá, porque sabem que vai ser bom pra mim”, diz.

De acordo com Cristiano Araújo da Silva, diretor do Colégio Estadual Senador Alberto Pasqualini, que também oferece turmas do EJA, o principal motivo de desistência dos alunos dessa modalidade é o trabalho. “Muitos alunos acabam parando de comparecer às aulas porque não se adaptam à rotina pesada que é trabalhar durante o dia e estudar à noite”, explica. Mas essa constatação não se aplica a Marli, que está motivada a continuar nos estudos. “Estou muito feliz. Se soubesse que era tão bom, teria voltado a estudar bem antes”, pontua.

Marli está no EJA 2, equivalente ao 1° e 2° anos do Ensino Fundamental. “Eu não quis começar numa turma mais avançada, pois fazia muito tempo que não estudava, então preferi aprender tudo de novo”, explica. Ela também conta que os professores são muito pacientes com os alunos, e sempre os motivam a não desistir. Apesar de ter um longo caminho pela frente, ela já faz planos para quando se formar no Ensino Médio. “Quando terminar quero fazer um curso de informática, ou até alguma faculdade”, revela.

Inscrições

De acordo com a Secretaria Municipal de Educação (SMED) de Novo Hamburgo, para cursar o Ensino Fundamental pelo EJA é necessário ter 15 anos completos até a data da inscrição. Já para a formação no Ensino Médio, é necessário ser maior de idade. Em Novo Hamburgo, cinco escolas municipais oferecem essa modalidade de ensino, totalizando 642 alunos matriculados.

As inscrições para o EJA em escolas estaduais se inicia em janeiro. O Colégio Marista encerrou os pedidos de matrícula no dia 9 de novembro, mas a partir da metade de 2019 haverá novo período de inscrições. A cada semestre abrem cerca de 70 novas vagas no colégio, devido ao fluxo de desistências e aos formandos.

--

--