Nado: “Precisamos fazer com que São Leopoldo estude mais”

Na série de entrevistas com concorrentes à prefeitura de Porto Alegre, a Beta Redação conversa com Prof. Nado, do Cidadania

Ketlindesiqueira
Redação Beta
11 min readOct 27, 2020

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Candidato a prefeito de São Leopoldo, Professor Nado, do partido Cidadania. (Foto: Daniel Marenco/Divulgação)

Ronaldo Teixeira da Silva, o Professor Nado, 56 anos, do partido Cidadania, lidera a coligação São Leopoldo em Primeiro Lugar — que conta ainda com MDB, PSDB, Progressistas, Avante, PTC e PSC — na disputa pela prefeitura leopoldense. Seu candidato a vice é Arthur Schmidt, do MDB.

Nascido na Campina, em São Leopoldo, Nado é professor de Português, Redação e Literatura desde 1986. Tem pós-graduação em Ciência Política, mestrado em Teoria da Literatura e faz doutorado em Ciências Sociais na Unisinos. Foi secretário executivo adjunto do Ministério da Educação entre 2004 e 2006, no governo Lula.

Esta é a segunda vez consecutiva que Nado concorre ao Executivo — na eleição anterior, tendo como vice o delegado Heliomar Franco, somou 29.468 votos, chegando em segundo lugar. Como vereador, elegeu-se duas vezes, em 1992 e 2000.

A entrevista com Nado para a cobertura especial das Eleições 2020 foi produzida pela Beta Redação com suporte institucional da Unisinos. A pauta teve a colaboração da comunidade universitária, que, em consulta por meio virtual, apresentou 37 sugestões de perguntas, das quais cinco foram selecionadas e editadas para apresentação a todos os candidatos.

Confira a seguir a entrevista, concedida por videoconferência no dia 27/10.

O seu plano de governo enfatiza que o próximo prefeito comandará o município no bicentenário da imigração alemã, em 2024. Quais são seus projetos para esse evento?

O bicentenário da imigração alemã é uma oportunidade política que teremos na nossa São Leopoldo e na nossa história, porque a partir do bicentenário podemos restabelecer a relação com o Estado alemão. A maior obra que já produzimos em São Leopoldo foram os diques de proteção às cheias, e foi a Alemanha, através do Banco KFW, que financiou a fundo perdido, ou seja, os alemães têm apreço pelo berço da imigração alemã, querem estabelecer relações. No entanto, nenhum prefeito desde aquele tempo fez essa relação vingar.

Então, o bicentenário é uma oportunidade política. Primeiro, nós iremos obter recursos para restaurar a Casa do Imigrante. Segundo, poderemos chegar à Alemanha com conjuntos de projetos também de infraestrutura, para quem sabe ter um financiamento similar ao que ocorreu naquela oportunidade dos diques. É preciso compreender a importância dessa relação histórica, resgatar essa memória e saber articular essa comunicação com a embaixada da Alemanha no Brasil. Nós temos essa visão clara para que possamos ter o apoio a partir do bicentenário.

“O bicentenário da imigração alemã é uma oportunidade política, podemos restabelecer a relação com o Estado alemão”

O bicentenário será no último ano do mandato. Para chegar lá festejando e comemorando os 200 anos de São Leopoldo, nós teremos que preparar ao longo dos três anos que antecedem, ou seja, todas as ações na cidade, em nível de esporte e cultura, serão mobilizadas com vistas ao bicentenário. Dessa forma, depois um conjunto de projetos também na área gastronômica, por exemplo, para assim termos de fato um perfil gastronômico originário da Alemanha. Portanto, resgatar o berço da imigração, aproveitando a relação também econômica com o estado alemão.

O seu plano de governo aponta como graves problemas da sociedade atual as desigualdades sociais e o preconceito, por exemplo. Como o senhor pretende combater essas questões?

O tema da desigualdade está presente em uma cidade que tem 46% da população com o ensino fundamental incompleto, assim a desigualdade já se coloca naturalmente. Como exemplo, o Parque Tecnológico São Leopoldo, o Tecnosinos, para cada 10 funcionários, somente três são leopoldenses, ou seja, há uma desigualdade a partir da formação educacional.

Nós precisamos elevar a escolaridade do leopoldense para que ele possa disputar uma vaga em empresas, por exemplo, de tecnologia, que hoje têm uma exigência muito grande. Precisamos fazer com que São Leopoldo estude mais. Para tanto, vamos promover cursos preparatórios populares para o Encceja [Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos], para aqueles que têm condições de apenas fazer a prova, e também iremos promover educação de jovens e adultos, teremos EJA em maior números de escolas possíveis.

São Leopoldo tinha 28 escolas com EJA, atualmente tem oito escolas com EJA. Precisamos buscar a universalização da EJA para poder incentivar esse adolescente e esse jovem a não evadir. Se não enfrentarmos a evasão da escolaridade, não conseguiremos combater a desigualdade.

“Se não enfrentarmos a evasão da escolaridade, não conseguiremos combater a desigualdade”

O segundo aspecto da desigualdade social precisa ser considerado também. É o nível de informalidade e irregularidade fundiária. São Leopoldo praticamente na metade do seu território não paga IPTU, ou seja, precisamos desencadear um movimento de regularização fundiária, para de um lado arrecadar mais impostos e, de outro, poder devolver esses impostos em serviços públicos de qualidade de educação, saúde e prestações de serviços em geral.

Os moradores das áreas irregulares têm conversado conosco e reivindicado exatamente isso. Eles comentam para nós: “Estamos aqui há 15, 20 anos, nós queremos pagar o IPTU, nós queremos luz de verdade, nós queremos que o correio chegue até aqui e que tenhamos, portanto, endereço”. Lamentavelmente, o governo atual dá posse, mas não dá propriedade e deixa todos na irregularização fundiária para, quem sabe, coagir o voto, como fazem dizendo que só eles manterão essas pessoas morando onde se encontram. Então, nós vamos promover amplo movimento de regularização fundiária e urbanização dessas áreas, para que possam integrar definitivamente a vida municipal.

Na sua campanha, o senhor cita como meta refazer o planejamento urbano e do meio ambiente. Quais são seus projetos para isso?

Nós temos a proposta do planejamento urbano colaborativo, temos que valorizar os espaços públicos, devemos ouvir o cidadão, produzir uma cidade inteligente e, para que isso se torne realidade, por exemplo, nós temos que ter ciclovias. Por exemplo: para chegar à Unisinos, não temos como ir de bicicleta. Precisamos ter um quilometragem de ciclovias que não temos atualmente.

“Mobilidade urbana se dá através das ciclovias, redução de carros e qualificando o transporte coletivo”

Não seriam ciclofaixas, e sim ciclovias de fato, que nos fornecem um percurso para percorrer a cidade com segurança de bicicleta. Isso é despoluente e uma cidadania que se insere no século XXI. Não podemos ter mais o número de carro que temos, o horário de maior movimento é algo quase intransitável. Hoje, São Leopoldo precisa de mobilidade urbana e ela se dá através das ciclovias, redução de carros, evidentemente, e qualificando o transporte coletivo. O transporte coletivo também deixa a desejar, podemos ampliar mais linhas de ônibus.

E temos que ter um cuidado com o meio ambiente, pois precisamos ter a preocupação com a coleta seletiva, tanto na ação concreta da prefeitura como também educar o cidadão leopoldense para antecipar a coleta e nos auxiliar na promoção de uma cidade saudável.

Uma de suas propostas de campanha é a ampliação da Educação de Jovens e Adultos (EJA). Como o senhor pretende implementar isso e por que é uma de suas prioridades?

Assim como tem 46% de pessoas com fundamental incompleto, outro dado assustador do IBGE é a posição de São Leopoldo entre os 497 municípios do Estado: é a posição de número 402 em escolarização. É um absurdo! No Brasil, é vergonhoso, entre os 5.551 municípios nós somos o 3.860º. Ou seja, não se estuda em São Leopoldo. Isso, na minha opinião, explica a decadência econômica com a qual vivemos.

Então, a EJA e o Encceja serão decisivos. Nós precisamos resgatar esses jovens que evadiram. Ao mesmo tempo, nós vamos fazer um esforço por ensino médio técnico, para tentar trazer para a cidade, potencializar quem sabe, as escolas que temos, mas trazer mais ensino técnico, porque as pessoas na verdade evadem para trabalhar.

Se conseguirmos fazer que já no ensino médio tenham uma formação técnica, quem sabe teremos uma oportunidade de trabalho mais qualificada e possam, na sequência, inclusive financiar sua faculdade, por exemplo.

Esta é a segunda vez consecutiva que o senhor concorre a prefeito, tendo chegado em segundo lugar na última eleição. O que mudou, de lá para cá, na sua visão e nas suas propostas para o município?

Nós amadurecemos, evidentemente, compreendendo melhor o processo de disputa e o que está em jogo na realidade municipal. Hoje, temos números assustadores, como relatei. O nosso Índice de Desenvolvimento da Educação Básica [Ideb]nos anos finais é 4,4, portanto não chegamos a cinco. Nossas crianças têm dificuldade de ler.

Um exemplo: ontem, [ao falar com] uma menina de nove anos, pedi que ela lesse o adesivo da candidatura, onde estava escrito “professor Nado”. Ela olhou e, muito sincera, disse: “Eu não sei ler, professor”. Foi um choque, que me comove, e ela foi muito honesta. Pedi se ela não estava na escola, e comentou que estava, mas mesmo assim tem dificuldade. Então, essa nota [do Ideb] e essa criança simbolizam que as crianças estão se alfabetizando com imensa dificuldade e não conseguem chegar ao final do ensino fundamental dominando as quatro operações da matemática e a capacidade de interpretação de um texto de 10 linhas. É muito grave isso que se passa na cidade.

“São Leopoldo é uma cidade envelhecida, entristecida, esquecida e com baixíssima formação educacional e cultural”

Mudou, de lá para cá, a responsabilidade. É muito maior do que aquela que imaginava que seria em 2016. Todo dia eu me deparo com números assustadores. Por exemplo, São Leopoldo que já teve um hospital com 340 leitos. Este Hospital Centenário tem atualmente 180 leitos, com 10 leitos de UTI adulta. Eu falo nas rodas de conversa que participo: se soltar uma bombinha de fogos de artifício e machucar três mais gravemente, aquelas pessoas não terão espaço no hospital para serem salvas, pois só temos 10 leitos de UTI adulta e oito de UTI neonatal.

É um quadro muito sério, a cidade mudou radicalmente para pior, está estagnada e começa a viver a decadência. Além da cidade ser a quinta mais violenta dos 497 municípios [do RS], em 10 anos são 710 homicídios, a média atual de 2019 foi 30 homicídios por 100 mil e a média nacional é 25. São Leopoldo é uma cidade envelhecida, entristecida, esquecida e com baixíssima formação educacional e cultural. Dessa forma, eu me preparei melhor, vendo melhor a visão de mundo e os problemas que a cidade enfrenta para formular propostas objetivas.

Um exemplo de como mudou: em 2016, eu defendia que o Imalas, o Centro de Evento de São Leopoldo, fosse ocupado no contraturno pelas nossas crianças através do transporte coletivo. Eu revisei essa proposta. Vamos vender esse patrimônio, que foi indevidamente comprado, e custará em torno de R$ 10 milhões, e vamos iniciar o processo de certificação do Hospital Centenário como hospital-escola com esse valor arrecadado. Agora formatamos um plano de governo que identifica claramente o problema e formula uma proposta concreta, objetiva e real.

QUESTÕES DA COMUNIDADE UNIVERSITÁRIA

Tendo em vista o cenário da pandemia do novo coronavírus, qual seu planejamento para o retorno às aulas nas escolas municipais e infantis em 2021?

Primeiro temos que viver a esperança da vacina, e me parece que está mais perto. Chegando a vacina, se isso for um dado científico e concreto que chegará a vacina em março de 2021, nós vamos iniciar as aulas depois da vacina, se eu puder coordenar como prefeito.

A comunidade escolar é muito ampla, e as crianças são transmissores assintomáticos, pelo menos é a primeira leitura que se faz, mas ao mesmo tempo são transmissores diante de pessoas que podem ser afetadas mais brutalmente pelo vírus. Dessa forma, vamos ter cuidado, observando as decisões científicas e médicas.

“Vamos iniciar as aulas depois da vacina, se eu puder coordenar como prefeito”

Não acredito que antes de março voltem as aulas, mas se a vacina se atrasar demais, podemos avaliar protocolos muito seguros. Por exemplo, não podemos ter mais os mesmos números de crianças na mesma sala de aula que antigamente. E deveremos ter um planejamento muito rigoroso, mas acredito que tem um conjunto de instituições sérias, desenvolvendo vacinas no mundo inteiro, e o Brasil se inseriu na compra através do Ministério da Saúde. Acredito que vamos ter solução breve.

Quais são os seus planos para o Hospital Centenário?

O hospital precisa ser transformado em hospital-escola. O Hospital de Clínicas de Porto Alegre, vinculado à universidade federal do Rio Grande do Sul, é uma referência. E é referência porque é hospital-escola. Essa adaptação demanda um investimento da prefeitura combinado com investimentos da Unisinos. Tem uma parceria através da faculdade de Medicina, porque São Leopoldo foi selecionada por edital nacional para ter uma faculdade. O segundo edital foi a escola da universidade, e a Unisinos concorrendo com a UNIC, acabou vencendo. Portanto, há uma parceria entre a prefeitura e a Unisinos. Dessa forma, ambas têm capacidade de investimento, e ambas vão ajudar a certificar, e desta vez podemos ter um repasse de 60% de todos os procedimentos depois de ter o certificado.

Precisamos investir fortemente em um conjunto de especialidades. Nós temos a oncologia vinculada ao Hospital Centenário de caráter privado, mas tem compromisso com o hospital de atendimento pelo SUS, então significa que podemos formar parceria em algumas outras áreas importantes da medicina.

“Vou decretar o fim do 100% SUS, porque o plano tem que pagar o atendimento que o hospital faz”

Esses dois movimentos, como a certificação de hospital-escola e outras parcerias público-privadas, a partir da segurança do SUS ser assistido, lembrando que vou decretar o fim do 100% SUS, porque é impeditivo de atendimento privado e particular. Não falo de quem tem muito dinheiro para pagar, mas quem tem plano de saúde não acessa o Hospital Centenário, porque não aceita o seu plano de saúde. Isso é perda de receita, porque o plano tem que pagar o atendimento que o hospital faz. Então vamos credenciar o hospital nesta rede de planos, tendo uma nova receita que é praticamente uma renúncia do atual prefeito.

O senhor tem propostas específicas para a juventude leopoldense? Se sim, quais?

O EJA já é uma proposta, indiretamente. A área da educação tem que estar sempre em coordenação com o esporte e a cultura. Nós precisamos promover na cidade um encontro cultural muito mais rico com o que temos, como resgatar a Casa do Imigrante, que está em ruínas. São Leopoldo precisa recuperar sua vocação noturna. Não temos praticamente nenhuma casa noturna, precisamos resgatar.

Mas devemos promover também nos bairros mais retirados, com segurança, ações culturais, algo que não temos hoje. Além de promover a cultura através do Teatro Independência, mas isso é uma construção, e desenvolver o esporte. Hoje não temos mais a Liga Interna do Futsal Amador, pois foi desativada inexplicavelmente. E ela reunia famílias, comunidades inteiras no domingo para verem alguém da família jogar futebol. Promover também o futebol feminino com mais força e, ao recuperar a LINFA, se integra o jovem ao esporte.

Quais ações o senhor tomará para fomentar e apoiar os micro e pequenos empreendedores do município?

O alvará declaratório, por exemplo. Para abrir um pequeno empreendimento, irá preencher um cadastro específico na prefeitura, com todas as exigências, mas se você tiver responsabilidade como empreendedor, você fará as declarações que for exigido e o alvará sairá logo depois. Assim você não pagará aluguel sem ter a possibilidade de trabalhar pois não chegou o alvará de funcionamento. Claro que teremos após fiscalização, mas vamos iniciar do pressuposto que o empreendedor é responsável.

Após vamos realizar um escritório de fiscalização, com perfil colaborativo, não punitivo. Vamos fazer com que todos os fiscais da prefeitura estejam nesse escritório. Um exemplo [hoje]: você irá construir restaurante, e cada dia aparece um fiscal e precisa responder praticamente tudo de novo.

“Como empreendedor, você fará as declarações e o alvará sairá logo depois”

Dessa forma, [vamos] ter um escritório de fiscalização que centralize a atualização e minimizando o impacto das visitas, fazendo com que a visita seja colaborativa, após a segunda vez será punitiva, conforme a lei. Iremos promover a economia solitária e uma duplicação da Tecnosinos, com ampliação do PIB, aproximando assim 10 mil empregos.

Que ferramentas e medidas pretende adotar para ampliar o acesso da população às decisões de governo?

Sou crítico do Orçamento Participativo, pois ele começou com a pretensão de ser democracia direta e terminou sendo a partir de eleições de delegados, acabou sendo representativa. Isso nós já temos no parlamento local, com a Câmara.

Nós vamos dotar todas as associações de bairro de condições, com computador e internet, e dessa forma estarão interligadas com a prefeitura. Assim, [vamos] promover encontros presencias e digitais, chamando livremente a comunidade para participar. Uma vez inscrito na reuniões, terá direito a voz e direito a voto para ajudar.

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