Taxa de natalidade no RS cai há dois anos consecutivos
Para socióloga, prioridades dos mais jovens mudaram ao longo dos anos e ter filhos não é mais visto como obrigação
“Desde pequena eu sempre gostei muito de crianças. Mas nunca pensei com tanto afeto sobre isso como nós, mulheres, somos instruídas a pensar. Conforme eu fui crescendo, isso continuou da mesma forma, até mais forte”, afirma Laura Bühler, 19 anos. A história da auxiliar de importação é a mesma de milhares de mulheres que decidiram não ter filhos no Rio Grande do Sul: de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a taxa bruta de natalidade no Estado está em queda desde 2017 — quando apresentou 12,73%.
Em 2019, a porcentagem encontra-se em 12,48%, e segundo projeção da própria organização, em 2036 o índice chegará a 9,92%. Para Laura, o sentimento da maternidade não é mais uma opção, pois sempre acreditou que a situação “atrapalharia” seus sonhos e vontades. “Não quero parecer egoísta, mas não é algo que tira minha vontade de correr atrás ou com menos garra. O meu sonho nunca foi ter filhos, então os sonhos que persistem são maiores”, declara.
Segundo a pesquisadora e professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Unisinos Adriane Ferrarini, a discussão sobre a queda de natalidade não é nova e é multifatorial, ou seja, existem diversos motivos que contribuíram para esse cenário. “Se pensarmos nas mulheres com maior nível educacional e renda, essas taxas vêm reduzindo, como no mundo todo, mas não tiveram uma redução tão significativa. Porém, ao analisarmos as mulheres com menor nível educacional e renda, temos uma queda mais significativa.”
Um fator determinante para isso é o maior acesso à informação e a ampliação de serviços de programas sociais nas últimas duas décadas, destaca a socióloga. “Dá maior autonomia para as mulheres, e isso vai influenciar no número de filhos”, afirma Adriane. Outra causa são as quebras de questões culturais da sociedade contemporânea.
“A gente vive cada vez mais essa desconstrução de alguns padrões estáticos do que é ser família, do que é ser mulher, que definiam papéis antigamente. Então, hoje, as mulheres se sentem muito mais livres, não há aquela imposição de que, naturalmente, a mulher vai se realizar através de um filho ou os casais precisam ter filhos para se constituírem como famílias. Esse cenário está mais flexível, nós temos mais de 20% de casais sem filhos no Brasil. E isso não é mais um problema culturalmente”, declara.
O que os dados revelam
Outros dados que demonstram essa queda na natalidade no Rio Grande do Sul são do Departamento de Economia e Estatística (DEE, antiga FEE). Em 2017, nasceram 141,6 mil pessoas e, no ano seguinte, 140 mil — esses números representam uma variação de -1,24%. Se comparado ao início do século, 176,7 mil pessoas haviam nascido, enquanto que 2010 apresentou o menor índice desde então, 133,2 mil.
Para a economista Angélica Massuquetti, essa diminuição na natalidade impactará na economia do Estado a médio prazo. “Com o menor número de indivíduos atuando neste mercado, precisaremos garantir o aumento contínuo da produção por meio da expansão da produtividade. Atualmente, a nossa economia tem crescido com o aumento do emprego, em comparação aos demais países emergentes, que têm aumentado seu PIB a partir do avanço da produtividade”, declara.
Como alternativa para contornar essa situação, a economista aponta somente um caminho. “Não vejo outra saída que não seja a qualificação da mão de obra e o aumento do progresso tecnológico. Essa seria a solução para o crescimento sustentado da economia gaúcha”, afirma.
Gestação não é a prioridade
Para a estagiária na SAP Amanda Mongeló, 21 anos, apesar de ter contato com crianças na família e de gostar dessa relação de proximidade, esse fator não muda sua decisão de não ter filhos. “Acompanhei de perto todo o processo que envolve ter filhos, desde a gestação até o crescimento. Nunca foi uma coisa que eu achei bonita ou desejável, apenas extremamente desgastante, trabalhosa e exaustiva. Não me vejo gestante, carregando um bebê no meu corpo, e não me vejo tendo que me responsabilizar por outra pessoa além de mim mesma”, declara.
A estudante de Publicidade e Propaganda da Unisinos também destaca que a liberdade em poder tomar decisões sem ninguém dependendo de si é fundamental para firmar sua escolha. “Não me vejo abrindo mão do meu estilo de vida para encaixar uma criança nos meus planos do futuro. Já fui chamada até de egoísta por causa disso, porém, gosto muito de viver como eu vivo. Sei que isso vai mudar no futuro por conta da minha posição no mercado de trabalho, mas gosto de ter minha liberdade”, afirma.
Já Laura pontua que sua experiência familiar é determinante para sua decisão, que também tem relação com costumes e práticas patriarcais enraizadas em nossa sociedade, onde a mulher é responsável pela criança enquanto o homem continua trabalhando. “Fui criada somente pela minha mãe desde os 5 anos e até antes disso. Os dois (pai e mãe) trabalhavam, mas minha mãe sempre desenvolveu os dois papéis. Então, acho que eu sempre convivi com isso, com a mulher lidando com os filhos da forma que dava, e também trabalhando, enquanto meu pai, homem, somente trabalhava. O dinheiro nunca foi separado para minha mãe e filhos, sempre para ele. Com isso, acredito que eu sempre ‘aprendi’ dessa forma e isso nunca me trouxe muita prioridade”, declara.
Panorama da sociedade
A queda da natalidade no Rio Grande do Sul indicada pelos dados do IBGE e DEE é decorrente de diversos fatores, o que impacta diretamente a economia do Estado. Segundo Adriane, as famílias de hoje passaram a considerar o alto custo de ter um filho e a possibilidade de oportunizar uma boa qualidade de vida a eles. Além disso, ponderam em precisar reduzir a sua qualidade e padrão de vida para custear uma boa educação e saúde para os filhos.
“É um elemento forte, pois hoje vivemos uma inversão de expectativas. Até as últimas gerações, os filhos teriam uma maior mobilidade social e de uma ascensão em relação aos pais. Nessa geração, que está em fase reprodutiva, nós temos uma inversão. Essas expectativas são negativas, uma metamorfose muito grande no mercado de trabalho. A redução dessas expectativas de um trabalho formal, de segurança, de poder planejar o futuro, sem dúvida leva as pessoas a pensarem duas vezes nessa responsabilidade”, finaliza.