No Presídio Madre Pelletier, cultura é potencializada com o Coletivo Balcão da Cidadania
Grupo, com 20 anos de atuação, promove atividades artísticas na maior penitenciária feminina do Rio Grande do Sul
O que a cultura já fez por você? Através do Coletivo Balcão da Cidadania, dentro do Presídio Estadual Feminino Madre Pelletier, ela faz muito. Há quase 20 anos, o coletivo, uma organização sem fins lucrativos, atua com pessoas em situação de privação de liberdade na capital gaúcha. Ali, o grupo trabalha com auxílio em questões jurídicas, apoio através de rodas de conversa e ações culturais.
O grupo, formado em sua maioria por um time de mulheres formadas em Direito, não resume sua atuação a isso. Designers, artistas, escritoras e compositoras são visitas frequentes ao presídio para oficinas artísticas. Nelas, os resultados finais são os mais variados: diários, poemas, desenhos e representações em argila são alguns dos exemplos.
Para que esses momentos saiam do papel, a extensão universitária é um dos principais caminhos. Foi através dela, inclusive, que uma estudante de Direito e atriz realizou seu trabalho de conclusão através de atividades de atuação com as apenadas. Também fruto de produção acadêmica, uma artista plástica e aluna doutoranda da UFRGS realizou atividades de cerâmica e barro.
As ações, no entanto, não ficam apenas entre as grades da prisão. Foram, inclusive, fruto de exposição na Casa de Cultura Mario Quintana. Além de rodas de conversas com as voluntárias e convidados, a Casa recebeu produções artesanais, diários e materiais de áudio produzidos na penitenciária. Exposições como essa — que durou cerca de três meses e encerrou no último dia 10, sábado — garantem: há valor na arte produzida pelas apenadas para além da possibilidade de remissão de pena ou da integração social.
Parte do material exposto nasceu em 2020, durante a pandemia de Covid-19: a Rádio Balcão da Cidadania. Com um pen-drive e uma caixa de som foi possível restabelecer a conexão entre a penitenciária e o grupo de voluntárias, assim parte da solidão foi embora. A rádio, produzida de forma conjunta entre presas e voluntárias, se tornou espaço de expressão para as mulheres apenadas e permanece no ar até hoje.
Anterior à rádio e com o quinto volume lançado na última Feira do Livro de Porto Alegre, a produção Vozes de um tempo também é um espaço de expressão. Para o grupo, “dar voz nos espaços prisionais significa mais que um projeto, significa dar oportunidade de um grito, de um sentir, de uma fala profunda vivida”. Os livros são doados gratuitamente e contam com poemas produzidos pelas mulheres encarceradas no Madre. “A escrita pode ser liberdade”, comenta Simone Schroeder.
Grades de aço, que privam meus braços de receber teus abraços
Grades de aço, que despedaçaram os meus sonhos em mil pedaços
Grades de aço, que fizeram do meu corpo como bomba em estilhaços
Grades de aço, que, para muitos, faz o sol nascer quadrado.
Grades de aço, que prendem meu corpo, mas deixam livres meus pensamentos no espaço.
Grades de aço, que fizeram daquele rapaz forte, hoje, um homem cansado.
Grades de aço, que já tiraram tudo de mim, menos a fé e a esperança de logo estar do outro lado.
Grades de aço, que, para mim, já foram um pesadelo, hoje, apenas mais uma lembrança do passado.
E.S.
Livro Vozes de um tempo: relatos e vivências de pessoas privadas de liberdade, vol 4
Saiba mais
O Balcão da Cidadania nasceu em 2005, através da conexão entre penitenciária e universidade, idealizada por Simone Schroeder, na época professora universitária. Em 2005, o projeto atendia homens — com foco na assistência judiciária — e mulheres — com foco na extensão universitária. Em 2018, os projetos tornaram-se independentes. Hoje, o projeto é 100% voluntário e interdisciplinar. É possível acompanhar as ações através das redes sociais do projeto, clicando aqui.