No Rio, ONGs e coletivos se unem para conscientizar e arrecadar doações

Líderes comunitários organizam campanhas para enfrentar o coronavírus nas favelas, onde as condições precárias de saneamento e habitação aumentam a preocupação durante a pandemia

Helen Appelt
Redação Beta
6 min readApr 1, 2020

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Comunidades recebem faixas de conscientização. Foto: Voz das Comunidades/Divulgação

Com o grande impacto na vida dos brasileiros, o coronavírus impôs a necessidade de uma rede solidária em prol de famílias carentes. As condições de saneamento, habitação e infraestrutura do Estado são extremamente precárias — e um problema não resolvido pelo poder público nas comunidades. Porém, medicamentos, alimentos e produtos de higiene ainda são essenciais para a sobrevivência dos moradores. Com a chegada da Covid-19, as favelas precisaram incluir mais cuidados ou ações preventivas em seu cotidiano.

A falta de água encanada e o aumento absurdo do álcool em gel dificultam a execução do princípio básico de prevenção — lavar as mãos. O isolamento social também se complica nas favelas, formadas por aglomerados de paredes grudadas umas nas outras, geralmente em encostas ocupadas. Esses morros representam mais de 10% da população do estado do Rio de Janeiro, segundo a pesquisa de 2014 do Instituto Data Favela. Atualmente, só a Capital conta com 162 bairros, 139 deles cercados de comunidades, enquanto na Baixada Fluminense, segundo o Censo 2010, são mais de 200 mil moradores em comunidades.

Postagem compartilhada nas redes sociais apela para a solidariedade entre os moradores (Fonte: Favelas contra o corona)

De acordo com o médico Carlos Vasconcelos, 54 anos, especializado na área de saúde familiar, comunitária e sanitária, as informações gerais de prevenção nem sempre suprem a necessidade das favelas. “Alguns meios de comunicação utilizam uma linguagem distante das comunidades. Você fala que a pessoa tem que lavar a mão de 15 em 15 minutos, mas a casa da pessoa não tem água. Você diz ‘Fique em isolamento’, mas a pessoa divide esse cômodo com mais cinco pessoas. A realidade da informação não bate com a realidade local das favelas”, diz.

Além das dificuldades com a higienização, o sustento das famílias é outro motivo de preocupação, já que muitos trabalhadores são autônomos, o que não gera renda fixa e pode comprometer a alimentação. Com isso, os coletivos das comunidades, Organizações Não Governamentais (ONGs), institutos e pessoas físicas têm se unido para tentar minimizar os danos intensificados pelo coronavírus. A arrecadação e doações de alimentos e produtos de higiene estão crescendo cada vez mais, principalmente por meio de campanhas online. A campanha Pandemia com Empatia, da Voz das Comunidades, está ativa desde o início do recolhimento social e quarentena.

Campanha de arrecadação (Fonte: ONG Voz das Comunidades)

A ONG, o Coletivo Papo Reto e o grupo Mulheres em Ação no Alemão uniram forças para formar um gabinete de crise. A mobilização da campanha trabalha com doações diretas de artistas, empresários e pessoas influentes tanto nacional quanto internacionalmente. As primeiras doações resultaram na compra de 1 mil cestas básicas, que foram destinadas para instituições do Complexo do Alemão, um dos maiores conglomerados de favelas que, no último Censo (2010), contava com mais de 69 mil habitantes. Mas, segundo Buruca, presidente da Associação do Complexo, hoje são aproximadamente 290 mil pessoas, e será difícil ajudar a todas. “Sempre tem movimentos que nos dão apoio, como o Papo Reto e a Voz das Comunidades, que estão conosco nas horas difíceis”, destaca Buruca.

Mesmo já recebendo auxílio, as comunidades precisam de um número muito mais expressivo de doações, devido à quantidade de habitantes. Renê Silva, Líder do Papo Reto, tem como objetivo arrecadar no mínimo 5 mil cestas básicas. “Talvez não seja o suficiente, mas se alcançarmos, poderemos aumentar os objetivos”, pontua Silva.

Já João Henrique de Oliveira, membro do coletivo Tudonumacoisasó, diz que é importante ter alguém da própria comunidade para ouvir os anseios dos demais e poder auxiliar. “Sempre tem alguém que se disponibiliza para estar na linha de frente dos coletivos. Claro que conseguimos arrecadações, prestamos ajuda com a chegada do corona, mas a luta é diária. Quem tem fome, tem pressa”, conta João.

De acordo com os organizadores da campanha, o trabalho dos coletivos e dos movimentos não pode esperar pelo poder público para reduzir os danos e a desigualdade social. Buruca conta que foi necessária uma reunião com a Secretaria de Saúde do Rio de Janeiro para que o Estado também prestasse apoio às comunidades do Complexo, mas a solicitação está em análise. Para a assistente social Eliana Mara Carnavos, “é o momento que temos para analisar o trabalho das políticas públicas, pois enfrentamos um sério problema de saúde coletiva, onde comunidades já passam por problemas crônicos e a situação só piora”.

Voluntariado e comunicação

Enquanto as doações não aumentam de maneira proporcional à necessidade, outros trabalhos estão sendo realizados tanto nas favelas quanto nas redes sociais. A ONG Voz das Comunidades, em parceria com outros coletivos, realizou a distribuição de faixas e carros de som a fim de informar e relembrar os moradores sobre as prevenções, conscientizando os moradores. Além disso, outros coletivos, junto com voluntários, criaram uma página no Facebook intitulada “Favelas contra o coronavírus”, com o intuito de reunir diversas informações e pedidos por ajuda no mesmo lugar.

Combate a fake news nas favelas. Fonte: Arquivo do Voz das Comunidades

A página é gerenciada por uma jornalista, além de profissionais da saúde e da educação com o intuito de informar as comunidades, prestar apoio para arrecadações e também combater fake news que circulam pelos aplicativos de mensagens e redes sociais dos moradores. A página, criada em 18 de março, atingiu rapidamente mais de 2 mil seguidores, mas informações da mídia e pronunciamentos políticos enfraqueceram o engajamento. “Principalmente depois do discurso presidencial na última semana, o engajamento enfraqueceu. De início tinha compartilhamentos, curtidas, comentários. Precisamos reestruturar a página, recomeçando do zero”, conta a jornalista voluntária Jacqueline Fernandes.

Jacqueline conta que a demanda de trabalho é grande, pois tudo é revisado antes de ser publicado. as informações de saúde passam pela revisão dos profissionais da área e a equipe de jornalismo sempre está atenta às fontes confiáveis. “Me motiva ser voluntária, porque eu também já vim de uma situação de vulnerabilidade social. Sou de comunidade, sei como é difícil algumas informações chegarem de forma correta”, conta Jacqueline. Para o médico Carlos Vasconcelos, a troca de conhecimento e os voluntários de diversas áreas profissionais estão ajudando as comunidades a de alguma forma melhorar a qualidade de vida.

Projeto concentra doações para 10 mil famílias em São Leopoldo

Ações semelhantes à do Rio de Janeiro também ocorrem em São Leopoldo. Recentemente, um grupo formado por professores, funcionários e estudantes da Unisinos iniciou um movimento das redes sociais para arrecadar doações através da Rede Solidária São Léo, que mantém páginas no Facebook e no Instagram.

As arrecadações serão destinadas a oito comunidades: Justo, Steigleder, Renascença, Vitória, Tancredo, Container, Anita e Redimix, que juntas acolhem mais de 10 mil famílias. O valor arrecadado será convertido na compra de sabonetes e cestas básicas.

Além de beneficiar as famílias, as ações do grupo também irão movimentar a economia de cooperativas e pequenos produtores locais, uma vez que as mercadorias serão adquiridas nestes locais.

Semanalmente, a prestação de contas é publicada no Facebook e no Instagram, como já ocorreu na última segunda-feira, dia 30. Conforme o grupo, foram arrecadados R$ 3.660, valor investido na compra de 40 cestas básicas e 720 sabonetes produzidos pela Mundo Mais Limpo, cooperativa que recicla óleo de cozinha.

Como ajudar

As doações podem ser feitas para o Banco Intermedium S.A (código 077), Agência 0001–9, Conta 55960227 e CPF 42629314049. A responsável pelo gerenciamento da conta é a professora Isamara Allegretti, que integra o projeto de Curricularização da Extensão Universitária da Unisinos. Dúvidas e sugestões podem ser realizadas por meio das páginas no Facebook e no Instagram.

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