Novembro negro durante o ano todo

O Coletivo Interfaces mostra que o debate sobre negritude não tem que ser feito apenas em um único mês

Thayná Bandasz
Redação Beta
5 min readNov 8, 2017

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2ª Marcha do Orgulho Crespo que aconteceu em São Paulo (Foto: Allyson Alapont)

Celebrado no Brasil no dia 20 de Novembro, o mês da Consciência Negra abre um leque de discussões sobre pautas do movimento negro e a importância deles para sociedade. Assim como a Década Internacional de Afrodescendentes, idealizada pela ONU em 2015, coletivos como o Interfaces, criado dentro da UniRitter por alunos negros, ajudam a fomentar e dar seguimento às discussões também em ambiente acadêmico, local onde os negros ainda são minoria.

Como forma de atender as demandas das alunas afrodescendentes é que uma professora deu o pontapé para iniciar o Interfaces. A estudante Kerolin Fagundes da Silva, 22, explica que o projeto começou a partir de uma disciplina ministrada pela professora Debora Coelho, que propôs realizarem uma atividade para o mês da Consciência Negra.

“Diante do nosso processo propusemos ampliar a discussão da temática étnico-racial e sobre o empoderamento negro nas profissões, porque identificamos que na instituição privada ainda há poucos jovens negros. Buscamos fomentar o assunto dentro da instituição”, conta Kerolim.

Segundo dados do IBGE, publicados pela Agência Brasil, em 10 anos o número de negros e pardos entre 18 e 24 anos na Universidade dobrou para 12,8%. Porém, esse número equivale menos da metade dos jovens brancos matriculados.

Estimuladas por essa ideia, eles acabaram se juntando e em 2015 começaram a colocá-la em prática.

“É um projeto que foca em valorizar alunos negros de escolas privadas e que são inviabilizados de todas as formas pelo racismo institucional. Um racismo tão profundo que antes ninguém acreditava ter alunos negros dentro de uma Universidade particular. Por ver essa demanda aflorada nós fomos atrás dessas pessoas, suas histórias e encontramos”, explica a estudante Monique Machado, 23.

Interfaces surgiu para reunir alunos negros da Universidade Particular para fomentarem o debate racial. (Foto: Divulgação/Facebook)

Em 2016, o projeto acabou tornando-se um coletivo, trazendo alunos negros de vários cursos e proporcionando representatividade em um ambiente majoritariamente feito de brancos. “Isso ajudou muito sabe, porque realmente na Universidade somos muito sozinhos. A identificação com outras pessoas negras que possuem dificuldades e lutas parecidas acaba fortalecendo muito, até para continuidade de movimentos como esse”, afirma Monique.

Angelle Conceição dos Santos, 21, estudante da UniRitter, entrou neste ano oficialmente como coordenadora do coletivo, mas antes já auxiliava as meninas em diversas ações. “Minha decisão em participar era pela representatividade do projeto com alunos negros promovendo discussões étnico-raciais na Universidade. Fazer parte disso me passa um sentimento de pertencimento e acolhimento”, explica.

“O projeto foi um atravessamento de identificação e pertencimento, na qual pude compreender minha negritude e história referenciando a cultura e construção da minha subjetividade. Compartilhando, assim, esse conhecimento e militância nos espaços socioculturais de aprendizagem”, afirma Kerolin.

Falando com o negro fora da Universidade

Ainda em 2017, as meninas entraram no impasse do por que questionar a militância apenas no mês da Consciência Negra, sendo que o racismo e a discriminação ocorrem todos os dias.

“Considero que falar sobre o tema étnico-racial seja discutido e ampliado todos os dias, não apenas no mês da Consciência Negra. A população negra ainda é rotulada e institucionalizada no racismo, compondo estatísticas na violência, mortalidade, encarceramento e vulnerabilidade social, exclusão nos espaços de crescimento e desenvolvimento do mercado de trabalho”, explica Kerolin.

Trabalhando esse lado de propor a discussão além do mês de novembro e, principalmente, por uma história de 400 anos de escravidão brasileira e de uma sociedade que viva na ilusão de igualdade racial é que o coletivo acabou também indo para fora da Universidade. “Isso reflete na formação das crianças e na representatividade. Por isso pensamos em ampliar nossa fala e ações coletivas”, frisa Kerolin.

“Com muito esforço conseguimos transformar o Interfaces além de só um coletivo, ele virou extensão. Isso foi a maior vitória que tivemos, tudo isso criado por mulheres pretas. Com o apoio de professores, mas tendo nosso protagonismo. Começamos nossas ações levando para escolas da comunidade do entorno da UniRitter. É cultura preta sendo falado na linguagem deles, não colocando a academia como algo elitizado, como algo que colocassem eles abaixo de nós”, afirma Monique.

Esse grupo de extensão passou a ser efetivo em agosto, juntando alunos negros de diferentes cursos e quatro professores coordenadores nas quintas-feiras à tarde. Passaram a realizar intervenções étnico-raciais na escola Nações na Zona Sul de Porto Alegre, nas turmas de 2º a 9º anos. “Trabalhamos autores negros relacionando educação, saúde, comunicação e a subjetividade do ser negro na sociedade”, explica Angelle.

Elas falam da história do Rap, Rock, Jazz, estilos de músicas que foram criados pela população preta. Grupos importantes como os Panteras Negras e mulheres negras de sucesso como Nina Simone e Eryka Badu também são apresentados para os alunos. “Mostramos para as crianças negras princesas pretas, contamos histórias afro. E isso tudo está sendo maravilhoso”, detalha Monique.

“Tudo isso é algo que não imaginávamos. Com muito esforço o espaço está florescendo e agora também temos nossa exposição, porque queremos colocar nossas caras pretas de futuros advogados, biomédicos, publicitários, psicólogos. As pessoas vão ter que aceitar que futuramente quem vai ser a chefe é uma mulher preta retinta e de turbante”.

Ações no mês da Consciência Negra

  • O projeto Interfaces: da cor ao corpo a violência do racismo, promove do dia 14 à 21 de Novembro a 2ª edição de exposição fotográfica no Campus da UniRitter Zona Sul, Fapa e Canoas. A exposição trará fotos de alunos negros, abordando a ancestralidade presente em cada aluno na montagem das fotos, além de também incluírem figuras importantes na história de luta do povo negro.
  • No dia 15 de novembro também acontece a 3ª Marcha do Orgulho Crespo. A saída acontece às 14h, no Monumento do Expedicionário/Redenção — Porto Alegre. O objetivo da Marcha é discutir e, principalmente, valorizar a estética negra, fortalecendo a identidade e autoestima.

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