Jogadores de futebol convivem com abismo salarial e desemprego

Longe dos grandes clubes, 87% dos atletas profissionais brasileiros recebem menos de R$ 2 mil mensais

Gustavo Bauer
Redação Beta
7 min readOct 15, 2019

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Disparidade de condições entre clubes grandes e pequenos pode ser notada nos salários e no desemprego sazonal (Foto: Divulgação/CBF)

Ainda na infância, muitos sonham em, um dia, se tornar um jogador de futebol e chegar a um grande clube. É inquestionável que o futebol está enraizado na cultura do brasileiro, seja como herança familiar ou pelo fascínio ao acompanhar as partidas pela televisão.

Porém, não é apenas de riqueza e fama que os jogadores profissionais do Brasil vivem. A realidade no país do futebol é, justamente, outra: a maioria dos atletas recebem baixos salários e convivem com o desemprego.

De acordo com estudo realizado, em 2019, pela Fundação Getúlio Vargas/FIFA, 45% dos jogadores brasileiros ganham até um salário mínimo (R$ 998); 42% recebem até dois salários mínimos (R$ 1.996); 9% ganham até 20 salários mínimos (R$ 19.960) e, apenas, 4% recebem mais de R$ 20 mil mensais. A disparidade com jogadores de grandes clubes fica evidente ao compararmos com o maior salário do futebol brasileiro. Hoje, Daniel Alves, do São Paulo, e Arrascaeta, do Flamengo, recebem mensalmente R$ 1,5 milhão.

Paulo Mocelin busca condições mais igualitárias para jogadores no futebol gaúcho (Foto: Arquivo Pessoal/Paulo Mocelin)

No futebol gaúcho também é possível notar realidades distintas entre a elite e os clubes do interior. Presidente do Sindicato dos Atletas Profissionais do Rio Grande do Sul (Siapergs), Paulo Mocelin revela que cerca de mil atletas conseguem se empregar nos campeonatos fomentados pela Federação Gaúcha de Futebol. Segundo ele, na primeira divisão a média salarial gira em torno de R$ 7 mil — excluindo os atletas da dupla Grenal. Na divisão de acesso o salário médio é de R$ 2,5 mil e, na terceira divisão, os atletas praticamente jogam de graça.

“Durante a carreira consegue-se sobreviver e quiçá, razoavelmente, conseguir investir em algo. Porém, o pós carreira se torna complicado para a classe por falta de um planejamento adequado ou por infortúnios aos quais o atleta está exposto. Um exemplo são as lesões, em que o atleta tem de 1.300 a 3.400 vezes maior risco de acidente de trabalho do que em outros serviços”, destaca Mocelin.

O dirigente também compara as realidades distintas no esporte. “Ninguém gosta de falar do futebol dos tostões, mas do futebol dos milhões. Tirando a dupla Grenal, aqui nós vivenciamos apenas os tostões. Disparidades sempre tiveram e terão, pois fazem parte dos esportes em geral, mas lutamos pela desigualdade mínima através das convenções coletivas. Felizmente poder econômico nem sempre é certeza de sucesso e o maior exemplo regional nos últimos anos foi o Novo Hamburgo, campeão gaúcho com uma folha salarial de R$ 250 mil”, ressalta.

Além da disparidade salarial, podem ser elencadas como dificuldades no futebol do interior a falta de um calendário regional mais extenso, atrativo e competitivo para as equipes pequenas; um melhor calendário para equipes que disputam a série D do Campeonato Brasileiro; e a falta de estrutura de alguns clubes gaúchos.

“Infelizmente a má distribuição de recursos aos clubes, aliado a um calendário ruim no segundo semestre e algumas restrições regulamentares nas competições oferecidas, não permitem investimentos atrativos para os atletas, fazendo com que migrem para jogar na informalidade em campeonatos amadores”, conclui o presidente do Siapergs.

Atletas profissionais disputam competições amadoras para complementar renda

A distinta realidade dos grandes clubes de futebol em relação aos menores pode ser observada no Clube Esportivo Aimoré, de São Leopoldo. Hoje na elite do futebol gaúcho, mas sem disputar nenhuma competição nacional, o clube participa da Copa Seu Verardi, promovida pela Federação Gaúcha de Futebol. Enquanto que o Grêmio tem folha salarial de R$ 11 milhões mensais e o Internacional de R$ 7,5 milhões, o Índio Capilé gasta cerca de R$ 70 mil mensais, valor insuficiente para pagar o salário de qualquer jogador titular da dupla Grenal.

De acordo com o vice-presidente do Aimoré, Telmo Hoefel, diferente dos clubes grandes, os pequenos não conseguem manter contratos longos com os atletas. Além disso, o dirigente conta que, no período que antecede a disputa do Campeonato Gaúcho, é possível contratar jogadores por um terço do salário que recebiam, considerando que atletas sem clube estão, nesse momento, buscando se recolocar no mercado. Assim, se submetem a salários menores.

Telmo Hoeffel está há mais de 60 anos envolvido com a rotina do índio Capilé. (Foto: Arquivo/Centro Esportivo Aimoré)

Se o sonho de muitos jovens é se tornar jogador de futebol para conquistar fama e altos salários, a realidade da maioria é outra. Hoje, o salário mais alta pago pelo Aimoré não supera R$ 4 mil, sendo o mais baixo um salário mínimo. A disparidade fica ainda mais latente quando se comparam os salários de jogadores como o gremista Diego Tardelli, que recebe R$ 1 milhão, e do colorado Paolo Guerrero, que embolsa R$ 600 mil todos os meses.

“Enfrentar adversários com salários muito maiores desperta uma reação diferente em cada jogador. Mas sempre os motivamos para que façam bons jogos e, futuramente, cheguem a um clube grande, também conquistando salários mais altos. Mas, para manter um bom nível competitivo contra os grandes, precisamos de um bom trabalho de preparação física e qualificar a defesa. Assim, podemos fazer frente à dupla Grenal, por exemplo, como o Novo Hamburgo fez no título gaúcho de 2017”, destaca o vice-presidente do Aimoré.

Telmo também ressalta que muitos jogadores acabam atuando em competições amadoras pelo Estado para complementar a renda mensal. O pagamento normalmente é feito por partida disputada. Isso mostra que não é fácil viver do futebol longe dos clubes da elite.

A gestão do clube também precisa ser feita de forma criativa para manter as contas em dia. No Aimoré, o pagamento da folha mensal de R$ 70 mil depende de patrocinadores, associados e outros parceiros. Além dos salários de jogadores, comissão técnica e funcionários, o clube precisa arcar com os custos do estádio Cristo Rei. O dirigente afirma que é preciso colocar no mínimo 500 pagantes em dias de jogo para pagar as despesas básicas.

Experiência no interior como motivação para continuar sonhando

Pablo disputou o Campeonato Gaúcho pelo São Luiz de Ijuí (Foto: Arquivo Pessoal/Pablo Ricardo de Souza)

Com passagem por mais de dez clubes, o zagueiro carioca Pablo Ricardo de Souza, 28 anos, atualmente está no Aimoré. A sua trajetória foi marcada por altos e baixos, de um período longe dos holofotes a outro marcando o gol do título do Novo Hamburgo contra o Internacional, na fina do Campeonato Gaúcho de 2017, decida nos pênaltis.

O sonho de ser jogador de futebol começou a se tornar realidade aos 14 anos, quando saiu de casa para jogar em um time de sua cidade vizinha. Em seis meses foi contratado pelo Paraná Soccer Technical Center (PSTC), clube formador de jogadores para o Atlético-PR. Não demorou a ser chamado pelo furacão, onde esteve de passagem até deixar o clube e concluir sua formação na base do Cruzeiro.

Nesta época, Pablo começou a conviver com a realidade do futebol brasileiro. Saiu do Cruzeiro e foi parar no Anapolina, em Goiás, no seu primeiro ano como profissional. Rodou por vários outros clubes pequenos do interior, passando pelas mais precárias condições. “Fiquei rodando de 2012 a 2017 para conseguir alguma coisa firme no futebol, só dando cabeçadas em times pequenos. Até que eu surgi no Novo Hamburgo, em 2017, onde fui campeão gaúcho. Ali as coisas começaram a melhorar na minha vida”, relata.

Pablo afirma que a maior dificuldade dos jogadores é chegar no profissional. Logo no início enfrentou problemas de pagamento de salário e contratos curtos. “Comecei a ver que o futebol não é aquele sonho que imaginava e caí na realidade. Sofri muito com a questão de salários, mas nunca fiquei muito tempo desempregado. Além disso, se acabar machucado já sabe da dificuldade que vai enfrentar, tendo que pagar o tratamento com o próprio dinheiro”, destaca o jogador.

Jogador com a taça do Gauchão de 2017, conquistada pelo Novo Hamburgo (Foto: Arquivo Pessoal/Pablo Ricardo de Souza)

Ao enfrentar a dupla Grenal em competições gaúchas, a gigantesca disparidade salarial também chamou a atenção de Pablo. Ele lembra que, quando atuou pelo Novo Hamburgo, em 2017, o salário mensal do meia D’Alessandro (Internacional) pagava seis meses da folha salarial do anilado. Porém, mesmo com a menor folha, o Novo Hamburgo conquistou o Gauchão daquele ano.

O jogador agradece por nunca ter ficado um longo período desempregado, mas lamenta que muitos amigos não tiveram a mesma sorte. “Tenho amigos que começaram a vender roupas e a trabalhar como motorista de Uber. É muito difícil ficar desempregado no futebol”, ressalta. Pablo diz que nunca passou pela sua cabeça abandonar a carreira e que o nascimento do filho funcionou como um combustível para continuar correndo atrás do seu sonho. Com base na sua história, o atleta deixa uma dica para os jovens que pretendem seguir o mesmo caminho.

“Nunca desista de seus sonhos. Em todos os momentos da vida você vai encontrar dificuldades. Isso acontece em qualquer profissão, mas principalmente no futebol. Não é aquela ilusão que você vê na televisão. Alguns jogadores conseguem se firmar em uma equipe desde jovens e acabam estourando, mas outros precisam lutar mais por isso. Eu sou um desses. Continuo lutando pelo meu sonho”, completa.

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