O aluguel do intelecto porto-alegrense

Prefeitura cobra quase R$ 180 mil por utilização da Praça da Alfândega pela Feira do Livro

Juliana Silveira
Redação Beta
3 min readJun 15, 2018

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A feira acontece desde 1955 em Porto Alegre. (Foto: Flickr Prefeitura de Votuporanga)

Como todos os anos, logo no início da primavera, na capital gaúcha, o cenário típico da Praça da Alfândega vai tomando forma. As bancas são montadas e o fluxo de pessoas transitando pelo local aumenta. Esses fatos configuram o início da tradicional Feira do Livro de Porto Alegre. Em 2018, a 63ª Edição, antes mesmo de começar, já se deparou com um obstáculo até então desconhecido: o aluguel.

Tudo começou quando a Câmara Riograndense de Livros recebeu um boleto no valor de R$179 mil reais, que seria referente à cobrança para promover o evento na praça. O documento foi enviado pela Prefeitura Municipal de Porto Alegre, que justificou, logo depois, sendo um equívoco. Atualmente, há uma nova funcionalidade de emissão de documentos fiscais implementada, e todos os últimos eventos em locais públicos pagaram uma taxa para utilização do espaço. O dinheiro, de acordo com o órgão público, sempre foi revertido em prol da conservação ambiental e do trânsito, que aumenta no período.

Apesar de tudo isso, engana-se quem pensa que o maior problema é, de fato, o valor absurdo cobrado. O que mais amedronta é a incapacidade de compreensão da grandeza da iniciativa. Em um país onde os habitantes costumam ler menos de quatro livros por ano é preocupante que a Feira do Livro, para acontecer, precise desembolsar um valor “simbólico” como esse.

Evento acontecerá em novembro, na praça da Alfândega. (Foto: Reprodução www.feiradolivro-poa.com.br)

O evento é gratuito e proporciona a muitas pessoas o primeiro contato com a leitura. Quem não lembra da primeira vez que esteve na feira com os pais? Ou daquela excursão com a escola para passar um dia inteiro na capital e, de quebra, levar um livro para casa? A Feira do Livro de Porto Alegre é mais que um evento, é um serviço de acesso livre à toda população, é a introdução da cultura de ler na vida de muitas crianças e adolescentes. Não pode ser considerada um custo, mas sim um investimento para toda vida.

Essa história é mais um porém desses que assombra o país, e se torna sempre um impedimento para a expressão cultural. A falta de empatia, neste caso, por parte dos órgãos públicos com os promotores da feira é algo que assusta até àqueles acostumados com as propostas descabidas dos governantes locais. A explicação sobre o valor cobrado não deixou clara a necessidade de uma quantia tão elevada. Frente ao absurdo, a Câmara Riograndense de Livros vai recorrer à proposta. A partir de agora cabe a nós, leitores, aguardar o veredicto final e torcer para que tamanho desrespeito com a população não seja permitido, nem acabe com a cultura de frequentar a feira do livro, que uma parte da população gaúcha ainda cultiva.

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