O Beira-Rio é cada vez mais delas

Coloradas desbravam caminhos no Internacional e aumentam a representatividade feminina no clube

Eduarda Moraes
Redação Beta
6 min readSep 10, 2018

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Local destinado à torcida organizada feminina Força Feminina Colorada (Foto: reprodução da página da Força Feminina Colorada)

Apresença das mulheres no futebol não é novidade. No entanto, o ambiente ainda é predominantemente masculino, herança de uma cultura que classificava o futebol como “coisa de homem”. Por isso, a inserção feminina no meio nunca foi simples. Contudo, o Sport Club Internacional tem se destacado no quesito representatividade feminina. Possui a primeira torcida organizada feminina do Rio Grande do Sul; “a voz do Beira-Rio” é de uma mulher; já teve uma vice-presidente mulher; e tem um time de futebol feminino, as Gurias Coloradas.

Natalia Mauro, Diana Oliveira e Patrícia Belém são mulheres que cruzaram a linha de torcedoras para fazer história no clube. Coloradas desde criança, encontraram maneiras diferentes de se engajarem com o time. Natalia é a primeira locutora mulher do Beira-Rio. Diana foi primeira vice-presidente do Inter. Patrícia fundou a Força Feminina Colorada, primeira torcida organizada feminina do Estado.

“A Voz do Beira-Rio” é de uma mulher

Natalia Mauro, 28, começou a trabalhar no Inter como estagiária de mídia do Clube e da TV Inter, em 2009, enquanto cursava jornalismo na PUC-RS. Trilhou sua carreira no clube e, hoje, atua como repórter da TV Inter e locutora do Beira-Rio.

“É uma honra sem fim e ainda não tenho a noção da importância disso para minha carreira”, relata Natalia. Segundo ela, durante os jogos sente-se como mais uma colorada e tem prazer de torcer com seguidores do time. “O orgulho é ainda maior ao pensar que sou a primeira mulher a fazer a locução do estádio Beira-Rio”, ressalta a jornalista.

Natalia Mauro é a primeira locutora mulher do Beira-Rio (Foto: Facebook de Natalia Mauro)

Para Natalia, o fato de ser mulher em uma área predominada por homens não foi tão difícil. Afirma que não sofreu preconceito e sempre teve liberdade para desempenhar as suas funções. “Muito pelo contrário, mesmo sendo um ambiente predominante masculino, sempre tive incentivo e oportunidades de exercer diversas funções dentro da minha profissão”, conta. A repórter não vê distinção do clube em relação às torcedoras, ressaltando que o Internacional registrou a sua primeira sócia em 1918.

Mesmo não sofrendo preconceito, Natalia percebe que a prevalência masculina faz com que as mulheres tenham que persistir mais para realizar seus sonhos na profissão. “Não temos que desistir. Já tivemos, há muitos anos, mulheres pioneiras abrindo as portas na área. Se gostamos de frequentar estádios, porque não trabalharíamos lá dentro?”, questiona.

Liderança feminina

A arquiteta Diana Oliveira, 40, é colorada desde pequena e, em 2006, conheceu um blog que falava sobre o Internacional. De leitora, tornou-se colunista e, em 2008, junto com outros amigos do blog, montou uma “chapa pura” para as eleições do Conselho Deliberativo. Com a vitória da chapa, Diana passou de torcedora para membro da Comissão de Obras do Conselho, Comissão de Obras do Executivo, Diretora de Patrimônio e, então, vice-presidente.

Durante o mandato como Vice-Presidente, Diana teve a incumbência de comandar as obras da reforma do estádio Beira-Rio para a Copa do Mundo de 2014. Para ela, a reforma do estádio foi “uma honra e, ao mesmo tempo, um desgaste desumano”. Diana relata que ocupar um cargo de liderança em um ambiente profissional masculino foi difícil.

Ao longo de anos no esporte, Diana enfrentou tabus. Segundo ela, “os homens podem se dar ao direito de serem prolixos, ao passo que mulheres devem sempre se manifestar de maneira sucinta e assertiva”. Ela também critica o fato de os “homens serem avaliados pelo potencial e, as mulheres, pelo histórico”. Nesse sentido, destaca que o machismo é, antes de mais nada, um ato de competição e, portanto, há uma grande mobilização para desmerecer uma mulher que assume posições de liderança. No entanto, ela pôde contar com o apoio de colegas e parceiros, que considera terem sido fundamental.

Apesar das dificuldades, o relacionamento da arquiteta com os torcedores é guardado com boas recordações. “Com torcedores e imprensa só coleciono boas recordações em minha trajetória”, recorda.

Depois da experiência como Vice-Presidente do Inter, Diana afirma que se surgisse a oportunidade de ser presidente não aceitaria “de jeito nenhum”. Para ela, todo o desgaste do cargo em meio à responsabilidade de sediar a Copa do Mundo acabou tomando demais a sua vida. “A gente passa 99% do tempo apagando incêndio e 1% desfrutando. Não quero mais”, enfatiza.

Apesar de ter se afastado do quadro diretivo, também ressalta orgulho pelo papel que desempenhou, do trabalho que realizou e do resultado que entregou ao clube. Hoje, contudo, o papel de torcedora interessa mais.

Arquibancada para as mulheres

Vice-presidente e fundadora da Força Feminina Colorada, Patrícia Belem conta que começou a frequentar o estádio com o filho pequeno que, mesmo tendo pai gremista, escolheu o colorado para torcer. O pequeno assitia aos jogos pela TV chorando por não estar no estádio. “Foi quando me perguntei: por que não levá-lo ao jogo? Um dia, cheguei pra ele e disse: te arruma e coloca a camisa do Inter que vou te levar”, disse.

Nesse dia Patrícia assistiu ao seu primeiro jogo no Beira-Rio. Colorada desde criança, nunca foi convidada para ir ao estádio com seu pai, pois apenas o irmão tinha esse privilégio. “Lembro ter me encantado perante o deslumbrante estádio do Inter no meu primeiro jogo. Eu, mulher, de mãos dadas com meu filho, em um mundo predominantemente masculino. Apenas eu e ele”, relembrou a mãe colorada. Mas o momento deslumbrante transformou-se em uma situação de insegurança e hostilidade logo no primeiro gol, quando Patrícia foi abraçada pelo homem desconhecido que estava ao seu lado. “Fiquei aflita, torcendo para que não houvesse mais gols, pois não queria ser abraçada por um desconhecido”, conta.

A experiência negativa fez Patrícia refletir e buscar uma forma de se sentir confortável ao levar o filho para torcer na casa do seu time. “Chegando em casa, entrei nas redes sociais e, após uma breve busca, encontrei um grupo de mulheres na mesma situação. Mulheres que queriam ir ao estádio sozinhas”, relembra. A colorada se engajou no grupo e, no dia 24 de maio de 2009, ao lado de outras 11 torcedoras, fundou a Força Feminina Colorada. O clube reconheceu a torcida como oficial e ofereceu suporte para as mulheres seguirem torcendo.

Mulheres coloradas se unem para torcer (Foto: Facebook Força Feminina Colorada)

Segundo Patrícia, a FFC conta com 150 integrantes, que se aglomeram perto da goleira norte do Beira-Rio. Além disso, a torcida criou um projeto social, no qual jovens de baixa renda que frequentam escola públicas ou são bolsistas nas escolas privadas, compõem uma banda nos dias de jogos no Beira-Rio. “Com o apoio do clube, fornecemos lanches aos jovens e, por conta da própria torcida, eles recebem doações de roupas, calçados e passagens para se deslocarem”, relata.

Apesar dos progressos conquistados e do apoio do clube, Patrícia afirma que ainda há trabalho a ser feito. “Faltam campanhas direcionadas ao público masculino, para que a mulher seja respeitada no estádio pelos torcedores “turistas”, pelos seguranças terceirizados e pela instituição Brigada Militar”, enfatiza.

Sócias torcedoras

O número de mulheres nas arquibancadas do Beira-Rio tem aumentado nos últimos anos. Em 2017, o Inter foi o clube com mais mulheres no quadro social, de acordo com o “Movimento Por um Futebol Melhor”. De acordo com o próprio clube, 24% dos associados são mulheres, número que levou o Inter a reativar a Diretoria Feminina, que tem o papel de incentivar coloradas a frequentar o estádio e garantir a elas um ambiente seguro e agradável.

“ O Inter tem um número muito expressivo de sócias e é muito bom ver que esses números só aumentam. Tem que aumentar ainda mais! Lugar de mulher é onde ela quiser” — Natalia Mauro.

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