Caso Cavani suscita reflexões sobre a cobertura jornalística esportiva

Anúncio precipitado em torno da contratação do jogador uruguaio revela uma supervalorização do boato

Murilo Dannenberg
Redação Beta
6 min readOct 13, 2020

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Enquanto definia seu futuro, Cavani foi noticiado em diversos clubes pelo mundo. Escolheu o Manchester United, da Inglaterra (Foto: Bogdan Zayats/Creative Commons)

Entre 4 de setembro e 5 de outubro, o jornalismo gaúcho acompanhou um dos casos com maior repercussão na mídia esportiva em 2020: a negociação entre Grêmio e Cavani. A possibilidade — certeza para muitos — mobilizou uma das coberturas mais delicadas para a credibilidade dos jornalistas. Com um desfecho contrário às expectativas gremistas, o enredo gerou reflexões de profissionais da comunicação.

A Beta Redação conversou com profissionais e pesquisadores que se dedicam ao estudo da área esportiva para entender o que a cobertura do “Caso Cavani” representa para o jornalismo esportivo em termos de credibilidade e confiabilidade de torcedores e sociedade em geral. Além disso, os profissionais também apontaram práticas para evitar que o jornalista divulgue informações sem credibilidade, a popular “barrigada”.

Onze dias antes do aniversário de 115 anos do Grêmio, o jornalista argentino Sebastián Srur, setorista do River Plate na Rádio Continental, publicou um tweet que surpreendeu a torcida gremista. Cavani estaria acertado com o tricolor e chegaria na segunda-feira, dia 7 de setembro.

O jornalista argentino Sebastián Srur foi o primeiro a divulgar a “notícia” da contratação de Cavani pelo Grêmio. Repercussão foi imediata nas redes. (Imagem: Reprodução/Twitter)

O jornalista da GaúchaZH, Eduardo Gabardo, que cobre o futebol gaúcho, com ênfase no Grêmio, falou sobre o caso: “Essa história toda começou a ganhar corpo a partir desta publicação de Sebástian. E ele acabou sendo o grande prejudicado dessa história. Errou e teve que dar muitas explicações sobre isso”, comenta.

Pressão do público

Outro jornalista que divulgou a contratação gremista e acabou sofrendo com a repercussão das informações foi o gaúcho Diego Guichard. Com sua credibilidade construída pelos mais de 20 anos de atuação no grupo RBS e com passagem pelo site globoesporte.com, ele hoje trabalha de forma autônoma e publicou a seguinte mensagem em uma rede social, inflando, inclusive, as expectativas da torcida gremista para o evento online da comemoração do aniversário do clube.

Após a repercussão e os ataques nas redes, Diego bloqueou suas redes sociais. (Imagem: Reprodução/Twitter)

Guichard reconhece que deveria ter havido mais cautela na publicação da mensagem em seu Twitter, mas justifica o posicionamento. “Eu recebi uma informação realmente boa de um dirigente do Grêmio, uma pessoa muito importante, mas jamais deveria ter publicado daquela forma o tweet. Eu não devia ter cravado uma informação dessa maneira e me arrependo disso”, comenta.

Ele ainda aponta que deveria ter construído sua publicação de forma mais cautelosa. “Eu deveria ter dado a informação de uma forma diferente, talvez com ‘o Grêmio fez proposta pelo Cavani e tem esperança de anunciar’, algo nessa linha, sabe, teria sigo mais correto”, conclui.

Como um jornalista experiente, sei que o futebol tem muitas reviravoltas. Informação se crava quando é 100% certo. Ou seja. Errei muito.

O boato como conteúdo jornalístico

Ouvimos também o jornalista e mestrando da Unisinos, Alison Rodrigues, que pesquisa a área esportiva em sua dissertação. “Atualmente, o jornalismo esportivo prefere especulações, caça clique, do que pensar em pautas factuais, mais interessantes”, afirma.

Durante uma edição do Sala de Redação, Maurício Saraiva, conhecido jornalista esportivo no Rio Grande do Sul, e um dos integrantes da bancada, avisou que ele havia recebido uma mensagem do narrador Galvão Bueno confirmando a vinda do jogador uruguaio. Galvão teria afirmado que recebeu uma mensagem de um amigo fazendeiro, com propriedades próximas às de Cavani, no Uruguai. Segundo ele, Cavani já teria acertado com o Grêmio.

Alison reflete sobre a credibilidade de informações com esse tipo de origem:

É uma discussão muito boa sobre oficialismo. Claro que você pode conseguir informações com pessoas que estão fora do “oficialismo” (jogador, dirigente, empresário, família), mas é muito difícil falar que um fazendeiro que supostamente conhece o Cavani possa ser uma fonte. No máximo um boato. E eu acho que boatos fazem parte, até, mas devem ser tratados como boatos.

Tweet do Grêmio, durante a live de aniversário do clube, teve engajamento alavancado por se retroalimentar do boato da celeste (cor associada ao Uruguai) (Imagem: Reprodução/Twitter)

Alison conclui que o “caso Cavani” indica uma supervalorização do boato na cobertura jornalística. Ele, emenda, contudo, que o clube e o público fazem parte deste ciclo. “É um problema estrutural visto que a audiência gosta disso [das especulações]”, finaliza.

A fala encontra embasamento no números de acessos que Eduardo Gabardo obteve em suas matérias publicadas na GaúchaZH. “O que a gente recebia de retorno do que foi publicado foi um negócio absurdo. Eu fiz uma publicação em que uma matéria teve 480 mil acessos”, coloca. Ainda que o jornalista da GaúchaZH tenha feito uma cobertura distante de afirmações sobre a vinda de Cavani para o Grêmio, tratando a negociação como “muito difícil”, a repercussão foi enorme.

Cascata de manchetes envolvendo o jogador uruguaio após divulgação do rumor de negociação. (Crédito do vídeo: Beta Redação/Murilo Dannenberg)

Lidando com o caso

Gabardo não atribui diretamente ao clube ou à imprensa o modo negativo como a especulação da negociação repercutiu. “Acho que o clube conduziu de maneira normal essa situação. Em todas as entrevistas se falou sempre que era um negócio quase impossível. Houve uma transparência do clube em tratar da possibilidade de contratação”, argumenta. Contudo, criticou o posicionamento do clube durante a live comemorativa. Segundo ele, dentro do contexto de alta expectativa, faltou uma postura mais clara do Grêmio em negar que o anúncio da contratação seria feito.

Voz conhecida dos ouvintes da GaúchaZH, Gabardo tem uma das colunas mais acessadas no site da rede. (Foto: Arquivo pessoal/Eduardo Gabardo)

“Tentei informar o que efetivamente estava acontecendo, sempre tentando evitar forçar a barra. Conversei, desde o presidente do Grêmio, aos demais dirigentes, conselho de administração e departamento de futebol para tentar trazer informações precisas”, afirma Gabardo.

Já Saimon Bianchini, repórter esportivo da GaúchaZH, por outro lado, mantém um pensamento crítico sobre a repercussão do caso. “Existiu precipitação de torcedores, influenciadores e alguns jornalistas. Nas minhas apurações detectei o que ficamos sabendo sobre o caso: qualquer novidade aconteceria somente a partir do dia 6 de outubro, data do fechamento da janela europeia”, salienta. “Com isso, tudo estava estagnado até o momento. Todo esse engajamento virou uma espécie de delírio coletivo de todas as partes”, coloca.

Para definir seu pensamento a respeito do caso, Bianchini se baseou nas declarações do presidente do Grêmio, Romildo Bolzan Jr., e no CEO do clube, Carlos Amodeo. O jornalista coloca que em casos como esse, se atém às fontes oficiais.

Bianchini tem larga experiência nos bastidores do Grêmio. (Foto: Arquivo pessoal/Simon Bianchini)

Ambos os profissionais refletiram sobre como a possibilidade de contratação de um atleta de prestígio internacional para Porto Alegre despertou a empolgação de jornalistas e torcedores. Mesmo sem cravar a vinda, Gabardo revela que sentiu isso por ambos os aspectos. “Eu mesmo fiz publicações em um número muito acima do que eu faço na média sobre um assunto. O número de pessoas que estava clicando nessas matérias era muito alto, então acho que eu tinha também que dar uma satisfação para essas pessoas sobre o que estava acontecendo. Procurei sempre o que estava acontecendo e, mesmo assim, fui muito cobrado por algumas pessoas depois que ele acertou com o Manchester United, de que eu tinha errado”, afirma Gabardo

Bianchini opina sobre as possíveis razões que levaram a torcida do Grêmio a ficar inflamada, dia após dia, com a não concretização do negócio. “Em negociações os torcedores gostam de saber detalhes e acreditar em mentiras”, reflete. “Diria que flertam com um imaginário de ilusões, caindo no discurso de apurações jornalísticas sem credibilidade ou de má fé, além de influenciadores que não contam com o peso da responsabilidade do jornalismo”, finaliza.

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Murilo Dannenberg
Redação Beta

Jornalista. Curioso sobre como as coisas funcionam, com ideias de porque vemos o mundo tal como o percebemos e o que o futuro nos reserva.