O cenário no passado

Beta Redação
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3 min readDec 15, 2020

A falta de uma delegacia especializada em crimes raciais no RS faz com muitas vítimas não denunciem

(Foto: Arquivo Pessoal)

Há quase 20 anos, a professora da rede municipal Aléxia Taís Plost tentou fazer justiça após sofrer ofensas por seu tom de pele. “Me chamaram de ‘nega vagabunda’ e eu fui na delegacia. Fica todo mundo rindo de ti, de chacota. O escrivão ficou rindo, o cara que me atendeu ficou rindo“, relembrou o fato ocorrido em 2002. Seu caso, como inúmeros outros, ilustra os desafios enfrentados por pessoas negras em todo o Rio Grande do Sul ao buscarem seus direitos.

Conforme Guilherme de Azevedo, professor e coordenador do curso de Direito da Unisinos, a vítima de crimes de injúria ou racismo esbarra no racismo estrutural, perpetuado pelo Estado brasileiro, e que acaba sendo reproduzido dentro das instituições, como delegacias e tribunais. Dessa forma, os crimes raciais, que deveriam ser levados em consideração como qualquer outro delito previsto no Código Penal acabam sendo minimizados nestes locais, que deveriam ser de acolhimento.

“Há desinteresse e fragilidade na procedimentalização do caso que é refletida justamente por uma compreensão de que o uso eventualmente de vocabulários, de piadas ou até mesmo de xingamentos com conotação racista, não são práticas ou crimes com o mesmo grau de importância dos crimes contra a vida, dos crimes contra a liberdade sexual, dos crimes contra o patrimônio. Na verdade, sendo mais direto: em muitos casos eles não são nem entendidos como crime”, afirma o professor.

O que aconteceu com Aléxia é um retrato da falta de profissionais capacitados nesse âmbito e da ausência de uma delegacia especializada no estado. “Acho que a delegacia de crimes raciais chama atenção para a questão e talvez faça com que sirva como forma de prevenção, inclusive”, pondera a juíza Karen, que assegura que a existência do elevado número de subnotificações no Rio Grande do Sul é consequência dessa carência de acolhimento específico, o que motiva muitas vítimas a não buscarem por seus direitos.

Em seu apontamento, a juíza também alega que, a partir do momento que a questão é institucionalizada, existe a percepção de que a demanda é relevante e as pessoas passam a olhar para suas condutas, fazendo uma análise crítica a respeito delas. Com Aléxia, porém, o desfecho foi outro: “Eu consegui fazer o registro de injúria racial e acabou em nada, porque ninguém é preso por racismo no país. Eu já fiz isso, não tive sucesso e virei motivo de piada na delegacia. Foi o que aconteceu”.

Na ocasião, a professora pôde realizar o registro de injúria racial por ter recebido uma ofensa direcionada à sua integridade pessoal. Contudo, ela revela outros casos em que sofreu ou viu a realização de um ato de racismo e argumenta que a punição para eles quase nunca procede. Segundo sua vivência, o racismo ocorre desde “o centro familiar, quando tu percebe que existe um elogio para a família que embranquece, até os setores mais graves, como o da justiça. E as pessoas desistem porque elas estão cansadas. O racismo estrutural te cansa muito e te mata psicologicamente”, confessa.

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