O Cine Imperial e a história dos cinemas de calçada de Porto Alegre

Considerado um dos mais luxuosos de sua época, o Imperial ficou marcado na memória dos gaúchos

Leonardo Martins
Redação Beta
6 min readJun 23, 2023

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O Cine Theatro Imperial, inaugurado em abril de 1931, foi um local icônico em Porto Alegre, com capacidade para acomodar 1.632 espectadores. De acordo com o projeto Viva o Centro, da prefeitura da Capital, sua estrutura proporcionava uma excelente visibilidade de qualquer ponto da sala, tornando-se um palco para grandes espetáculos. Na década de 30, era considerado um dos cinemas mais luxuosos do país e um dos exemplos mais requintados da arquitetura Art Déco no Brasil.

Construção do edifício do Cine Imperial durante a década de 20 (Crédito: Projeto Viva o Centro/PMPA)

Além de sua importância arquitetônica, o edifício Imperial desempenhou um papel significativo no processo de verticalização das edificações residenciais no Centro Histórico de Porto Alegre, onde normalmente eram utilizadas para fins comerciais. Dos 11 andares do edifício, oito eram destinados à moradia. Ao longo do tempo, passou por duas reformas, uma em 1960 e outra em 1987, esta última marcada pela inauguração do Cinema Guarani, logo ao lado.

De acordo com a Secretaria Municipal de Serviços Urbanos (SMSUrb), órgão vinculado a Prefeitura de Porto Alegre, a propriedade foi tombada como patrimônio histórico municipal em abril de 2004, após passar pela aprovação do Conselho Municipal do Patrimônio Histórico e Cultural (Compahc). Porém, em 4 de agosto de 2005, o cinema encerrou as atividades.

Fechado há quase 18 anos, o Imperial chegou a ser o cinema mais antigo em funcionamento do Rio Grande do Sul, e um dos mais antigos do Brasil, segundo o pesquisador Cristiano Zanella. A marca no estado atualmente foi superada pelo Cine Lux, localizado em São Luiz Gonzaga, que foi inaugurado em 1942 e permanece ativo até os dias de hoje.

Retomada das reformas

Em 2005, o edifício do Imperial foi arrematado pela Caixa Econômica Federal em parceria com a Prefeitura Municipal. A ideia original era de ser transformado em centro cultural pela instituição financeira, entretanto, após períodos de reforma e de parada, os trabalhos foram interrompidos definitivamente em setembro de 2017.

No início de junho deste ano, a Prefeitura Municipal anunciou que a retomada das obras está prevista para julho. A empresa Enclimar será a responsável pelo serviço, com o contrato de dois anos. Ao todo, a Caixa disponibilizará R$ 18,5 milhões para a realização da obra.

Conforme a prefeitura, a reforma do edifício faz parte do projeto de revitalização do Centro Histórico da Capital, focando no entorno da Praça da Alfândega e Rua dos Andradas.

Prédio do Cine Imperial nos dias de hoje (Crédito: Projeto Viva o Centro/PMPA)

O início dos cinemas por aqui

A história do cinema em Porto Alegre é muito anterior ao Cine Imperial. No dia 8 de novembro de 1896, ocorreu a estreia do primeiro filme na capital. De acordo com Zanella, sob o título de Cinematographo, essa exibição pioneira teve lugar no Theatro São Pedro. Posteriormente, em 1907, foi estabelecida a primeira sala exclusivamente dedicada ao cinema, situada no Recreio Ideal, na Rua dos Andradas, em frente à Praça da Alfândega, muito próximo de onde o Imperial surgiu anos depois.

“O cinema surge na França em dezembro de 1895. Já em Porto Alegre, ele apareceu apenas 11 meses depois, por meio do portal do Cais do Porto. As novidades da Europa chegavam por ali. É curioso que, assim como a primeira sessão, a última exibição de um cinema clássico de calçada, em 2005, tenha sido também no Centro Histórico”, conta o jornalista e escritor Cristiano Zanella, autor do livro The End — Cinemas de Calçada em Porto Alegre.

A metade dessa história

Conforme consta no livro, a partir dos anos 1910, a indústria cinematográfica começou a se expandir em Porto Alegre, resultando em um crescimento significativo. Na década de 1930, a cidade abrigava mais de 20 salas de cinema, algumas com capacidade para mais de dois mil espectadores. Em 1935, na Rua da Praia — apelidada de “Pequena Broadway”, devido à vibrante iluminação noturna e ao constante movimento de carros e pessoas — quatro cinemas se destacavam: Imperial, Guarani, Central e Ópera.

Com o desenvolvimento da cidade, nas décadas de 1970 e 1980, Porto Alegre contava com um total de mais de 30 salas de cinema. Além das mencionadas anteriormente, no Centro Histórico, havia outros estabelecimentos como: Cacique, Carlos Gomes, Coliseu, Continente, Marabá, Palermo, Rex, Rosário e São João. As demais salas espalhavam-se pelos diversos bairros da cidade, eram elas: ABC, Apolo, Astor, Avenida, Baltimore, Bristol, Castelo, Colombo, Coral, Garibaldi, Ipiranga, Navegantes, Orpheu, Palácio, Presidente, Ritz, Rio Branco, Rival, Roma, Teresópolis e Vogue.

Rua da Praia nos tempos de "Pequena Broadway" (Crédito: Fototeca Sioma Breitman)

“Eu frequentava muito o Imperial e o Guarani, eram de longe os meus favoritos, mas também gostava muito das salas do Astor (antigo Orpheu) e do Baltimore”, conta a comerciante Dagmar Braga, 64 anos. Dona de uma ótica, no Centro, ela lembra das salas localizadas na Rua Benjamin Constant e Avenida Osvaldo Aranha, respectivamente.

Entre todos eles, o Imperial se destacava tanto pela quantidade de assentos e luxuosidade, quanto pela diferença arquitetônica.

“Na sessão de abertura, o Imperial exibiu o filme Romance, estrelado por Greta Garbo, com direção de Clarence Brown. Na ocasião, mais de 3 mil pessoas disputaram as 1.632 poltronas disponíveis”, diz um trecho do livro de Zanella.

Cine Imperial durante funcionamento no século XX (Crédito: Fototeca Sioma Breitman)

Arte além do cinema

Nem só de exibições de filmes vivia o Imperial. Em sua “época de ouro”, a sala também recebia diversas atrações culturais, como shows e apresentações.

“Lá se apresentaram artistas gigantescos como Carmen Miranda, Dercy Gonçalves, Procópio Ferreira e Noel Rosa. Era uma época fenomenal para a cultura e arte em Porto Alegre, um luxo”, conta Zanella.

Fim

A ascensão e expansão da televisão, das videolocadoras e dos shopping centers, que ofereciam salas de cinema mais modernas e atrativas, juntamente com os desafios relacionados à segurança, culminaram no declínio dos cinemas de rua.

Entretanto, durante as décadas de 80 e 90, o Imperial resistiu à onda de falências. Na época, as que não fecharam as portas seguiram operando com filmes pornográficos ou de baixa qualidade. Porém, o Cine Imperial foi pelo caminho inverso: com preços populares e a companhia do Cine Guarani, reinaugurado em 1987 no mesmo prédio (após ter sido expulso do edifício ao lado, onde hoje localiza-se o Banco Safra), o Imperial se manteve relevante e competitivo contra a ascensão dos cinemas de shopping center.

“Gostava de frequentar, principalmente por ser barato. Lembro que, na época, o ingresso custava cerca de três reais, variando de acordo com o dia”, relata Leandro Carvalho, 47 anos, que atua como lojista no centro da Capital.

Mas, infelizmente, essa resistência durou apenas até 2005, quando o edifício foi comprado pela Caixa Econômica Federal e pela Prefeitura.

“O Cinema Imperial ainda era um cinema lucrativo porque era o remanescente que existia no Centro Histórico, com programação e preços populares. Talvez fosse em 2005, na época em que fechou, como a única opção com o valor do ingresso acessível. Quando foi vendido era um imóvel em processo de tombamento. Era um negócio que talvez não fosse aparecer novamente. Mas ainda era um cinema que conseguia andar com as próprias pernas”, conta o escritor Cristiano Zanella.

Autor do livro que conta não só a história do Imperial, mas também de todos os cinemas de rua de Porto Alegre, Zanella relembra a última sessão do Cine Imperial, em 2005, quando os expectadores se despediram assistindo ao filme Guerra dos Mundos, do famoso diretor Steven Spielberg.

“A última sessão foi bem melancólica. As pessoas que estiveram ali foram para se despedir da sala e não para assistir ao filme que passou. Quando fecha um cinema, um teatro, um restaurante antigo, na verdade não é um mero apêndice comercial que se encerra, e sim, um personagem da cidade”, emenda.

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