O cinema além da tela

Cine Sentidos exibe filmes independentes que trazem experiências sensoriais

Graziele Iaronka
Redação Beta
7 min readMay 13, 2019

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Cadeiras foram arrumadas de formas antagônicas para a sessão ligada ao tato. (Foto: Eroica Filmes/Divulgação)

Ao chegar na sessão do filme do Cine Sentidos, projeto que exibe filmes independentes por meio de experiências que explorem o tato, a visão, a audição, o paladar e o olfato, todos se deparam com a frase “Qual sentido te faz sentir uma história?”. Desde o final de março desse ano, a Lora — curadoria de cinema independente — em parceria com o Instituto Ling, de Porto Alegre, promove a iniciativa. Cada uma das cinco sessões conta com um convidado especial para mediar a experiência com o público.

A terceira sessão, o Cine Silêncio, apresentada no último sábado (11/5), explorou a audição por meio da exibição do filme Ogros (2015), de Léa Fehner, nunca exibido no Brasil. Ao chegar no espaço, a curiosidade em saber sobre a experiência era percebida nos olhos do público. Como o cinema pode ser sentido além da tela?

No saguão do Instituto Ling, as pessoas recebiam um rádio e um fone de ouvido, com tecnologia binaural, que divide o som em direito e esquerdo. A sessão foi mediada por André Di Napoli, especialista em Áudio e Engenharia Acústica pela Universidade de Londres.

A partir do recebimento do material, todos foram instruídos a fazer silêncio absoluto no momento em que o rádio fosse ligado. A experiência causou olhares instigados. Com uma trilha que criava um cenário de circo, todos podiam ver um espaço que também remetia a um circo assim que entravam na sala. Di Napoli, antes do filme, conversou com as pessoas pelo fones, para deixar a atmosfera mais aconchegante, mesmo que imensamente silenciosa. “Sejam bem vindos ao Cine Silêncio. Você já olhou para a pessoa do lado e tentou ficar imaginando a voz dela?”, perguntou Di Napoli, de modo calmo.

A experiência iniciou antes do filme começar. (Foto: Graziele Iaronka/Beta Redação)

Além disso, o convidado explicou a intensidade da experiência. “É muito interessante, porque quando a gente chega no cinema, por exemplo, somos bombardeados por barulhos que não fazem parte do filme, que às vezes tiram a atenção. Então, privando os sons externos, conseguimos colocar a atenção das pessoas totalmente no filme”.

Ocorrido na França, o filme Ogros apresenta a história de um grupo teatral que viaja por diferentes cidades. A narrativa é regada por muita festa, sons, trilhas e gritaria. Para o jornalista Diego Nunez, que esteve pela primeira vez no Cine Sentidos, a experiência foi diferenciada. “Quando eu li ‘silêncio’, fiquei muito curioso para saber como seria a dinâmica, como eles iriam buscar esse recurso da audição. Porque com os outros sentidos, por exemplo, o tato, tu já espera algo diferente. Mas a audição já está no cinema convencional”, enfatiza Nunez.

Com um cenário de circo, o ambiente trouxe a temática do filme. (Foto: Graziele Iaronka/Beta Redação)

Conforme explica a idealizadora da Lora, Manuela Fetter Nicoletti, o Cine Sentidos tem como ideia transcender o cinema, sair para fora da tela, fazer sentido e fazer sentir. “Por isso, fazemos as experiências para ativar esses sentidos, essa analogia pertinente, do cinema fazer sentido para as pessoas. Dessa forma, buscamos sempre aprofundar por meio do tema, contexto ou da cultura de cada filme, agregar experiência, fazer as pessoas emergirem nesse universo, sair de fato transformado de uma sessão”, detalha Manuela.

O nascimento da ideia

Com em média de 80 participantes por sessão, o Cine Sentidos surgiu com o objetivo de atrair um público mais jovem para o Instituto Ling. A partir da pesquisa com um grupo focal com jovens e estudantes, a Lora e o Ling buscaram entender quais são as expectativas dessa geração em relação ao cinema.

“Nesse grupo focal, percebemos que essa geração jovem, geração Z e um pouco de Y, preza e investe em experiências que transformem, que dão histórias, uma coleção de momentos. Tentamos ao máximo fazer ao redor do cinema a reverberação de experiências” enfatiza Manuela Nicoletti.

Com apoio do Ministério da Cidadania, a coordenadora da programação cultural do Instituto Ling, Laura Cogo, explica que esse estudo foi importante para entender o que está sendo procurando. “Além de atrairmos esse novo público, a audiência já cativa passou também a frequentar o Cine Sentidos. Uma mistura de gerações”, complementa Laura.

De diferentes origens — húngaro, italiano, francês, britânico — , os filmes escolhidos não foram trabalhados ou expostos no mercado brasileiro. “A ideia é dar acesso a esse tipo de filme, com um viés educativo e cultural. O objetivo é explorar por meio do cinema a educação, a experiência, o entretenimento e a estética”, enfatiza a idealizadora da Lora.

Com sessões que duram aproximadamente três horas, Manuela explica que a distribuição dos filmes foi feita da seguinte forma: nas pontas da programação — início e fim — ficaram os filmes mais comerciais, mais compreensíveis e, no meio, os mais independentes, alternativos.

A Pausa e a Essência

O primeiro filme, Corpo&Alma (2018) de Ildikó Enyedi, exibido no Cine Sentido foi ligado ao tato, com a sessão intitulada “Cine Pausa”. Essa abordou a história de uma menina que tinha receio de ser tocada e não conseguia tocar, se entregar às coisas ligadas à sua pele. “O plano de fundo do filme se passava em um frigorífico, então, tinha toda a questão da anatomia do corpo humano, do corpo animal. Tentamos sensibilizar os corpos presentes por meio da experiência de sutilização coletiva, com intervenção artística da Carine Sehn. Os corpos receberam intervenções no meio do filme”, detalha Manuela.

A experiência do tato ocorreu por meio do filme “Corpo&Alma” de Ildikó Enyedi. (Foto: Eroica Filmes/Divulgação)

Com a intitulação de pausa, a sessão recebeu esse nome pelo fato das pausas que foram feitas nos gatilhos da narrativa. “A partir do momento que a menina do filme começa a se permitir a sentir, a gente provocou cheiros, toques. As pessoas assistiram ao filme todas entrelaçadas, se tocando entre si, mesmo pessoas desconhecidas. As cadeiras foram diagramadas de maneira antagônica, cada uma para um lado”, explica Manuela sobre o funcionamento da experimentação.

Aromas e cheiros invadiram a sala durante o Cine Essência. (Foto: Eroica Filmes/Divulgação)

Ligado ao Olfato, o filme Incompresa (2014) de Asia Argento, do Cine Essência, foi mediada pela perfumista botânica Alice Albuquerque e Souza de Oliveira, que explorou aromas e cheiros durante a sessão.

“Eu assisti o filme antes e fui anotando quais cenas me remetiam a cheiros. Fui anotando, também, as sensações da personagem, pois têm duas coisas: a cena em si, por exemplo, a cena no parque, que vai ter cheiro de grama molhada, cheiro de terra, coisas que são daquele ambiente. Ao mesmo tempo, tem o sentimento da personagem, que está com medo de algo que vai acontecer, então tem o desconforto. Como conseguimos trazer um cheiro de desconforto?”, detalha Alice sobre a construção da experiência.

Alice realizando as experimentações durante a sessão do Cine Essência. (Foto: Eroica Filmes/Divulgação)

No início, Manuela explica que, no Cine Essência, as pessoas foram recebidas com drinks aromáticos para abrir o olfato. No final, houve uma exposição contando o porquê de cada aroma, o porquê de cada difusor, o sentido e para que cena foi pensado. Ocorrido na Itália, o filme conta a história de uma menina, filha de pais artistas. Durante a experiência, foram utilizados diversos óleos para receber o público, pois o filme começa muito doce, com um diário, explica Alice. Aromas tutti-frutti e framboesa se espalharam pela sala, remetendo à infância. Com um enredo tocante, Alice relata que, durante a sessão, algumas pessoas estavam com os olhos marejados.

“Na minha visão, me senti transportada para o universo da personagem e, em parte, isso resultou nas reações das pessoas. É um filme muito íntimo. O olhar da personagem, essa busca por conexão, é algo que nós temos e que fala com muitas pessoas” complementa Alice.

Perspectiva e Sensações

Para explorar os últimos dois sentidos, a visão e paladar, o projeto terá mais duas sessões, o Cine Perspectiva e o Cine Sensações. O primeiro, que irá trabalhar a visão, terá o filme Eden (2014), de Mia Hansen-Love. Esse se passa em universo da música eletrônica, que envolve intervenção de luzes e será mediado por Juli Finkler.

O quinto e último, o Cine Sensações, irá trazer o filme A Festa (2017), de Sally Potter, que se passa em um jantar, mas que não mostra imagens de alimentos. A sessão será mediada por Vico Crocco por meio de temperos, sensações e interpretações.

Programação do Cine Sentidos

08/06Cine Perspectiva

Convidada: Juli Finkler

Filme: Eden (2014), de Mia Hansen-Love

Onde: Instituto Ling

06/07 Cine Sensações

Convidado: Vico Crocco

Filme: A Festa (2017), de Sally Potter

Onde: Instituto Ling

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Graziele Iaronka
Redação Beta

Estudante de Jornalismo e criadora da Costurinhas de Amor