“O Gambito da Rainha”, série da Netflix, conta a história de uma garota-prodígio do xadrez, na década de 1950. (Foto: Divulgação/Netflix)

“O Gambito da Rainha” e a representatividade feminina no xadrez

A série impactou a cena enxadrista gaúcha, aumentando a procura feminina na Casa do Xadrez de POA e um crescimento de 273% nas pesquisas por “jogo de xadrez” no eBay

Carol Steques
Redação Beta
Published in
6 min readJun 8, 2021

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Por Carol Steques e Luiza Soares

Predominantemente masculino, o xadrez carrega o estereótipo machista de que somente os homens podem jogar, e que eles jogam muito melhor do que as mulheres. Rompendo o tabu, a série “O Gambito da Rainha”, da Netflix, conta a história de uma garota-prodígio do xadrez, na década de 1950, que atravessa diversos desafios ao longo da vida para se tornar a número um do mundo no esporte. Além de proporcionar grande visibilidade ao xadrez, a minissérie ressalta que as mulheres também podem e devem fazer parte do mundo enxadrista.

A mineira Marina Martins Aguiar, de 21 anos, é Campeã Brasileira Universitária de xadrez. Ela conta que se sentiu representada com a série por mostrar um cenário real do jogo de xadrez e das competições e por a protagonista ser uma mulher. “A série mostra alguns acontecimentos específicos, como o ambiente predominantemente masculino e como muitas vezes a personagem principal Beth Harmon se destacava por seu gênero, e não exclusivamente pelo seu nível de jogo. Achei incrível a visibilidade e a representatividade que a série trouxe”, explica Marina.

Nos dez dias seguintes ao seu lançamento na plataforma de streaming, foi possível notar o impacto na cena enxadrista, que aumentou em 273% as pesquisas por “jogo de xadrez” no eBay, representando uma busca a cada seis segundos, conforme dados da Federação Internacional de Xadrez (FIDE). A FIDE ressalta que a série também provocou o aumento pela procura online dos jogos, tendo a estimativa de que quase 1 bilhão de smartphones agora têm algum tipo de jogo de xadrez baixado.

Quem sentiu a influência da minissérie na cena enxadrista da capital gaúcha foi a Casa do Xadrez Sergei Belavenets, localizada na Rua Gonçalo de Carvalho (Porto Alegre — RS). Mesmo com a pandemia, a Casa do Xadrez percebeu um crescimento na procura por novas jogadoras que passaram a se interessar pelo esporte a partir da série da Netflix. Segundo o idealizador da Casa, Fabiano Ferreira, a produção impactou no aumento do número de novas alunas de diversas faixas etárias — considerando a procura de mulheres da terceira idade algo muito salutar, já que a modalidade ajuda a prevenir diversas doenças de perda de memória.

Fabiano Ferreira, idealizador da Casa do Xadrez de POA, conta que a série trouxe novas alunas, principalmente da terceira idade. (Foto: Arquivo Pessoal)

De acordo com a FIDE, apesar do aumento da presença feminina no xadrez durante os últimos anos, apenas 16% de todos os jogadores licenciados no mundo são mulheres. Ainda há uma grande busca pela representatividade e inserção feminina no meio. Por ser um ambiente masculino, as jogadoras ainda sofrem constante machismo no xadrez. Marina ressalta que a série foi bem leve em relação a isso, principalmente considerando a época retratada.

“O ambiente do xadrez é majoritariamente masculino. Por mais que esteja aumentando o número de mulheres nas competições, a porcentagem ainda é pequena. Ainda é comum ouvirmos e vivenciarmos situações machistas, como, por exemplo, homens que não aceitam perder para mulheres ou ‘piadas’ que nos inferiorizam. Existe até a expressão bem comum de ‘jogar igual menina’, que refere-se a um estilo de jogo fraco, não ambicioso”, declara a Campeã Brasileira Universitária de xadrez.

Marina ingressou no mundo do xadrez aos 8 anos, através de aulas na escola. “O xadrez faz parte da minha vida desde pequena, me proporcionou conhecer pessoas, lugares, ter experiências e a possibilidade de correr atrás dos meus objetivos. Atualmente é um hobby que sou apaixonada, e que tenho vontade de me dedicar mais”, conta.

Marina conta que o xadrez faz parte de sua vida desde pequena. (Foto: Daniel Ometo/Divulgação)

Ela ressalta que, entre todas as suas partidas, a que mais lhe marcou foi a disputa decisiva de um campeonato estadual, onde ela se tornou campeã, há 10 anos: “Foi marcante por eu ter sido muito pressionada e desencorajada antes do jogo por um professor que, por minha adversária ser a favorita do torneio, dizia que eu entraria para jogar já sabendo que perderia”.

A cena enxadrista gaúcha

A Casa do Xadrez — que complementa suas tarefas práticas com um curso de idiomas — está com as atividades remotas desde o início da pandemia, realizando seu último torneio presencial em janeiro do ano passado. Apesar de não poder usufruir do espaço físico nesse período, a Casa não ficou parada e recebeu inscrições de novos alunos de diversas idades.

“As aulas têm sido praticamente online. Através do site, as pessoas podem entrar em contato pelo telefone ou encaminhar um e-mail, e, assim, agendamos com o professor. Me parece que as pessoas estão se sentindo mais solitárias e que têm procurado o xadrez para jogar até presencialmente, mas nesse momento que estamos vivendo, não é possível”, explica o idealizador, Fabiano Ferreira.

A Casa do Xadrez, em Porto Alegre, está com as atividades remotas desde o início da pandemia. (Foto: Arquivo Pessoal)

O objetivo da casa é ser um local de encontro, não apenas focado nas competições de xadrez, mas prezando por competições realizadas amigavelmente, como forma de criar círculos de amizade e socializar. De acordo com Fabiano, o xadrez é uma modalidade esportiva que faz com que as crianças aprendam sobre o respeito pelo outro, desenvolvam o seu pensamento concreto e matemático, pratiquem a cortesia e tirem lições dos seus erros.

“O xadrez é um jogo muito legal para quem tem interesse pelo esporte como um hobby, uma atividade mental, e também é muito interessante e desafiador para quem tem objetivos maiores no meio. Nesse segundo caso, o foco e a determinação para estudar são essenciais. Os resultados são a longo prazo, mas toda dedicação vale a pena”, declara a Campeã Brasileira Universitária de xadrez, Marina Martins.

Para Marina, o xadrez não é muito valorizado no Brasil, e que não é um esporte que atrai tanta visibilidade e incentivo quanto outros. (Foto: Arquivo Pessoa)

Não é só na Capital que o xadrez faz parte da vida dos enxadristas. No último dia 29, foi realizado o 1º Torneio Online de Xadrez Escolar de Sapucaia do Sul, a primeira edição virtual, devido a pandemia. A competição, que existe há 9 anos no município, foi desenvolvida pelo professor Índio Iguatemi Siebra, da Escola Marechal Bitencourt, e pelo secretário de Esporte, Charles Ribeiro de Andrade. O torneio foi dividido em três categorias do masculino e três do feminino: sub 13, sub 15 e sub 17.

Organizado juntamente com a Federação Gaúcha de Xadrez, o 1º Torneio Online de Xadrez Escolar reuniu 103 jogadores de nove cidades do estado, sendo 33 representantes da cidade de Sapucaia do Sul e 10 da Capital. Houve premiações em troféus “Campeão Geral” para as escolas de Sapucaia do Sul e para escolas visitantes e medalhas para os demais classificados.

O Campeonato Estudantil do Rio Grande do Sul (CERGS), que ocorre anualmente, teve sua edição de 2021 cancelada e sem previsão para ser realizada devido ao cenário atual da pandemia. O evento é desenvolvido pela Secretaria Estadual do Esporte e Lazer e serve como seletiva para a participação do Estado nos Jogos Escolares da Juventude, incluindo, além do xadrez, as seguintes modalidades: Atletismo, Badminton, Basquete, Ciclismo, Futsal, Ginástica Rítmica (somente feminino), Handebol, Judô, Natação, Tênis de Mesa, Voleibol e Vôlei de Praia. Podem participar jovens de 12 a 14 e de 15 a 17 anos, nas categorias feminino e masculino.

A reportagem tentou contato com a Prefeitura de Sapucaia do Sul e com a Secretaria Estadual do Esporte e Lazer, mas não obteve retorno até o fechamento da matéria.

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