O jornalismo necessita de pessoas

William Martins
Redação Beta
Published in
9 min readSep 23, 2020

O olhar humanizado das reportagens é o que marca a segunda rodada de publicações na Editoria Geral

A ‘Alfabetização infantil não sofrerá impacto irreversível durante pandemia, diz pedagoga’ fala sobre as desigualdades sociais na educação brasileira (Foto: Santi Ved/Unsplash)

A diversidade de assuntos, assim como a humanização nos textos, marcaram a segunda entrega de reportagens da Editoria Geral, da Beta Redação. As temáticas vão de agroflorestas a poesia, sem esquecer da pandemia do novo coronavírus, que segue em pauta. Além disso, o conteúdo publicado está mais refinado, o que mostra o salto de qualidade das matérias, que superou a entrega passada.

O jornalismo peca quando realiza a construção de matérias frias, baseadas apenas em números, que não trazem narrativas contextualizadas no cotidiano das pessoas. Enquanto jornalistas, não podemos permitir que a técnica e a eficiência tomem conta das produções. Elas são importantes, mas se não estiverem ancoradas no pilar narrativo humanizado, a reportagem fica sem alma. Não transmite ao leitor o que de fato importa, que é a percepção do Outro, a partir de uma nova perspectiva.

Quando humanizado, o jornalismo põe em prática questões que fazem parte do seu dever, como a defesa dos direitos humanos e da cidadania — característica que está latente nas reportagens na editoria de geral, pois elas apontam a sensibilidade de dados e fatos a partir das personagens, permitindo uma maior aproximação dos leitores com a realidade. Somado a isso, as matérias desta semana conseguiram adquirir um caráter informativo, mas também com leveza e esperança.

É o caso das reportagens Instituto Educacional Espírita se mobiliza pela reconstrução em meio à pandemia e Pandemia pode aumentar casos de abandono e evasão escolar, por exemplo. A primeira tem uma narrativa que comove por apresentar uma história que envolve e aproxima o leitor a partir dos relatos da importância do Instituto na vida de muitas pessoas daquela comunidade. Já a segunda reportagem trouxe no início uma série de dados sobre o abandono e a evasão escolar, que são práticas diferentes. Com isso, a repórter apresenta o indício de que o ensino remoto pode ser uma das razões que estimulam o aumento dos dados apresentados, que são de 2019, para o ano corrente. A matéria se desdobra com o relato de jovens e suas dificuldades enquanto estudantes do ensino médio e que desejam ter um futuro melhor por meio da educação. Uma dica, apenas: no texto, faltou mencionar quem realizou a pesquisa “Juventude e a Pandemia do Coronavírus”.

Ainda sobre o texto Instituto Educacional Espírita se mobiliza pela reconstrução em meio à pandemia, importa mencionar que ele apresenta duas questões muito relevantes: o incêndio no Instituto e a questão assistencial a famílias carentes, o que poderia se desdobrar em uma outra pauta. Mesmo assim, a composição humanizada da reportagem e da narrativa favorecem a leitura e aproximam o leitor: as imagens permitem conhecer a sede do Instituto e trazem uma composição interessante para a matéria, como ressalta a leitora Natássia Ferreira, jornalista. “Achei muito boa a apresentação do Instituto, porque quem não o conhece é apresentado através das fotos, que mostra o lugar e o que é feito por lá. É um texto bem escrito, coerente e de boa leitura”.

A desorganização e falta de estrutura na educação brasileira ficaram latentes durante a pandemia, comenta a leitora Indianara Kopplin, especialmente ao ler a reportagem Pandemia pode aumentar casos de abandono e evasão escolar. “A matéria mostra sutilmente que a educação do país já era falha antes da pandemia, e agora com o despreparo e a desigualdade nesse período pandêmico, nossos jovens obviamente se sentirão desanimados e abandonarão os estudos. Muito triste, já que são eles farão o futuro do país”.

Para a leitora Camila Botelho, doutoranda em Ciências Sociais, o texto ressalta ainda o problema da desigualdade social. “A notícia traz um caso bem preocupante, longe de ter alguma alternativa que resolva. A reportagem está bem construída, com dados estatísticos apontando a crescente defasagem e evasão nas escolas, que não se trata somente de uma questão de interesse, mas de desigualdades sociais e aprofundamento da pobreza”, opina.

Pandemia sempre em pauta

A reportagem Covid-19 dificulta dia a dia nas clínicas geriátricas tem uma linha de apoio que traz uma obviedade: todos os setores se readaptaram e criaram novos protocolos de convivência com a chegada da pandemia. Também é possível sentir falta da fala de um especialista sobre saúde mental. Mas, apesar da matéria abordar questões que já estão sendo ditas desde o início do isolamento social, ela realiza a função de dar luz a uma realidade esquecida, que é a dos idosos. Para a leitora Claudete Morellato, orientadora educacional aposentada da rede de ensino municipal de Canoas, "o tema é de extrema importância. A reportagem expõe uma situação recorrente em todo o país.Temos 28 milhões de idosos no Brasil e, apesar de todas suas fragilidades, muito pouco se fala ou se faz por eles”, afirma.

Já no texto Alfabetização infantil não sofrerá impacto irreversível durante pandemia, diz pedagoga sente-se a necessidade da opinião de outro especialista. Por vezes, talvez pela forma descrita, a pedagoga passava a sensação de banalização da questão retratada. A leitora Claudete Morellato faz uma sugestão: “Faria uma reestruturação no segundo parágrafo. Todas as informações foram dadas pela Professora Suzana. Ficou repetitivo: de acordo com ela, a professora alerta, segundo ela”.

Mas a leitora também comenta a importância da abordagem do tema. “O assunto está entre os mais discutidos atualmente. É uma preocupação constante de pais e professores. O tema foi muito bem abordado trazendo o posicionamento da especialista e, ao mesmo tempo, foram sugeridas atividades muito práticas, que envolvem o dia a dia da família e trazem um conforto aos pais preocupados”, afirma Claudete.

A matéria Doar sangue é possível e importante durante o distanciamento social realiza também uma função muito relevante: a desconstrução de mitos a partir da informação. A reportagem apresenta um infográfico com as indicações de tipo sanguíneo que compõe a matéria de uma maneira muito positiva. A leitora Claudete Morellato diz que a tabela inserida é muito didática e que as informações contidas no texto estão completas. “O título e o subtítulo chamam a atenção pela relevância do tema, e a matéria ressaltou a importância das doações, com indicativos de local e horários onde pode ser feita a coleta do sangue. Uma matéria para ser compartilhada por trazer muitas informações importantes”, afirma a leitora.

Mas para Camila Botelho, faltou problematizar a questão da proibição de sangue por homossexuais, antes da decisão do STF. “Boa reportagem, essa foi uma notícia pouco veiculada nas mídias, acredito que essa mudança possa fazer diferença nos estoques de hospitais com a maior divulgação desta informação. Acho que valeria a pena problematizar o motivo da proibição”.

Em Transporte público adota medidas de segurança extras durante a pandemia são abordadas diversas informações sobre os cuidados no transporte público, passando por motoristas e passageiros. Contudo, os dados de flexibilização de abertura das cidades mudam constantemente, e trazem o risco da matéria ficar desatualizada. O infográfico, inserido ao final, poderia ser colocado antes, para ilustrar o texto, e a leitora Claudete Morellato acredita que a matéria poderia ser menor, já que o assunto vem sendo tratado recorrentemente na mídia. Ainda assim, a leitora acredita que “o tema é muito importante para a população que utiliza o transporte público. Os cards apresentados no final, com as medidas implementadas são muito bons”. Para a leitora Natássia Ferreira, “a matéria é bem escrita, bem completa e contemplou os aspectos sobre o transporte público. O texto tem coerência, traz dados, traz as fontes”, comenta.

Encerrando o bloco de reportagens com pautas diretamente relacionadas ao momento atual de preocupação com a Covid-19, a matéria Aumentam os resíduos e os cuidados na coleta de lixo durante a pandemia relata a situação de setores que estão na linha de frente de enfrentamento ao vírus e que são fundamentais para a mínima organização das cidades. A reportagem é bem escrita e traz informações que não são comuns de ver e ler na grande mídia, como o aumento da produção de resíduos sólidos e hospitalares neste período. O infográfico ao final da reportagem é bem explicativo, mas inseri-lo antes na página poderia valorizar a publicação.

“A reportagem traz um importante alerta que é o excesso de produção de lixo em função das pessoas passarem mais tempo em casa. Deveriam ter campanhas incentivando a redução de lixo”, afirma Camila Botelho. Já a leitora Indianara Kopplin diz que a matéria serve de alerta: “enquanto uma parte das pessoas fica no conforto da sua casa, essa reportagem mostra que há um outro grupo que está trabalhando dobrado para manter muitas famílias em casa e em segurança. A reportagem é muito linda, emocionante e faz abrirmos os olhos e refletirmos mais sobre o período atual”, comenta.

Os temas na contramão

O Pantanal, um dos biomas brasileiros, queima. O fogo que consome milhares de hectares de vegetação, mata e desabriga animais e prejudica a saúde do ser humano. Esta é a notícia que está em pauta na grande mídia — e não poderia ser diferente. No último domingo o programa Fantástico, da TV Globo, apresentou uma reportagem sobre investigações da Polícia Federal indicando que o princípio de incêndio na região foi proposital.

Segundo a matéria, o fogo que já consumiu 20% da vegetação teria começado de forma criminosa, dentro de fazendas na divisa de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. A suspeita é que o incêndio foi iniciado para a limpeza das pastagens. A prática totalmente irresponsável, sem consciência ambiental e social, está causando danos imensuráveis, principalmente para a região, mas também para todo o país.

Mas há outras formas de agricultura, que respeitem o meio ambiente e sejam sustentáveis? É a pergunta que a repórter Laura Blos respondeu na reportagem Agroflorestas: conheça as florestas de comida que regeneram o solo. A publicação soa fundamental nesse momento, pois ela apresenta uma forma de produção de alimentos, que vai na contramão do que o agronegócio fomenta e parte da mídia defende.

A matéria apresenta uma outra perspectiva como meio de produção de alimentos, que preserva e traz qualidade de vida. A pauta é muito interessante e apresentou uma apuração que trouxe cases ilustrativos, positivos e ricos em informações. Além disso, o texto conseguiu manter um caráter explicativo, trazendo curiosidades sobre a temática.

“Que reportagem linda, ela faz o leitor ver uma outra forma de agricultura nunca antes comentada e incentiva as pessoas a cuidarem mais da natureza. É uma grande opção para os agricultores pararem de usar agrotóxicos e equipamentos que fazem mal para o meio ambiente e para o próprio agricultor”, afirma a estudante de moda, Indianara Kopplin.

A reportagem se distancia da grande mídia e apresenta soluções alternativas para a agricultura (Foto: Sívlia Zoche Borges)

Outro texto que se diferencia da pauta do dia é “Piloto poeta” anima viagens de trem, com uma narrativa que prende o leitor e traz prazer a leitura. O vídeo que finaliza a matéria oferece um desfecho muito positivo ao conteúdo.

Leitoras da Beta Redação sentiram falta de mensagens do operador de trens para ilustrar a matéria (Foto: Trensurb/Divulgação)

“O título chama atenção pois não é comum acontecer isso e achei muito boa a iniciativa de valorizá-lo, através da reportagem. O texto é muito claro. Bem construído e acessível. À princípio pareceu um texto longo, mas no decorrer da leitura desperta a curiosidade sobre a história, levando facilmente até o final do texto”, afirma a leitora Claudete Morellato.

A jornalista Natássia Ferreira sentiu falta de ler alguma das mensagens do operador de trem. “É uma matéria muito boa, o texto é coerente, bem escrito. Fiquei com gosto de saber o que ele escreve, o título ‘piloto poeta’ dá a ideia de que em algum momento vai ser apresentado algo escrito por Klein”, comenta.

Por fim, na matéria Convivência entre humanos e animais traz benefícios para a saúde mental, o repórter apresenta uma narrativa muito bem construída no lead, que conduz o leitor para um contexto histórico do assunto abordado. Além disso, a reportagem apresenta dados e diversidade de fontes. Mas por ter longos parágrafos, a leitura acaba se tornando cansativa.

“Reportagem maravilhosa, pois, tem vários dados e informações que nem imaginávamos. Quando lemos o título parece algo que em parte já sabemos, mas as informações apresentadas são bem diferentes do esperado, e o texto é bem embasado”, afirma Indiana Kopplin. Ela ainda ressalta a qualidade das falas dos entrevistados. “Os relatos são muito bonitos e inspiram bastante a termos e adotarmos os animais. Uma matéria muito linda, bem escrita”, comenta.

“O repórter trouxe bastante sensibilidade, soube abordar o tema de maneira leve e positiva. Trouxe vários ramos do assunto, que deixaram a matéria bem completa. A escolha das fotos deixa a gente com vontade de adotar um animalzinho de estimação”, afirma Natássia Ferreira.

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