O legado de Merkel e o futuro da Alemanha com Olaf Scholz

Após 16 anos no poder, Angela Merkel (CDU) começa a se despedir como chanceler do país. Analistas projetam maior atenção às questões ambientais no novo governo

juliana peruchini
Redação Beta
7 min readOct 15, 2021

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Desde 2005, Angela Merkel (CDU) é chanceler da Alemanha e uma das mulheres mais poderosas do mundo. (Foto: European People’s Party/Flickr)

Depois de comandar a maior economia da Europa por 16 anos, Angela Merkel (União Democrata Cristã, CDU na sigla original) teve seu substituto definido nas eleições realizadas em setembro na Alemanha. O posto será ocupado pelo atual Ministro da Economia, Olaf Scholz (Partido Social-Democrata da Alemanha, SPD).

No tempo em que esteve à frente do governo alemão, a chanceler, que foi a primeira mulher eleita para governar o país, enfrentou diversas crises, estabilizou a economia e quebrou barreiras ao abrir as fronteiras para os imigrantes refugiados da guerra na Síria, algo que nunca ocorreu antes na história da Alemanha.

Sobre este tema, a Beta Redação entrevistou cientistas políticos e internacionalistas a respeito do futuro da Alemanha após a saída de Merkel e como ficam as relações com o Brasil. O meio ambiente e as últimas eleições também estiveram na pauta.

O futuro da Alemanha e uma história marcada por Merkel

Na visão do cientista político Luiz Eduardo Garcia da Silva, Angela Merkel soube lidar com as diversas situações adversas durante o mandato, como as crises da Covid-19, da migração da população da Síria e do Brexit. “No meio de tudo isso, a Alemanha conseguiu manter sua estabilidade política e econômica”, comenta.

Apesar da reconhecida aprovação de sua gestão, a chanceler também cometeu seus erros, como aponta doutorando em Ciências Políticas Leonardo Bandarra, da University of Göttingen na Alemanha. “Merkel foi uma líder com pouca mobilização própria e que é criticada por não ter promovido ativamente nenhuma política de mudança na sociedade. Boa parte de suas decisões mais significativas foram motivadas especialmente por questões ambientais. Por exemplo, a decisão de retomar o desligamento das usinas atômicas em 2011, pós Fukushima, e, mais recentemente com as enchentes em Nordrhein-Westphalen”, enumera.

O legado de Merkel, para Bandarra, ficará marcado pelo êxito na política externa. “Eu classificaria Merkel, principalmente, como uma gestora para tempos de crise e uma líder no campo europeu e externo, só que menos no campo interno”, analisa.

O vice-chanceler da Alemanha e Ministro das Finanças assumirá a chanceleria em breve. (Foto: dirkvorderstrasse/Pixy)

Pelo fato de a Alemanha ser o quarto país mais rico do mundo, mesmo após tantos conflitos e crises ambientais enfrentados nos últimos anos, a entrada de Olaf Scholz (SPD) não deve provocar muitas mudanças na condução política do país, segundo Luiz Eduardo Garcia.

Em outras palavras, seja qual for o caminho que os próximos governos decidirem tomar, será muito custoso desviar dos rumos determinados pelas decisões e escolhas políticas definidas por Merkel”, observa.

Já a cientista política Aline Burni destaca os erros, já apontados pelos demais analistas, cometidos por Angela Merkel, porém vê com outros olhos sua atuação em relação a grandes temas, como o desemprego. “Ela conseguiu gerir o país muito bem. O país cresceu durante a era Merkel e o desemprego caiu. Vai ser lembrada por acolher os refugiados e todo o seu esforço para integrá-los na sociedade alemã”, sintetiza.

Com um legado marcante, Angela Merkel poderia ter feito muito mais pelo seu país, principalmente quando se trata das questões climáticas, e isso influenciou na eleição deste ano. O então candidato Olaf Scholz garantiu sua vaga para comandar o país direcionando seu olhar para o meio ambiente, o que conquistou a atenção dos jovens.

O meio ambiente é questão-chave na Alemanha

A Alemanha pode estar trabalhando aos poucos para cuidar do meio ambiente. Entretanto, quando se trata de fontes de energia limpa, o país europeu está atrás do Brasil. A título de comparação, enquanto aqui atingimos 75% de energia limpa utilizada para eletricidade, a Alemanha pode chegar a este patamar apenas em 2050, apesar de serem os maiores incentivadores do uso desse tipo de energia em toda a Europa.

“A maior parte da energia é de combustíveis fósseis. Ela (Angela Merkel) conseguiu transformar um pouco para energia limpa, mas dizem os críticos que foi muito tímida a iniciativa dela”, comenta a cientista política Aline Burni.

Em julho de 2021, fortes chuvas causaram inundações em diversas cidades da Alemanha, episódio que resultou na morte de 173 cidadãos. Para Luiz Eduardo Garcia, essas inundações reforçam a necessidade de uma reflexão mais profunda sobre o ambiente.

“Evidentemente que as inundações e o estrago causado por elas impactam de forma direta o modo como os cidadãos e governantes alemães pensam e tomam decisões sobre o tema. Certamente esses eventos reforçam a ideia de se pensar e estruturar políticas e investimentos que estejam aderentes às pautas ambientais e climáticas”, pondera.

O cientista político também comenta sobre o quanto a Alemanha tenta trabalhar pelo meio ambiente, e o que podemos aguardar com o Partido Verde entrando no poder, como parte da coalizão governista.

“Seja como for, a presença de mais parlamentares do Partido Verde sugere que a defesa das causas climáticas será efetivamente reforçada nos próximos anos e isso já tem sido possível de se observar no âmbito do Parlamento europeu com uma série de iniciativas em defesa da redução de emissão de gases estufa e também de pressão para a implementação de políticas efetivas no âmbito da segurança climática”, complementa.

Já Leonardo Bandarra sugere que a crise do clima foi o que mais influenciou na eleição do Partido Verde. “A mudança climática foi, de fato, o tema mais relevante nas pesquisas pré-eleitorais, principalmente depois das enchentes no Noroeste alemão no início do ano. Ela será uma pauta prioritária, com certeza, ainda mais com os verdes no poder em coalizão com o SPD.”

As futuras decisões do Partido Verde na Alemanha devem demonstrar que as questões ambientais irão afetar o futuro do país. “Talvez esse seja o grande trunfo dos verdes na hora de negociar com os social-democratas seu apoio no Bundestag (Parlamento Alemão), já que os verdes vêm se consolidando como uma das grandes forças partidárias”, destaca o cientista político Luiz Eduardo Garcia. “Acredito que os verdes estão vivendo um momento central em sua trajetória, já que pela primeira vez podem se tornar uma força importante, estável e de longo prazo dentro do jogo político-partidário da Alemanha”, completa.

Em 2020, o país enviou ao Brasil cerca de 10 milhões de euros para ações ambientais, como controle do clima e conservação da biodiversidade. Em diversas ocasiões, os alemães também cobraram o Brasil pelo aumento do desmatamento na Amazônia.

As perspectivas da relação entre Brasil e Alemanha com o próximo governo

No aguardo de Olaf Scholz assumir o governo alemão, laços entre os países levantam uma série de questionamentos. (Foto: Neila Rocha — ASCOM/SEAPC/MCTI)

Com Olaf Scholz (SPD) assumindo o poder, o Brasil entra em pauta quando o foco são as relações entre os dois países e a manutenção de laços em diversas áreas. “Comercialmente, o Brasil é o maior parceiro da Alemanha na América do Sul, e o mesmo vale para a Alemanha na relação brasileira com o continente europeu. No âmbito do sistema internacional, Brasil e Alemanha são parceiros e atuam em conjunto pela reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas (o G4 é formado por Brasil, Alemanha, Índia e Japão). Nesse sentido, podemos interpretar que ambos se reconhecem como potências capazes de influenciar diretamente o sistema securitário e político internacional”, afirma o cientista político Luiz Eduardo Garcia.

Para o cientista político Leonardo Bandarra, a tendência é de continuidade das relações em um primeiro momento. “Não vejo perspectiva de mudanças significativas com relação à América Latina e ao Brasil. Da parte alemã, vejo interesse ou motivação para avançar na aprovação do acordo de livre-comércio, principalmente por conta da questão ambiental”, afirma.

A posição do Brasil foi prejudicada quando Ernesto Araújo foi ministro das Relações Exteriores do país, dando discursos absurdos sobre nazismo e a Alemanha. Com a saída de Araújo, a perspectiva é de um Brasil com uma visibilidade melhor para o país alemão.

“O Brasil hoje possui uma política externa menos atuante e com perfil um pouco mais moderado desde que Ernesto Araújo deixou o cargo, o que pode ser benéfico no caso de dar margem para maior proximidade e pragmatismo nas relações com a Alemanha”, analisa Luiz Eduardo Garcia.

Outro tópico importante é como o Brasil vai se encaminhar em 2022 para que os vínculos entre ambos os países se mantenham. No próximo ano ocorrerá a eleição presidencial, o que pode deixar a Alemanha mais atenta aos acontecimentos no país, de acordo com Leonardo Bandarra. “Um avanço e aproximação com o Brasil depende, na minha opinião, muito mais de uma provável mudança de governo em Brasília, em 2022, do que em Berlim”, observa.

Para Garcia, a próxima eleição é importante para que as vantagens do Brasil com a Alemanha possam aumentar e os benefícios sejam percebidos pelas duas nações.

“Dependendo do resultado das eleições de 2022 no Brasil, podemos ter um governo com perfil mais aberto a diferentes parcerias, inclusive com a Alemanha. Caso o projeto atual permaneça, é possível que esse perfil menos intenso seja mantido. Entretanto, o que se pode assegurar é que as relações entre ambos dificilmente serão duramente afetadas, já que é uma relação vantajosa para os dois.”

O momento entre os países continua decisivo, enquanto temos Bolsonaro como presidente do Brasil, com problemas ambientais, discursos agressivos e falhas de comunicação, o que dificulta as relações do Brasil com a Alemanha.

Enquanto isso, os alemães aguardam ansiosos por uma Alemanha mais verde e com esperança de um bom governo. O país está se despedindo de Angela Merkel, a primeira chanceler mulher e que permitiu a entrada de imigrantes sírios no país, destacando-se pelos cuidados com a Covid-19 e prestando solidariedade a países vizinhos durante tempos difíceis.

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