O medo é a origem do silenciamento

Beta Redação
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3 min readDec 15, 2020

Elói Júnior conta que foi vítima de preconceito racial cometido por um de seus alunos, enquanto lecionava

(Foto: Arquivo Pessoal/Instagram)

A falta de professores negros também é um problema para quem é professor negro, como Elói Marques Coelho Júnior, vítima de injúria racial por um aluno. Professor e desenvolvedor mobile, seu caso aconteceu dentro do ambiente de aprendizado, no ano de 2005, época em que tinha cerca de 20 anos e lecionava em uma instituição renomada em Porto Alegre, a Faculdade Alcides Maya. Primeiro dia letivo em uma turma nova, a situação se iniciou quando um aluno saiu da sala, sem dar explicações, após 15 minutos de aula.

O professor foi, então, chamado à diretoria, local em que o aluno se encontrava. Ao questionar se tinha feito algo, o diretor respondeu que o aluno simplesmente não queria ter aula com ele. De acordo com o professor, as palavras do aluno foram: “Não quero ter aula com preto, simples”. Na época, o diretor quis cancelar a matrícula do agressor, mas, no fim, o aluno continuou no curso. A pedido da direção, os outros alunos e colegas não ficaram sabendo do caso.

Atualmente, Elói conta que teria agido de uma maneira totalmente diferente e que, se a instituição não tivesse o posicionamento correto, pediria para sair do local de trabalho. Mas, no passado, reconhece que era complicado denunciar, visto que estava lecionando em uma das maiores instituições de ensino técnico de Porto Alegre. “Ali, era uma oportunidade única. Achei que se eu denunciasse poderia perder o emprego. Era muito importante aquele salário e fiquei com receio de perder”, relata.

A situação, no entanto, mostrou a Elói a dimensão do preconceito: “Foi uma coisa muito forte, escancarada. Se fosse hoje, eu teria indicado um atendimento psicológico para mim, porque foi uma coisa muito agressiva, ofensiva. O cara não querer ter aula contigo por causa da cor da pele… Isso foi muito complicado”.

Por mais que sejam sofridos, aprendizados práticos na vivência de quem é negro revelam a face preconceituosa que o estado do Rio Grande do Sul possui. O professor Elói, por exemplo, já viajou para muitos estados a trabalho, tendo, até mesmo, morado em São Paulo durante um tempo de sua vida. Segundo ele, o Rio Grande do Sul, é, sem dúvidas, o estado mais racista do país. “Aqui não é só o racismo, mas muitos fatores. O cara olha o carro com que tu anda, a roupa que tu veste, onde tu mora. É o estado mais racista por uma cultura, desde a Guerra Farroupilha, podemos dizer”, reflete o professor.

Entre suas experiências, ainda destaca que Caxias do Sul, cidade em que já deu aula, é absurdamente racista. “Tu entra em um restaurante e ficam te olhando. Em outros estados não é assim. Já fui ao Pará, São Paulo, Rio. Vivi em São Paulo e não via isso presente”, finaliza.

A responsabilidade do ambiente acadêmico

Assessora de Diversidade da Secretaria de Cultura do Rio Grande do Sul (Sedac) e formada em Jornalismo pela Unisinos, Carol Anchieta compartilha da mesma ideia que a juíza da 1ª Vara do Júri de Porto Alegre, Karen Pinheiro em relação ao ambiente acadêmico. “Eu acho que a academia é um lugar de muita responsabilidade para também junto com o governo”, disse. A jornalista também conta que não teve professores negros na graduação e nem na pós-graduação. Segundo ela, a faculdade deveria ser o lugar de excelência de conhecimento para desconstruir o racismo estrutural. “Qual universidade privada vai querer desestruturar o seu poder branco?”, questiona.

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A Beta Redação integra diferentes atividades acadêmicas do curso de Jornalismo da Unisinos em laboratórios práticos, divididos em cinco editorias.