O medo que aflige os prefeitos de pequenas cidades gaúchas

Políticos se articulam para reagir à PEC de Bolsonaro e evitar que seus municípios sejam extintos

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Redação Beta
5 min readNov 14, 2019

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Prefeituras de pequenas cidades, como Boa Vista das Missões, ficaram surpresas com a proposta do governo (Foto: Prefeitura de Boa Vista das Missões)

O Rio Grande do Sul é o estado mais atingido pela possibilidade da extinção de cidades com população inferior a 5 mil habitantes e arrecadação própria inferior a um décimo do total da receita. Segundo dados analisados, 226 municípios seriam aglutinados com outras localidades pela proposta apresentada pelo Ministério da Economia na última semana.

Para saber os impactos que isso representaria à sociedade gaúcha, a Beta Redação procurou a visão de prefeitos destas pequenas cidades do interior. De forma unânime, todos alertaram para uma possível mudança nos benefícios obtidos ao povo, além das alterações na rotina básica de alguns serviços como saúde, educação e segurança.

“Eu acho que os deputados vão ver o nosso lado nessa história”

Prefeito Carlos Bueno (E) ao lado do deputado estadual Dalciso Oliveira. (Foto: Reprodução/Facebook)

No noroeste está situada a cidade de Boa Vista das Missões. Pertencente à microrregião de Carazinho, distante 330 km da Capital, vivem 2.104 pessoas, de acordo com a estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) feita no ano passado. Emancipada apenas em 1993, Boa Vista das Missões não completou a sua terceira década.

Com todos os percalços listados — distância da metrópole, população pequena e pouca tradição —, um desenvolvimento naturalmente é complicado. O prefeito da localidade, Carlos Bueno, do PSB, vê um empecilho na proposta. “Essa questão de receitas próprias é muito singular. Os pequenos municípios já têm um atrativo para que a população cresça e se desenvolva de forma planejada dentro dos municípios. Às vezes não cobrando IPTU, às vezes cobrando barato, às vezes sem taxas, como coleta de lixo e outros tipos de taxas que são receitas municipais para que a comunidade cresça. É difícil conseguir aumentar a receita quando vai prejudicar a população.”

Com uma economia baseada na agropecuária, principalmente de leite e suinocultura, o mandatário reclama que tal forma não é considerada no cálculo. “É daqui que sai a produção”, exalta-se. Outro ponto elencado pelo administrador é o tamanho do município, que tem 194,815 km², “muito maior que cidade com 100 mil habitantes”.

O prefeito de Boa Vista das Missões garante não ter preocupação em perder o cargo, por mais que já esteja na terceira passagem na função. “Sou funcionário público. Estou prefeito nesse momento”, analisa. Carlos Bueno descreve que quando Boa Vista era um distrito, pertencente a Palmeira das Missões, existiam casos de crianças tendo que fazer o deslocamento até escolas por até 10 km a pé. Ele acredita que a proposta não avançará em seu trâmite normal. “Eu acho que os deputados vão ver o nosso lado nessa história, o lado do povo, não o lado do prefeito.”

“Lançaria um desafio de fazer uma pesquisa com a população”

Prefeito de Westfália, Otávio Landmeier, e a vice-prefeita, Evanete Grave, entre integrantes da Brigada Militar (Foto: Divulgação/Facebook)

Não muito diferente é o posicionamento de Otávio Landmeier. Eleito pelo MDB, prefeito de Westfália, no Vale do Taquari, também é contra o Projeto de Emenda à Constituição (PEC) do Pacto Federativo. Ele garante articulação feita já com outros políticos, via associação dos municípios, sobre o tema. Diz ser contra impostos como IPTU, ISS e ITBI. “Onde o ICMS é gerado? No município, e não é levado em conta!”, explica.

Segundo levantamento populacional, são 2.793 moradores em Westfália, sendo 60% deste montante na área rural. Cidade emancipada em 2001, porém criada em 1996, ainda busca consolidar a identidade junto aos habitantes, mas já registra avanços. “Lançaria um desafio de fazer uma pesquisa com a população. Vão dizer que preferem ficar exatamente como está”, pondera Landmeier.

Para combater a proposta, o mandatário traz dados da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (FIRJAM). Pelo índice, cidades pequenas do Rio de Grande do Sul se destacam pela gestão fiscal. Casualmente, aponta o político, o município comandado por ele é o terceiro com melhor pontuação no estado.

O prefeito da cidade distante 118 km de Porto Alegre está descrente no avanço da proposta, porém faz um alerta. “O que me preocupa mais é a PEC 45, essa sim prejudicaria o pequeno município”, prevê. O projeto trata da reforma tributária e pode unificar impostos, que ainda são repassados às cidades.

“Alguma coisa por trás”

Prefeito Léo Cendron (D) em visita ao deputado estadual Covatti Filho (Foto: Reprodução/Facebook)

Segundo o último levantamento populacional que abrangeu União da Serra, realizado em 2007, a cidade tinha 1.666 habitantes. O site do município, que fica a quase 200 km da Capital, indica que 85% dos moradores vivem no campo, enquanto apenas os 15% restantes, ou seja, pouco mais de 200 pessoas, moram na área urbana.

Por essas e outras bandeiras que o prefeito Léo Cendron, do PTB, ex-vereador e ex-vice-prefeito, acusa espanto com a proposta que veio a público na semana passada: “Surpresa. Ninguém esperava. Projetávamos o pacto federativo de outra forma. Apavora”. Ele aponta que, nos últimos 27 anos, quando tudo foi comandado da sede própria, muitas coisas mudaram. Na visão dele seria um retrocesso voltar atrás: “Uma bomba, uma medida inconsequente”.

O político argumenta que 95% da economia vêm da agropecuária. Os investimentos em saúde e educação são maiores do que no tempo em que o local era um distrito de Guaporé. “Somos a terceira no estado que mais investiu em educação e a sexta no país”, afirma. “Mudar isso seria uma insanidade. É muito fácil fazer de cima pra baixo uma decisão sem estudo”, esbraveja.

Com os poucos dias passados desde que surgiu a informação sobre a possibilidade de extinção de pequenas cidades, há um impasse entre os servidores municipais, segundo o prefeito de União da Serra. “E o funcionalismo. Como fica? Estão todos preocupados. O desemprego está aí”, aponta.

Assim como informado pelo prefeito de Westfália, Cendron entende que a PEC 45 também é prejudicial para os pequenos municípios e pode fazer tanto ou mais mal que o projeto da extinção, que para ele é uma “polêmica criada” para esconder “alguma coisa por trás” da medida apresentada pelo governo federal.

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