OMBUDSMAN: O ‘novo normal’ não deveria virar rotina

Brasil é o terceiro país com mais casos de Coronavírus no mundo e a flexibilização do isolamento social coloca em risco a população

William Martins
Redação Beta
5 min readOct 21, 2020

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Praia do Flamengo, no Rio de Janeiro, no início de setembro. (Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil/Fotos Públicas)

A pandemia do novo coronavírus pode ser narrada a partir de diversas óticas. Mas é inegável que a rotina de todos foi alterada e que o vírus transformou o comportamento da sociedade. Porém, outro fato que deveria ser consenso é o de que a pandemia ainda não acabou — e talvez esteja longe do seu fim. Contudo, há no ar um sentimento de que esse triste momento da história mundial terminou, principalmente no Brasil, que é um dos países que se destaca na liderança de casos e mortes pela doença. O país já ultrapassou a marca de cinco milhões de casos e mais de 150 mil mortes.

Esse discurso de um novo normal, que afirma que as pessoas devem se acostumar a conviver desta forma e seguir a rotina sem levar em conta a excepcionalidade do momento, vem sendo alimentado pela mídia. A humanidade vive uma pandemia que já causou mais de um milhão de mortes pelo mundo, que diariamente seguem aumentando. Somente essa questão já deveria ser motivo para que as pessoas estejam inconformadas. Vidas não se recuperam.

Apesar disso, a pandemia já perdeu espaço nos noticiários e o que está aparecendo como destaque são as pautas que tratam sobre os efeitos de uma retomada gradual nos mais diversos setores do país, ainda que recentemente Maria Van Kerkhove, responsável pelo gerenciamento da pandemia na Organização Mundial da Saúde (OMS), tenha afirmado: “a Covid-19 está longe de terminar”.

Mas a grande mídia aposta na expectativa de uma vacina que dará fim a este mal que está afligindo a sociedade. O fato é que ela não existe e ninguém tem certeza de quando ela poderá ser distribuída. Portanto, dentro dos critérios de noticiabilidade, o que temos de atual segue sendo um novo vírus que se espalhou pelo mundo, alterou as rotinas, contaminou e matou milhões de pessoas.

Redução nos números

Os mais diversos veículos de comunicação informam todos os dias o número de mortes e de contaminados no Brasil e esses índices vêm caindo desde o início da pandemia. Porém, a atualização dessa informação deveria servir de incentivo para que as pessoas tomassem ainda mais cuidados. Mas, infelizmente não é o que vem acontecendo. A pergunta que ecoa é: porque no início da pandemia a morte de 500 pessoas assustava tanto e hoje, aparentemente, já é algo comum? Onde foi parar a capacidade das pessoas de ficarem perplexas diante do sofrimento humano?

Na mesma entrevista, Maria Van Kerkhove sugeriu que as pessoas se preparem mentalmente, pois o “coronavírus ficará conosco por um tempo”. O que sugere também que ao passo em que mortes e contaminações reduzem em uma parte do planeta, elas também podem aumentar — e muito — em outras regiões. É o que ocorre na Europa. Após um período de baixa nos índices, a população não seguiu as normas de distanciamento social e cuidados com a higienização. O resultado não poderia ser outro, visto todos os alertas e orientações emitidos pelos órgãos de saúde. A OMS também afirmou que se as restrições forem suspensas prematuramente, o nível de mortalidade por Covid-19 pode ser quatro ou cinco vezes maior do que em abril deste ano. Contudo, nada disso parece ser suficiente para conter a onda do ‘novo normal’.

A importância social do jornalismo

A responsabilidade social do jornalismo está também na proteção do cidadão. O jornalista tem ferramentas que lhe permitem enxergar a sociedade por uma lente que a amplia. Nosso papel vai além de transmitir, mas também de interpretar fatos. O jornalismo necessita estar ligado a defesa do cidadão. Nossa função social não deve estar ligada a interesses econômicos e mercadológicos. E no Brasil houve uma grande discussão entre a defesa da vida ou a manutenção de uma economia saudável.

A série Pandemia, da Netflix, ainda que não trate da Covid-19, permite a aproximação da realidade atual com a trazida pelo documentário. Ela apresenta o aparecimento de uma nova pandemia de gripe e todas as consequências que surgiram com a doença. A obra também aborda toda a luta para conter as pandemias no mundo. E foi a partir desta série que os alunos da Editoria Geral da Beta Redação tiveram a oportunidade de refletir sobre o momento atual, mas também sobre o papel do jornalismo nesse contexto.

Quando a vida imita a arte

A aluna Amanda Krohn entende que seu papel como jornalista vai além de cuidar de si e dos seus. “Não sou formada ainda, mas já tenho a responsabilidade de utilizar a informação como uma ferramenta de conscientização para as pessoas ao meu redor. Como foi dito no documentário, 'basta apenas uma pessoa para uma pandemia começar', ou seja, não tem por que eu não explicar isso para as pessoas ao meu redor. Enquanto as pessoas não entenderem a seriedade da situação, não sairemos dela”, afirma.

Já a Cristina Fengler Bieger questiona que "normal" é este que vivíamos antes da pandemia, e que as pessoas desejam ter de volta. “É incrível como a vida copia a arte de forma tão peculiar e como nos tornamos dependentes frente às adversidades. Durante todos esses meses, muitas pessoas não deixaram de trabalhar e se arriscar, saindo de casa todos os dias, deixando suas famílias para servir e ajudar aos outros. Nossa construção social pode ser severamente criticada nesse momento e repensada. Torcemos diariamente para que os testes com as vacinas funcionem e que tudo volte ao 'normal', mas nós ainda sabemos o que era o normal? E será que realmente era?”, reflete.

A pluralidade de ideias é um dos pilares da democracia, portanto respeitada pelo jornalismo. Contudo, é importante compreender como se dão esses diferentes discursos para conseguir identificar falas irresponsáveis. É a reflexão do repórter Emerson dos Santos. “Respeitar e promover a liberdade de expressão e de pensamento é função primordial do Jornalismo. Então, devem os jornalistas dar espaço aos discursos que acusam os responsáveis pela saúde pública de inflar os números relacionados à pandemia, por exemplo? Não sei. A única coisa que sei é que o Jornalismo responsável deve ser pautado por fatos e dados”, comenta.

Será que precisamos nos adaptar a uma realidade distópica? A jornalista Eliane Brum, em 2016, publicou em sua coluna no jornal El País uma crítica na qual afirma que há um fenômeno inédito ocorrendo na sociedade, quando os indivíduos são senhores e escravos ao mesmo tempo. O título da coluna já sugere a argumentação: Exaustos-e-correndo-e-dopados. A sociedade precisa trabalhar, produzir, ter desempenho. Uma sociedade da exploração. Uma sociedade doente. Agora, a natureza nos oferece uma oportunidade para que paremos e prestemos atenção nos rumos que estamos trilhando e construindo. Mas, aparentemente, parece que essa chance não foi aproveitada.

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