O original humor de Claudia Tajes

Em entrevista para a Beta Redação, a escritora e roteirista fala sobre suas obras literárias, os erros e acertos da carreira e o atual governo do país

ângelo gabriel santos
Redação Beta
12 min readJun 4, 2021

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Taurina, gremista e porto-alegrense, Claudia Tajes conquista todos com suas obras bem-humoradas e originais. (Foto: Marisa Caduro. Arte: Ângelo Gabriel Santos/Beta Redação)

Carregada de boas ideias, Claudia Tajes é um dos grandes nomes da literatura gaúcha contemporânea. Em suas histórias bem-humoradas, a porto-alegrense costuma abordar temas absurdos, como o pai de família Eduardo, que se apaixona perdidamente pelas pernas de uma mulher (e compromete seu casamento ao ir atrás da dona delas), ou o desesperado por dinheiro Leonel, que se torna doador profissional de sêmen.

No entanto, a personagem de Claudia que mais me cativou foi Graça, do livro Louca por Homem, adaptado para a televisão pela HBO Latin America em 2011. Aos 13 anos, eu me deliciava semanalmente enquanto assistia às desventuras da mulher recém-separada que mudava de personalidade conforme se apaixonava por um novo homem. Foi através da série que meu interesse pelas obras da autora surgiu.

Nascida em 1963, a taurina e gremista já trabalhou como redatora publicitária e tornou-se alvo dos holofotes nos anos 2000, com o lançamento de seu primeiro livro, Dez (Quase) Amores, uma de suas obras mais vendidas até o momento. Desde então, já publicou 11 livros. Entre eles, o controverso A Vida Sexual da Mulher Feia, o incompreendido e recente Macha e o seu favorito: As Pernas de Úrsula e outras possibilidades.

Lançada em 2011, “Mulher de Fases”, adaptação televisiva do livro “Louca por Homem”, foi roteirizada pela própria autora da obra. (Foto: Divulgação/HBO)

Aos poucos, Claudia conquistou o status de escritora-humorista e passou a trabalhar para a Rede Globo, como roteirista. Em 2019, fez sua estreia como colunista na Folha de S. Paulo e publicou diversos textos criticando o atual governo do país em colunas como Política brasileira é versão mixuruca de ‘House of Cards’ e Com autoestima do capeta, ministra promove um dia com a tia Damares.

Com sua escrita irônica e ideias fora do comum, Claudia teve trabalhos publicados em países como França, Portugal, Itália e Croácia. Atualmente, segue trabalhando com roteirização para a Rede Globo e é colunista no suplemento dominical Donna, de GZH. A Beta Redação teve a oportunidade de conversar com a autora, através de mensagens de áudio, no dia 26 de maio, a respeito de sua trajetória e aventuras no mundo literário. Você pode conferir essa conversa, na íntegra, aqui. Aproveite!

De onde surgiu a vontade de se tornar uma escritora? Era algo que tu sempre quis ser ou que aconteceu aos poucos?
Eu sempre escrevi, desde quando eu era pequena. Sempre foi a coisa que eu mais gostava de fazer no colégio. Mas, como o meu pai era jornalista e escrevia muito bem, era um cara muito crítico, antes de assumir isso eu fui fazer Agronomia, Geologia, coisas que não fossem levar a uma comparação.

Mas sim, eu sempre quis escrever e, mesmo durante o tempo em que trabalhava com propaganda, em que eu era redatora, sempre chegava em casa de noite e escrevia um pouco de ficção, até para aguentar aqueles anúncios xaropes que eu era obrigada a fazer durante o dia.

Quais foram os maiores desafios que tu precisou enfrentar ao começar a escrever teu primeiro livro, Dez (Quase) Amores?
Eu tinha uma ideia e toda noite, quando eu chegava do trabalho, escrevia. Só que eu apaguei 500 vezes antes de conseguir realmente dar a forma que eu achava que poderia ser interessante para alguém ler. Aí fiz aquele tradicional tubo de ensaio com a minha mãe, minhas irmãs, que obviamente acharam que estava genial, maravilhoso. Tomei coragem e larguei na [editora] L&PM, e, para minha surpresa, foi publicado.

“Macha”, “A Vida Sexual da Mulher Feia”, “Por Isso Eu Sou Vingativa”, “Louca por Homem” e “Dez (Quase) Amores + 10” são alguns dos trabalhos literários de Claudia Tajes. (Arte: Ângelo Gabriel Santos/Beta Redação).

O sucesso do lançamento te surpreendeu ou tu já tinha na cabeça que ele seria um hit?
Não, não. Em primeiro lugar, nem acreditava que fosse ser publicado. Em segundo lugar, eu pensei que, se fosse publicado, seria um fracasso total, porque eu não tinha total confiança. Nem em mim escrevendo, muito menos no que eu tinha escrito.

Aí aconteceu uma coisa interessante, a Cris Gutkoski, editora de literatura da época na Zero Hora, leu, gostou, fez uma matéria grande e foi acontecendo. Depois, na primeira feira do livro, que foi em 2000, o Sergio Faraco gostou do livro.

Inclusive, ele que disse que era uma novela, que não era um livro de contos, por ser a mesma personagem em todas as histórias. A partir daí as coisas foram acontecendo. Foi um livro que vendeu bastante na época e até hoje ele vende no formato pocket. Ele tem um boca-a-boca, também. Embora umas coisas hoje estejam politicamente muito incorretas ali, ele ainda sobrevive.

“Comecei a escrever muito rápido, tipo um livro por ano. Então acho que teve bastante coisa ruim nesse período, que não recomendo para leitor nenhum”

Como foi a escrita dos livros seguintes? Encontrou muitas dificuldades ou foi mais fácil de lidar com o processo?
Eu acho que me subiu à cabeça o fato de terem gostado do primeiro livro. Eu achei que eu poderia sair escrevendo novos livros a partir dali sem pensar muito. A única coisa que eu sempre tenho, já que eu não tenho dinheiro, é ideias. E eu comecei a escrever talvez muito rápido, tipo um livro por ano, um livro a cada dois anos. Então acho que teve bastante coisa ruim nesse período, que eu não recomendo para leitor nenhum.

Agora, sobre o processo, é meio não querer repetir a mesma coisa, embora isso seja uma armadilha. Porque se tu tem um estilo e sabe fazer direito aquilo ali, ficar experimentando outras coisas onde tu realmente não domina nem a forma, nem o gênero, talvez seja pretensão. Talvez eu tivesse que ter me dedicado um pouco mais a fazer aquele humor mais leve que eu fazia, em vez de querer partir para outras experiências.

“Dez (Quase) Amores”, “Só As Mulheres e as Baratas Sobreviverão”, “As Pernas de Úrsula e outras possibilidades”, “Vida Dura”, “Sangue Quente” e “Partes Íntimas” completam o portfólio literário da autora. (Arte: Ângelo Gabriel Santos/Beta Redação).

Qual das tuas obras mais te marcou e por quê?
Apesar de ser um livro que não vendeu muito e que tem seus problemas, eu gosto do meu segundo livro, As Pernas de Úrsula (E Outras Possibilidades), porque ele tem um pensamento de romance, digamos, que talvez eu não tenha conseguido nas minhas outras experiências, que talvez sejam muito repetitivas.

Nesse sentido, Vida Dura, que era sobre um doador de sêmen profissional, eu acho que tem uma originalidade e, também, essa característica de romance que é difícil para mim. O livro de 2019, o Macha, é um livro que eu também acho original e que tem uma proposta interessante, embora ele não tenha sido muito bem compreendido. Acho que meu primeiro livro foi importante porque ele deu origem à série.

Nos últimos anos, você começou a trabalhar para a Rede Globo e até ajudou na roteirização da novela “Eta Mundo Bom!” (uma das minhas preferidas, por sinal). Como foi lidar com isso?
Fui contratada na Globo justamente pelo meu primeiro livro. Naquele tempo (eu estou lá desde 2010) existiam olheiros que ficavam procurando talentos com a característica de escrever para a televisão, que seriam textos rápidos, bastante visuais e com bons diálogos. Foi assim que fui parar lá.

E tem sido uma experiência boa e frustrante ao mesmo tempo, porque eu não consegui emplacar nenhum projeto autoral nesses 10 anos, embora tenha trabalhado em uns projetos de autores muito bons. Atualmente estou em uma série inspirada em quatro peças do Nelson Rodrigues, com o George Moura e o Sergio Goldenberg, que são autores muito bons. Enfim, a gente vai aprendendo e, quem sabe um dia, role um projeto autoral.

“Cada vez que pego um roteiro para fazer, tenho certeza de que não posso tratar aqueles personagens como trato os personagens dos meus livros”

Quais tu acha que são as maiores diferenças entre escrever uma história em formato de livro e em formato de programa de TV?
São completamente diferentes. No roteiro, tudo tem que ter ação. Eu não posso escrever “fulana se sentia triste e sua cabeça doía”, sabe? Eu tenho que mostrar, de alguma forma, em ações, qual é essa tristeza dela e se a cabeça dela está doendo, de preferência que ela não fique com a mão na cabeça dizendo “Ui ui ui”. O roteiro é muito difícil, além de ser um trabalho colaborativo. E no livro, não. Tu faz o que tu quer, tu que manda naqueles personagens.

Eu acho que muitos dos erros que alguns autores de literatura que vão para o roteiro cometem é deixar o roteiro literário demais, com soluções fáceis ou tudo muito falado. Estou dizendo isso sem intenção de ser pretensiosa, é o que eu tenho aprendido nesses anos trabalhando nisso. Comecei com o Jorge Furtado, que é um excelente roteirista, então essas coisas ficaram muito marcantes para mim. Cada vez que pego um roteiro para fazer, tenho certeza de que não posso tratar aqueles personagens como trato os personagens dos meus livros.

Coluna da Claudia na Folha de S. Paulo foi descontinuada após autora ser processada por Luciano Hang, dono das lojas Havan. (Fotos: Arquivo Pessoal. Arte: Ângelo Gabriel Santos/Beta Redação)

Em 2019, tu te tornaste colunista da Folha de S. Paulo. Como funcionou isso? Era algo que tu almejavas ou que ocorreu aos poucos?
Acho que acabei na Folha de S. Paulo porque teve uma entrevista do [Luis Fernando] Veríssimo em 2019 mesmo, onde ele me citou como uma colunista que estava lendo. Porque foi num dia depois que o Sérgio Dávila, editor da Folha, me procurou. Foi uma ótima experiência. Eu tinha uma coluna nas segundas-feiras, só que aconteceu uma coisa bastante chata.

Eu escrevi uma coluna sobre sonegação de impostos e citei o “Véio da Havan” (Luciano Hang). Só que era uma coluna de humor, era uma coluna de opinião. Um mês depois eu recebi um comunicado de que o “Véio da Havan” estava me processando por conta daquela coluna.

Embora eu estivesse cheia de encomendas da Folha na época, uma resenha de um livro que eu estava lendo, uma coluna especial sobre a minha relação com a Folha, um pouquinho depois de ter sido comunicada do processo do “Véio”, e com esses trabalhos em andamento, o editor me comunicou que estava havendo um rodízio e que a minha coluna seria descontinuada. Eu acho que fui vítima da censura e, enfim, nada que não esteja acontecendo com todo mundo, neste momento, mas eu não digeri isso.

Durante o início da pandemia, podemos perceber que tu publicou várias colunas criticando o governo Bolsonaro. Como foi o processo de criação desses textos?
Eu acho que quem escreve, quem tem algum espaço, quem tem algum tipo de possibilidade de falar contra esse situação que a gente está vivendo, essa situação absurda no que diz respeito à saúde, aos direitos das pessoas, aos direitos humanos, tem que, nesse momento, falar: “Fora Bolsonaro!”. E não pode parar de dizer, que essa hora vai chegar.

Não é possível matar mais de 450 mil pessoas e sair pela porta da frente. Quero ver o Bolsonaro entrando pela porta da frente na prisão. Então, por isso, eu fico até meio monotemática. Onde eu posso, escrevo a minha contribuição, que talvez no adiante seja insignificante, mas me deixa mais em paz com a minha consciência.

“Aguentar um Bolsonaro e uma pandemia ao mesmo tempo e conseguir manter o humor é só para os muito talentosos e evoluídos”

Houve alguma mudança no teu processo criativo durante o período pandêmico?
Eu acho que sim. Fiquei monotemática. Na Folha eu não consegui escrever sobre outro assunto, até porque é um público mais aberto a esse tipo de texto, e era uma oportunidade que eu tinha todas as semanas para falar alguma coisa. Mas agora já é diferente. O público é muito mais conservador e sempre que eu faço um texto mais político, as reações são horríveis, ao ponto de já ter acontecido das editoras, que são umas graças de pessoa, terem me dado toques que elas provavelmente receberam de instâncias superiores de “pegar mais leve”.

Basicamente eu acho que perdi um pouco do humor na pandemia, e isso se reflete nos textos. Mas a culpa não é minha, aguentar um Bolsonaro e uma pandemia ao mesmo tempo e conseguir manter o humor é só para os muito talentosos e evoluídos.

Com a onda de apoiadores bolsonaristas criticando a Folha e os jornalistas/colunistas, como tu lidou com os ataques e comentários ofensivos?
Na Folha eu sofri agressões bolsonaristas, inclusive do Eduardo Bolsonaro, do Sérgio Camargo, da Fundação Palmares, quando eu fiz uma coluna sobre ele. Tinha esses apoiadores sem cérebro que qualquer coisa que tu disser sobre o líder deles, não vão nem entender, mas vão ser contra. Eu lidei numa boa.

Na verdade, até chegar o processo do “Véio da Havan”, eu acreditava que era possível falar o que se quisesse nesse momento, considerando que, do lado de lá, eles falam o que querem. Eles atacam a reputação das pessoas, mentem, espalham as fakes

Não é que eu não acreditava que pudesse acontecer alguma coisa comigo, mas eu pensei que ficaria no território das ofensas, que eu não entraria numa coisa judicial, num outro tipo de agressão. Porque é uma agressão tu ser processado por alguma coisa que escreveu numa coluna assinada, onde está escrito, bem grande, lá em cima: Humor. Onde tão somente falava que ele sonegava impostos. E isso é tão verdade quanto o Bolsonaro é genocida.

“Não é possível matar mais de 450 mil pessoas e sair pela porta da frente”

Tu desenvolveu ou pensou em desenvolver outros livros durante a pandemia?
Eu não tive nenhuma ideia para livro durante a pandemia… Minto! Eu tenho um livro começado que é sobre uma professora que a vida inteira vendeu para o único filho dela as ideias de desobediência civil de Thoreau (ele acreditava em uma vida longe do consumo e do dinheiro, com respeito à natureza e sem obrigações, impostos e amarras legais), e quando o filho resolveu viver conforme os preceitos de Thoreau, ela ficou louca porque ele estava vivendo fora da sociedade.

Eu comecei, de vez em quando pego [ele], mas é que como estou com muito trabalho, não consegui me dedicar. Não é uma ideia que eu pensei durante a pandemia, mas que tentei desenvolver durante a pandemia e fracassei.

Claudia Tajes: “Espero que a gente consiga seguir com saúde, sem o Bolsonaro e cada um dando a sua parte para reconstruir o que esse genocida quase terminou”. (Arte: Ângelo Gabriel Santos/Beta Redação).

Quais são os próximos passos para a tua carreira? O que tu mais quer conquistar?
Eu gostaria de escrever um livro que fosse importante para as pessoas. Não no sentido pretensioso da coisa, mas que tivesse uma importância para quem lê, pelo menos. Não para o mundo, não chegamos a tanto, mas eu gostaria de escrever um livro relevante, seja lá o que isso signifique, nem eu sei explicar.

Eu gostaria que um dos inúmeros projetos que tenho em produtoras, na Globo e para o cinema, que um deles fosse adiante. E o que quero conquistar mesmo é, chegando dezembro, ter conseguido me vacinar e passar um tempo fora do país, porque eu não sei se tenho saúde para mais um ano. É um pouco “white people problem” falar isso com tanta gente em situação bem pior, mas eu gostaria de passar um tempo fora do Brasil.

Olhando em retrospecto para a tua carreira, tu teria feito algo diferente?
Ah, muita coisa. Eu não teria escrito alguns livros que escrevi. O livro da mulher feia, por exemplo, que foi o meu livro que mais vendeu até hoje, que ficou sei lá quantos meses na lista dos mais vendidos. Embora a minha intenção não fosse a de detonar a autoestima de ninguém, acabou parecendo uma piada, quando, na verdade, era um livro sobre uma pessoa que se sentia feia. Era uma piada, mas era uma piada que não deveria ser ofensiva. Só que eu acho que acabou sendo.

Eu tentaria escrever com humor, porque eu acho que é a maneira como eu trabalho, mas talvez procurar parcerias diferentes, ou ter insistido mais em algumas coisas que eu acabei desistindo. Nada muito grave, mas talvez, dentro dessa coisa de ser relevante, eu tivesse feito coisas diferentes. Agora também não adianta nada, é daqui para a frente.

Espero que a gente consiga seguir com saúde, sem o Bolsonaro, e cada um dando a sua parte para reconstruir o que esse genocida quase terminou. Eu sei que eu falei uma coisa que é meio incoerente com isso, que é sair do país, mas mesmo se eu sair, eu quero ajudar de alguma forma a reconstruir um pouquinho do que nos tiraram.

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ângelo gabriel santos
Redação Beta

aspirante a escritor e jornalista; escrevo sobre o que eu sinto e depois me arrependo.