O RS é o estado com maior número de suicídio entre idosos no país
Os dados, coletados a partir do DataSus mostram que 2.050 gaúchos acima de 60 anos foram vítimas fatais de lesões autoprovocadas entre 2017 e 2021
Por: Ana Oliveira, Henrique Kirch, Michele Alves e Vitor Westhauser
Ao longo dos últimos quatro meses, nosso grupo da atividade de jornalismo investigativo se concentrou em um dos temas mais difíceis de serem encarados pelo jornalismo: o suicídio. O recorte escolhido para ser investigado implicou em um segundo tabu que segue sendo enfrentado com dificuldade pela sociedade: o envelhecimento. Segundo dados do DataSus, de 2017 a 2021, ocorreram 12.240 mortes por suicídio entre pessoas acima de 60 anos no país. Entre os 27 estados brasileiros, o Rio Grande do Sul ficou em primeiro lugar neste triste e trágico ranking: dois mil e 50 idosos deram fim à própria vida no estado mais ao sul do país.
Homens e mulheres fazem parte deste cenário, mas o gênero masculino está à frente no número de casos, chegando a 81,5%. Esta porcentagem é referente a homens acima dos 60 anos. Foram cerca de 1.672 suicídios nos anos analisados pela reportagem.
Por se tratar de um tema que impacta tanto as famílias quanto a sociedade, a reportagem optou por trabalhar com dados e não com personagens, que é como no jornalismo chamamos os entrevistados que vivenciam o problema que estamos apresentando. A matéria se centrou basicamente nos dados disponíveis no Tabnet, portal que dá acesso aos dados sanitários do DataSus, do Ministério da Saúde.
Segundo dados do Departamento de Economia e Estatística do RS, em 2021, a população com 60 anos ou mais representava 19,4% do total do Estado (13,6% em 2010). Os dados mais atualizados do Censo ainda não foram liberados.
Logo, para compreender este cenário, é preciso interpretar as informações que se encontram nos gráficos. Passe o cursor do mouse em cima de cada estado para ver o número de casos nesta faixa etária.
Suicídio de idosos estados brasileiros
Ao analisar atentamente as informações do infográfico, nota-se a discrepância e disparidade, em termos proporcionais, no número de habitantes versus o número de casos de suicídio registrados em cada estado brasileiro. O Rio Grande do Sul, se destaca dos demais e revela um número alarmante no período de tempo de análise supracitado.
Antes do fechamento da edição, a reportagem apurou dados do Censo Demográfico de 2022, que identifica o Rio Grande do Sul como o sexto estado mais populoso do país com 10.880.506 habitantes. Segundo o Boletim Epidemiológico da Secretaria de Vigilância em Saúde/Ministério da Saúde, publicado em setembro de 2021, o RS é também o estado que desponta na liderança do ranking de suicídios no Brasil, com uma taxa de 11,8 mortes a cada 100 mil habitantes.
Enquanto no estado gaúcho há mais de 2 mil registros, a região baiana marca 616 casos (4,3). Bahia é líder populacional do Nordeste, 14.136.417 pessoas. Minas Gerais possui praticamente o dobro de moradores (20.538.718) em relação ao RS e registrou 1.370 casos. Taxa de 6,6 óbitos por 100 mil habitantes.
Quando pensamos no maior estado brasileiro, em termos populacionais, outra surpresa. São Paulo possui 44.420.459 habitantes e cerca de 1.853 casos (4,1) registrados nos cinco anos que a reportagem investigou.
O tema exige cuidado e é pouco discutido
Por se tratar de um assunto que exige cautela, o suicídio ainda é pouco estudado no país, assim como a importância que a saúde mental recebe. Muitos profissionais da psicologia decidem trabalhar em outras áreas do que se especializar em suicidologia, o que gera uma grande lacuna no sistema de prevenção. A falta de investimento e incentivo nesta área faz com que os profissionais não se sintam preparados para atuar sem a capacitação necessária.
É preciso enfatizar que, segundo a psicoterapeuta especializada em suicidologia, Denize Amaral, “o suicídio é um fenômeno multifatorial, diversas situações da vida de uma pessoa podem acarretar em uma tentativa”. Ela ainda explica que quando ocorre um caso, as pessoas, principalmente familiares, os chamados sobreviventes enlutados por suicídio, procuram uma motivação específica para o ocorrido, o que pode gerar culpa em si mesmas, por sentirem que deveriam ter agido de outra maneira. Entretanto, “uma única situação não pode ser responsabilizada, mas sim, compreender que as mortes causadas por lesões autoprovocadas não se devem a um único fator” afirma a especialista.
Analisando o fenômeno sob a perspectiva sociocultural da nação brasileira, na maioria das vezes o assunto é submetido a muitos estigmas, tabus, preconceitos, achismos. Dificilmente a população em geral conversa sobre saúde mental. Presas ao conservadorismo, se esquivam do assunto ou fecham os olhos para as problemáticas em torno do tema. Pensamentos e atitudes como estas reforçam o estigma que há quando o assunto é depressão, dificultando a busca de ajuda para quem precisa.
O Brasil precisa avançar em vários aspectos e áreas dentro da saúde pública em geral e da saúde mental.
No próximo gráfico conseguimos identificar os casos divididos por cada região do país.
Suicídio de idosos regiões do Brasil
Observando os dados, a partir das regiões brasileiras que se organizam entre Sudeste, Sul, Nordeste, Centro-Oeste, Norte e o Distrito Federal, é possível perceber que o Sudeste, aparentemente, está à frente dos demais. Pensando apenas nas duas primeiras regiões com mais casos, o Sudeste representa 52,7% dos casos contra 47,3% da região Sul.
Quanto ao número de casos na região Sul, em uma população de 3.284.465 idosos, foram registrados 3.717 casos, enquanto no Sudeste, mesmo com a população maior de 9.527.353, foram registrados 420 casos a mais, totalizando 4.137 óbitos por suicídio dessa faixa etária.
Na região Sul, o Rio Grande do Sul lidera a taxa de suicídio entre idosos (140,7 casos a cada 100mil habitantes) à frente dos estados de Santa Catarina (135) e Paraná (66,6) nos cinco anos apurados pela Reportagem.
O estado paranaense tem um número de habitantes muito parecido com o do RS. São apenas 747 mil habitantes de diferença. Aproximadamente a população total do Amapá.
Mesmo com habitantes a mais, o Paraná registrou 1.270 casos a menos que no RS no mesmo período de tempo. Uma diferença em número de casos de cerca de três vezes a menos.
Suicídio de homens idosos no RS
Como vimos anteriormente, os homens idosos são os mais atingidos quando o assunto é suicídio. Entre os 60 e os 80 anos nota-se grande diferença entre os números. Entretanto, em cada faixa etária a quantidade de casos se mantém parecida ao longo dos anos, ou seja, um número parecido de pessoas da mesma faixa etária morre todo ano.
Os homens de 80 anos ou mais são a menor taxa em todos os anos em que a Reportagem apurou. Entre 2017 e 2019 os números sofreram poucas mudanças, somente em 2020 e 2021 o número cresceu de maneira constante.
Já a faixa etária dos 60 aos 69 anos, é a que mais possui casos, com a maior taxa em 2019 e leve queda nos dois anos seguintes. Vale ressaltar que em 2017 e 2018 os casos eram aproximadamente 150 por ano. Nos três anos seguintes o número ficou próximo de 180 casos anuais.
Suicídio de mulheres idosas no RS
O suicídio de mulheres idosas é 18,5% do total de casos entre homens e mulheres acima dos 60 anos. É um número extremamente menor comparando ao gênero masculino, o que reforça a ideia de que os homens da mesma faixa etária são mais afetados por fenômenos externos que levam ao suicídio.
Entre os anos investigados, 2017 a 2021, a faixa etária que mais há casos é a de 60 a 69 anos, assim como acontece com os homens. Segundo Andrea Volkmer, “no suicídio a gente tem esse drama de não ter nada certo, 100% (de certeza)”, ela se refere à compreensão dos fatores influenciadores.
As mulheres de 80 anos ou mais são as que menos aparecem nos dados, mas após uma leve queda de 2017 para 2018, os números passaram a aumentar um pouco ano a ano até 2021. Explicar aumentos como este não é algo simples, mas não se pode ignorar a existência de uma pandemia que causou abalo emocional em pessoas do mundo inteiro. Lembrando ainda, que os idosos eram os mais vulneráveis aos sintomas do Covid-19.
Esse aumento de casos no ano de 2020 e 2021 também ocorreu com as mulheres entre 70 e 79 anos, subindo de 16 casos em 2019 para 24 e 25 nos dois anos seguintes respectivamente.
O Brasil precisa avançar em vários aspectos e áreas dentro da saúde pública em geral e da saúde mental. Ações que se comprometam com o cidadão que está passando por um momento de sofrimento intenso, profissionais que estejam engajados e devidamente capacitados para identificar os fatores de risco e os fatores de proteção e com isso melhorar o atendimento e avaliação, levando em conta as demandas e particularidades de cada indivíduo, unificar a sociedade onde cada cidadão pode auxiliar em ações que promovam a valorização da vida e prevenção do suicídio, palestras e diálogo desde a base, em escolas, por exemplo, falando da importância da Saúde Mental e da Promoção e Valorização da Vida.
A reportagem teve oportunidade de entrevistar Andrea Volkmer, Especialista em Saúde na Secretaria Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul e Coordenadora do Comitê Estadual de Promoção à Vida e Prevenção do Suicídio. Ela confirmou informações que a Reportagem apurou e falou de iniciativas que já estão acontecendo, algumas promovidas pelo próprio Comitê e as que são realizadas pela Gestão Municipal de cada cidade do RS. Também, qual o posicionamento do Estado frente ao fenômeno do suicídio e o que ainda precisa ser feito para que o número de casos diminua. Confira esse bate-papo importante na matéria “MUDANÇA CULTURAL E VALORIZAÇÃO DA SAÚDE MENTAL”.