Seu trabalho pode lhe deixar doente?

Chefes abusivos, metas inatingíveis e clima tenso afetam diretamente a saúde dos colaboradores

Paula Câmara Ferreira
Redação Beta
6 min readNov 22, 2018

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Marcela*, 23 anos, caminha pelas ruas pensando no rumo que sua vida estava tomando. Será que todas pessoas comparam seus trabalhos a prisões? A passos lentos, encara o trajeto de 2 km da estação de trem até o suntuoso prédio que abriga a sede da empresa em que trabalha há meio ano. Para a jovem, o percurso parecia muito curto. Quanto mais se aproxima do local de trabalho, mais seus batimentos cardíacos aumentam, sua garganta parece que vai fechar, suas mãos ficam frias e úmidas. Faltando duas quadras até o escritório, Marcela paralisa. Nesse momento, ela teve uma crise de ansiedade, a primeira das muitas que estariam por vir.

O ataque que acometeu Marcela foi causado pelo estresse vivenciados nos últimos meses no seu trabalho. Pressão por bons resultados, desvalorização, humilhação na frente dos colegas e outros fatores, a fizeram enxergar o ambiente de trabalho como um local tóxico. Situações como a dela não são casos isolados, pois essa pressão vivida pelos profissionais pode desencadear ansiedade, estresse e, até, depressão.

Toda esta tensão, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), fará com que até 2020 a depressão seja a segunda principal causa, a nível mundial, de afastamento de profissionais. Além disso, em 2016, no Brasil 38% das licenças da Previdência Social foram por distúrbios psíquicos.

Primeiros sinais

Para a especialista em gestão de recursos humanos e coach, Graciely Casagrande Alves, 41, fofocas, grosserias, pessoas negativas, excesso de competitividade são fatores que transformam o trabalho em um ambiente tóxico. “Não podemos deixar de falar de assédio e bullying, assuntos que precisam ser lembrados, sempre”, complementa.

Parece estranho relacionar bullying com o mundo empresarial, mas ele acontece também nessa área e é conhecido como mobbing. Marcela lembra de uma vez em que estava comendo uma fruta e seu superior falou que ela estava comendo demais. Em outra vez, no horário de almoço, lembrou que o chefe passou a comentar o quanto o celular era viciante. "Comparou o aparelho a uma droga e sugeriu que eu largasse o vício, sendo que eu só pego o telefone no meu intervalo”, relata.

Estresse, ansiedade e depressão são sintomas sentidos pelos profissionais que trabalham em ambientes tóxicos (Reprodução/PixaBay)

Outro problema reconhecido pela jovem é a falta de trocas de ideias em uma profissão em que essas atitudes deveriam ser incentivadas, mas segundo Marcela, seus colegas de trabalho são repreendidos quando conversam. Além disso, ela nunca sabe qual será a reação do chefe. “Não importa o assunto, se ele não gostar do teu tom… Pronto! O surto acontece. Eu tenho medo de mostrar meu trabalho, pois não sei o que pode ser um gatilho para ele”, conta.

Graciely aconselha os profissionais a estarem atentos a sinais caso sejam comuns situações de desrespeito ou coerção. “Sabe quando você já sofre no domingo por ter que acordar em uma segunda-feira cedo? Você fica nervoso ao lembrar que vai encontrar aquela pessoa que lhe faz mal? Isso pode ser sinal que está em um ambiente tóxico”, alerta a especialista.

Mesmo com as adversidades no cotidiano da empresa, Marcela demorou a perceber a gravidade da situação. “Achei que eu não estava me adaptando à empresa. Eu saia de lá estressada e ficava brava com qualquer coisa. Depois vieram as crises de ansiedade, sem contar que nunca tenho vontade de trabalhar e dar o meu melhor”, desabafa.

Marcela conta também que a empresa não costuma investir em treinamentos e muito menos em atualizar as máquinas, o que gera frequentemente cobranças e ameaças. “Meu chefe pede para que eu faça um trabalho sem ter o equipamento certo para isto. Mesmo assim, sou exigida para que dê um jeito e execute a tarefa, caso contrário, escuto a frase: ‘então vou ter que pagar alguém melhor para fazer’ ”.

Graciely lembra que o profissional precisa se sentir estimulado e trabalhar com pessoas amigáveis, fatores diretamente ligados a produtividade.

Ambiente de trabalho ideal

Para a especialista em RH, todas as empresas têm o dever de proporcionar um ambiente de qualidade para que o funcionário tenha condições de desenvolver suas tarefas. “E isso vai muito além de dar um bom equipamento para ele produzir. Essa preocupação se mostra quando propiciamos ambientes abertos, com boas estruturas, uma equipe que trabalha integrada e líderes motivadores”, exemplifica.

Graciely destaca que a principal diferença entre chefe e líder é que enquanto um dita ordens, o outro orienta e inspira a sua equipe. O líder confia nos colaboradores e dá autonomia para eles trabalharem.

“É importante conhecer a sua equipe e também a vida de cada um fora trabalho. Tenho para mim que a riqueza de uma empresa depende da saúde dos trabalhadores”, acrescenta a coach.

Já no ponto de vista de Marcela, a empresa ideal é moldada em um ambiente colaborativo, que invista no endomarketing e que queira ver seus funcionários felizes no local de trabalho. “Sonho com um emprego que eu tenha liberdade. Onde eu não seja vigiada a todo instante e que os meus superiores não tentem me oprimir, me diminuir como profissional e me menosprezar para que eu não saia da empresa”, desabafa.

Graciely aponta características típicas de ambientes de trabalho e alerta que o clima organizacional influencia a produtividade dos funcionários (Infográfico: Beta Redação/Paula Ferreira)

Procure ajuda

A rotina de Marcela exige criatividade. A ansiedade gerada pelo ambiente de trabalho nocivo a levou a ter um bloqueio criativo e uma queda de desempenho na empresa. Além da pressão por bons resultados, era preciso conviver com a histeria do seu chefe.

“Em uma das primeiras reuniões que participei na empresa ele quase quebrou o celular. Batia com ele na mesa enquanto esbraveja que a culpa da nossa incompetência era do vício em tecnologia”, relembra.

Para lidar com os problemas de saúde que a carreira trouxe, há pouco mais de 30 dias Marcela iniciou terapia e também uso de antidepressivos. “Foi constatada minha depressão na primeira consulta com a psicóloga e fui aconselhada a mutuamente completar o tratamento com um médico psiquiatra para controlar a depressão e ansiedade”, conta.

Na empresa da jovem não existe nenhum setor de RH, sendo o chefe que cuida de todas as questões. Por isso, Marcela só vê uma saída para seu problema: pedir demissão. “Estou enviando currículos. Mas infelizmente, não posso sair de lá sem outra oportunidade em vista”, explica.

Contudo Graciely defende que sempre que possível o funcionário deve procurar o RH da empresa. “Sugiro que a pessoa seja transparente e quando não se sentir confortável falar sobre isso. Não podemos ter medo, acredito que conversando muitas coisas podem ser resolvidas”, expõe.

Para a especialista, existem casos solucionáveis, inclusive ela presenciou pessoas que passaram por empresas com ambiente tóxico e, mesmo com medo, foram até a diretoria e resolveram as questões. A ajuda de psicólogos e coaches foi fundamental. “Há casos mais extremos, no qual nada foi feito pela diretoria apesar de várias conversas. Então o pedido de demissão foi necessário”, fala.

Saiba seus direitos

Segundo a advogada trabalhista e cível Mirna Martins, 28, um ambiente de trabalho pode ser tóxico dependendo da maneira como os superiores tratam os seus funcionários ou ainda quando o local apresenta uma estrutura inadequada.

A especialista explica que a abusividade por parte do superior também é passível de um processo trabalhista. “O empregado pode requerer a rescisão do seu contrato de trabalho de forma indireta, como se o empregador demitisse o funcionário", esclarece.

Além disso, é possível requerer a indenização por danos morais na justiça de trabalho quando o funcionário é tratado de forma humilhante ou degradante pelo superior. “Podemos citar exemplos passíveis de processos: exigir do empregado serviços superiores às suas forças, tratar o empregado com rigor excessivo ou deixar de cumprir as obrigações do contrato de trabalho”, explica.

Nos casos em que o funcionário desenvolve uma doença física ou mental decorrente do emprego, Mirna afirma que os direitos são assegurados pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). “A CLT garante aos empregados que sofrem acidentes de trabalho, incluindo doenças mentais e físicas, como por exemplo a estabilidade provisória de 12 meses”, esclarece.

Ainda, em alguns casos, a doença pode causar uma incapacidade a longo prazo ou até sem reversão e, sendo assim, o trabalhador poderá recorrer uma pensão mensal vitalícia. “A comprovação é realizada através de perícias e apresentação de laudo médico”, conclui Mirna.

*A pedido da entrevistada, o nome foi trocado para preservar sua identidade.

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Paula Câmara Ferreira
Redação Beta

Estudante de Jornalismo. 25 anos. Apaixonada por: animais, livros, música e séries.