Imagem mostra a diferença gritante entre homens e mulheres parlamentares (Foto: Lula Marques)

O silenciamento das mulheres na política

Mesmo com políticas públicas e cota mínima de 30% para candidaturas femininas, as mulheres ainda lutam pela sua voz

Carol Steques
Published in
6 min readSep 12, 2020

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Em pleno século XXI, ainda é muito difícil para as mulheres conseguirem conquistar espaço. Hoje, existem políticas públicas que as auxiliam e protegem, mas ainda o sonho de andar na rua sem sofrer nenhum tipo de violência física ou moral, de ganhar seus direitos igualitários aos homens e de poder falar sem ser interrompida ainda é muito distante. Até mesmo em suas áreas profissionais, as mulheres sofrem com o machismo, sendo ainda muito gritante a diferença entre a quantidade de homens e mulheres em cargos de direção, por exemplo. E este cenário reflete na política nacional, que apesar das mulheres terem conquistado o direito ao voto em 1932, e ter a primeira mulher eleita presidente em 2010, o país ainda tem um longo caminho até a paridade entre homens e mulheres no poder.

A deputada federal Fernanda Melchionna (PSOL), ressalta que são realizadas algumas ações afirmativas para diminuir a enorme diferença entre homens e mulheres na política, como cota mínima de 30% para candidaturas femininas e destinação de 30% do fundo eleitoral, buscando assim atacar o problema da baixa representatividade feminina. Ela destaca que apesar disto, essas ações ainda têm “suas funções desviadas para cumprir objetivos corruptos”. “O Laranjal do PSL, primeiro escândalo do governo Bolsonaro, é um exemplo claro disso. Isso só mostra como historicamente os direitos das mulheres são negociados por aqueles que operam a política do toma lá, dá cá”, explica a deputada.

A deputada federal Fernanda Melchionna ressalta que “a ampliação da representatividade das mulheres na política segue sendo uma das principais bandeiras de luta feminista” (Foto: Reprodução / Facebook Fernanda Melchionna)

Ela ressalta que as mulheres sentem o machismo cotidianamente, e, que no Congresso, um espaço majoritariamente dominado por homens, ainda mais. Seja enfrentando as visões e projetos machistas e conservadores, que tentam retroceder os direitos femininos, ou através de expressões e falas que tentam intimidar, definir a roupa que as parlamentares devem vestir e até mesmo calá-las.

Mônica Leal (PP), Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre em 2019 e vereadora mais votada do Progressistas e da sua coligação nas eleições de 2016, conta que ser mulher na política é manter o espaço que é de direito dentro desse meio masculino, e se sentir contribuindo para a conquista de mais igualdade entre homens e mulheres, que vem sendo intensificada nas últimas décadas. “Ser eleita é também representar outras mulheres, incentivar a presença feminina na política e combater o machismo. Somos mais que indicadas para levantar pautas, discutir e fiscalizar permanentemente as políticas públicas para as mulheres, e isso já é um ganho”, declarou a vereadora.

Mônica relata que na época em que era presidente da Câmara sofreu diversas ações propositais pelo fato de ser mulher. Ela explica que quando se manifestava contra o prefeito ou projetos do Executivo, cansou de ouvir dos líderes do governo municipal que “a presidente era nervosa e estava alterada”. Para a parlamentar, se um vereador homem se manifestava da mesma forma, não havia esses comentários preconceituosos: “Fui vítima de machismo quando da discussão do quinto impeachment contra o prefeito de Porto Alegre, e da sessão que apreciou o projeto que desobrigava a presença de cobradores no transporte público. Posso dizer que me causou mal-estar, mas não deixei de registrar os ocorridos e nunca me calei”.

Este silenciamento não acontece somente no âmbito presencial. No dia 21 de agosto, Fernanda Melchionna realizou a apresentação do programa de sua pré-candidatura à prefeitura de Porto Alegre em formato online. Porém, houve um ataque virtual na videoconferência, onde foram expostas imagens do Presidente da República Jair Bolsonaro com armas e mensagens preconceituosas.

“Como disse a socióloga Rosana Pinheiro Machado, se a extrema direita venceu, com Bolsonaro no poder, as feministas, antirracistas e LGBTs também. A bancada feminina eleita em 2018 foi a maior da história, saltando de 53 para 77 deputadas. Obviamente que, comparando esse crescimento de 15% com o 51% da população feminina na sociedade — e levando em conta que nem todas as parlamentares defendem as bandeiras do movimento feminista — esse número é muito baixo, mas se a porta da política ainda está em parte fechada para as mulheres, organizadas, tenho certeza que nós iremos derrubá-la”, declarou Fernanda Melchionna.

Durante a época de pandemia e isolamento social em função do novo coronavírus, a maioria das reuniões e palestras profissionais estão sendo realizadas através de aplicativos de videoconferência, como o Zoom, por exemplo, e, mesmo virtualmente, muitas das reuniões focadas em mulheres na política estão sendo silenciadas. Luciana Panke — professora e coordenadora da graduação em Publicidade e Propaganda da Universidade Federal do Paraná (UFPR), autora de livros como “Campanhas eleitorais para mulheres e Lula: do sindicalismo à reeleição” e pós-doutora em Comunicação Política pela Universidad Autónoma Metropolitana (México), sendo referência na América Latina quando o assunto é política e mulheres — conta que, durante este período de pandemia, participou de quatro reuniões que foram hackeadas e atacadas, sendo uma delas do Brasil e as outras internacionais, e todas as reuniões tinham algo em comum: falavam sobre o protagonismo feminino.

Segundo Luciana, os hackers começam atacando as reuniões com áudios, gritos e, muitas vezes, com áudios pornográficos. Além de escrever palavras preconceituosas e palavrões no chat da videoconferência. O ataque mais pesado que a professora presenciou, foi em um evento internacional realizado por um observatório político do Equador. Esse evento inclusive foi cancelado no dia de sua realização pelo tamanho da repercussão e violência que teve e remarcado para a semana seguinte.

Protagonismo feminino é o tema de pesquisa que Luciana Panke estuda no Brasil e na Líbero-América (Foto: Arquivo pessoal)

Luciana era uma das palestrantes na ocasião, quando teve o seu powerpoint riscado: “Tudo que estava lá foi riscado e apagado, isso foi bastante violento, porque era como se aquilo não tivesse valor. Como se a minha mão não dominasse o mouse”. Ela ressalta que muitas pessoas lhe falavam que aqueles ataques eram somente bots (robôs), não hackers, minimizando a situação. Foi então que ela notou uma banalização do que estava acontecendo. “Se a gente não expõe fica banalizado, como se fosse só uma máquina que estivesse fazendo, e não como se fossem pessoas que estão por trás, com discurso de ódio realmente. Não só ódio por mulheres que estão se manifestando, mas por discursos progressistas, ou por qualquer outra pauta que seja divergente de um discurso mais ‘comum’ ou ‘conservador’”, conclui.

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou em 2018 um estudo de Estatísticas de Gênero (atualizado em março de 2019), salientando a enorme diferença entre homens e mulheres no poder. A pesquisa destaca que as mulheres estudam mais, trabalham mais e ganham menos que os homens. O estudo ainda mostra que “uma combinação de fatores pode explicar essa diferença. Por exemplo, apenas 39,1% dos cargos gerenciais eram ocupados por mulheres; essa diferença aumentava com a faixa etária, indo de 43,1% de mulheres em cargos de chefia no grupo até 29 anos de idade e até 31,8% no grupo de 60 anos ou mais”.

De acordo com a deputada Fernanda Melchionna, a ampliação da representatividade das mulheres na política segue sendo uma das principais bandeiras de luta feminista. “Em um país em que a população feminina é de 51,6%, somente a discriminação de gênero, sustentada em uma sociedade patriarcal, explica o fato de ainda sermos sujeito incomum nos espaços de poder”, conclui.

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