O sonho de ganhar os céus

Tradição na praia de Torres, o balonismo norteia histórias de moradores, visitantes e competidores

Vitorya Paulo
Redação Beta
4 min readOct 5, 2020

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Festival Internacional de Balonismo ocorre tradicionalmente em Torres nos meses de abril e maio (Foto: Vitorya Paulo/Beta Redação)

Aos 10 anos de idade, Murilo Hoffmann de Souza pulou os muros da casa onde morava. Olhando para cima, ele perseguia algo grande e colorido: um balão que cortava o azul do céu lentamente, como se estivesse num vagaroso desfile. A cena não era incomum para o menino, que cresceu acompanhando de longe o subir e descer de balões na cidade de Torres, no litoral norte do Rio Grande do Sul. Hoje, aos 31 anos, Murilo não precisa mais correr para persegui-los. Ele é o campeão do Festival Internacional de Balonismo de Torres, evento que ocorreu pela última vez em 2019 e que, em 2020, foi adiado por conta da pandemia do novo coronavírus.

Murilo Hoffmann, atual campeão do Festival Internacional de Balonismo (Foto: Franklin Rosa/Divulgação)

Ele também é campeão nas cidades gaúchas de Venâncio Aires e Bento Gonçalves, que possuem suas próprias competições de balonismo. Mas foi em Torres que conquistou o que define como o maior orgulho de sua vida. “Eram 65 balões competindo. Nos meus quase 10 anos de piloto, já ter conseguido essa façanha foi a minha maior realização no balonismo até hoje”, relata emocionado, referindo-se à conquista de 2019.

Para conquistar o título do Festival é preciso passar por nove provas. As mais conhecidas são a “caça à raposa”, em que um balão, a “raposa”, é perseguido pelos demais balões, que tentam pousar o mais próximo possível dela. Já na “prova da chave” o objetivo é apanhar com as mãos, de dentro do balão, a chave de um carro novo, colocada dentro de uma sacola fixada no alto de um mastro de seis a 10 metros de comprimento, sem tocar no solo.

Murilo pilota balões desde 2011. Ele é formado e credenciado pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), órgão que gerencia as licenças de atletas no esporte. Atualmente, é proprietário da Ômega Balonismo, empresa que realiza passeios comerciais pelos céus de Torres. Com 14 balões, o negócio também se sustenta com as propagandas aéreas, em que outras empresas adquirem balões com seus logos estampados. De acordo com Murilo, os passeios custam, em média, de 500 reais a 600 reais, com duração de 40 a 60 minutos. O elevado valor se explica pelo custo do equipamento: um balão pequeno, com capacidade para duas pessoas, custa, no mínimo, 60 mil reais, podendo chegar a 150 mil reais. “Voamos em qualquer data do ano, sempre no nascer do sol e no final da tarde, quando há menos vento”, explica.

Para a prática do balonismo, os ventos não podem ultrapassar 15km/h. Conforme ressalta a presidente da Federação Gaúcha de Balonismo, Laís Pinho, 27 anos, o esporte é seguro e sujeito a grandes aventuras. O que rende boas risadas são o que ela chama de “perrengues” pós voo. Isso acontece, por exemplo, quando o balão pousa em algum lugar de difícil acesso ao carro de apoio.

Laís é a atual campeã da terceira e quarta etapas do Campeonato Gaúcho de Balonismo e afirma que o esporte norteia a sua vida. “Em 2003, ganhei um voo com a minha mãe. Desde esse dia, fiquei completamente apaixonada e vi que o meu mundo seria mais colorido. Comecei a estar todos os anos mais envolvida”, conta. Em 2018, ela tirou seu brevê (como é chamada a licença dos pilotos de balão) e começou a competir profissionalmente.

Laís Pinho é presidente da Federação Gaúcha de Balonismo. (Foto: Arquivo pessoal)

A piloto conta que, durante a pandemia, a procura pelo esporte aumentou. “Hoje, estamos com crescimento no balonismo, não em eventos, mas em relação a pessoas que querem ter o primeiro contato. O brasileiro aprendeu a procurar mais o que tem dentro do próprio país. Antes, o pessoal viajava muito para fora, e agora, isso mudou. A procura está sendo muito grande para as pessoas que querem experimentar voar, estão viajando a passeio, e assim, aumentado o turismo interno”, explica.

Para ela, o cancelamento do Festival de 2020 foi frustrante não só para os pilotos, mas para toda a cidade de Torres que espera, ansiosa, pelo evento anual. “Os campeonatos não acontecem sem o público. A gente vai pontuando no ranking para poder ir pra fora do país, para participar de outros campeonatos também. Torres trabalha o ano inteiro para o festival, e tenho certeza que a dor não foi só dos pilotos”, desabafa.

A opinião é compartilhada pelo secretário de Turismo, Cultura e Esporte de Torres, Fernando Nery, que acredita no balonismo como parte da identidade cultural da cidade. “É um esporte que coloca Torres no calendário dos grandes festivais do estado, sendo um dos principais eventos do mundo. Hoje, somos o quarto maior evento da área, perdendo apenas para Albuquerque, Saga e Nice[nos Estados Unidos, Japão e França, respectivamente]”, afirma.

Para ele, não realizar o Festival representa um grande prejuízo para a cidade, que tem no turismo sua principal atividade geradora de renda. “Torres tinha a marca de ser o único festival do mundo a ter sido realizado por 32 anos ininterruptos, o que acabou sendo cerceado pelo destino. É uma lástima”, desabafa. Porém, planos já estão sendo feitos para 2021. A previsão do secretário é que os balões voltem a colorir — e competir — nos céus de Torres no feriado de Tiradentes, em 21 de abril.

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Vitorya Paulo
Redação Beta

Jornalista, nascida no Rio Grande do Sul mas com sotaque indefinido. Apaixonada por cachorros, gastronomia italiana, maquiagem, bom senso e empatia.