Convite para o evento que falou sobre o projeto de curadoria. (Foto:Divulgação/Fundação Vera Chaves Barcellos)

Presença e significado: o caminho da obra até a exposição

Em “Eu estou aqui agora”, curadoras compartilham o processo de montagem da mostra

Maria Júlia Pozzobon
Redação Beta
Published in
4 min readOct 22, 2019

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Tudo começou de uma vontade maluca. A artista plástica Elaine Tadesco, 56 anos, fez uma visita a uma exposição e sentiu o desejo de fazer uma curadoria. Dois anos e algumas experiências depois, no dia 16 de outubro, no Museu de Artes do Rio Grande do Sul (MARGS), Elaine mediava a atividade paralela Eu estou aqui agora, que promoveu conversações sobre o trabalho de curador, profissional responsável pela organização, escolha e montagem de mostras de arte e sobre a exposição homônima, que ocorre na Fundação Vera Chaves Barcellos.

Elaine e a amiga Luísa Kiefer, também artista plástica e crítica de arte, resolveram trazer para essa mostra a ideia de passado e presente. “Nada foi muito inovador, pois foi uma estratégia que já tinha sido adotada antes, mas eu me sinto confortável de estar falando sobre o processo de criação de exposição. Senti que precisava falar sobre isso”, explica Elaine. Para a artista, elas teriam que apresentar algum diferencial nessa exposição. Então, surgiu a ideia de falar dos trabalhos de Vera Chaves Barcellos, que conversavam com essa temática.

O primeiro passo das artistas foi sentar e analisar as obras de Vera e medir a intensidade de suas reações perante aquelas imagens. “Estabelecemos que as escolhas teriam que despertar reações em ambas”, destaca Luísa.

Após isso, elas levaram suas observações para outras especialistas em artes e chegaram à conclusão de que não queriam trabalhar com obras que tivessem sido expostas nos últimos dois anos. “Tínhamos que achar um nome para a exposição, e foi quando lembramos de uma performance da Vera em um livro onde aparecia muitas vezes a frase ‘Eu estou aqui agora’. Achamos ótimo para colocar de nome em uma exposição, porque a palavra ‘agora’ apresentaria uma sensação de estar presente naquele momento”, conta Elaine.

As curadoras, Elaine e Luisa, com as artistas, Fernanda e Camila (Foto: Maria Júlia Pozzobon/Beta Redação)

Ela cita os cinco passos do entendimento de uma obra: o estado de presença, substâncias, materialidade, formas de significação e o objeto em si. “Esse conjunto te desperta uma reação que só poderá se sentir se estiver ali, no ‘agora’”, enfatiza. Assim, há uma significação que cada um interpreta perante a obra, além de uma reação coletiva, completa Elaine.

“Tudo isso que falamos está presente na exposição, mas são reflexões que começaram há muito tempo, quando sentamos e estudamos a fundo cada obra. Não partimos de um conceito pré-definido, mas das reações que cada obra nos despertava, para, daí sim, estudar a fundo a teoria de cada uma”, explica Luísa.

Para Elaine, além da seleção de obras, é necessário que a exposição toque a vida do público. “Além do visitante estar presente para contemplar, existem obras que solicitam a participação e engajamento.” Muitas obras presentes na mostra exigem que o visitante coloque os fones de ouvido para escutar, folheie as páginas dos livros para entender. “A obra tem um passado inteiro para conseguir chegar ali na exposição, porém convoca um envolvimento físico de quem está diante dela no momento”, elucida.

Essas e outras concepções sobre arte e curadoria foram repassadas pela dupla na atividade paralela do dia 16. No encontro, um professor de artes questionou Elaine e Luísa sobre dicas para ser curador de uma exposição bem-sucedida. Elaine respondeu que é necessário pensar com o coração e sentir com a mente e Luísa explicou que não tem fórmula. No caso de Eu estou aqui agora, segundo Luísa, a exposição vem dando certo porque foi pensada com fluidez, colocando-se no lugar do visitante.

Outra participante da atividade, a professora de artes para crianças Marga Kremer explicou que a relação direta com as obras exige concentração e tempo dos visitantes. “O mais legal dessa exposição é que precisamos ficar quietos para entender o que a obra quer nos transmitir. Muitos vídeos apresentados conseguem fazer com que crianças hiperativas parem para prestar atenção e criar intimidade com a obra”, destacou. A professora comentou que era a primeira exposição em que conseguia fazer com que os alunos tivessem mais engajamento, pois a mostra tem densidade, sustentabilidade e leveza necessárias para que isso ocorra — além de um tom de humor que, segundo a professora, é fundamental para a atenção das crianças.

Obra de Fernanda Gassen comentada na atividade paralela. (Foto: Maria Júlia Pozzobon/Beta Redação)

Fernanda Gassen, artista visual e professora de artes na UFRGS, tem um trabalho sobre feminicídio na exposição: Menos 46.186. É um quadro com os nomes de 46.186 mulheres vítimas desse crime no Brasil durante os anos de 2003 até 2011. Para a professora Marga, essa obra tem feito sucesso com o público adolescente, pois, além de tirar os alunos do celular, faz com que eles se envolvam. “Enquanto os nomes vão aparecendo, aumenta o peso com que a gente está trabalhando ali, e esse peso é direto, já vi meninas chorando e lacrimejando. Já vi gente sentir a violência na carne, sem nem saber a história daquela pessoa”, relatou.

A exposição Eu estou aqui agora fica até o dia 14 de dezembro na Fundação Vera Chaves Barcellos e tem entrada gratuita.

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