OMBUDSWOMAN: Antes de ir à campo, sinta!

Se a pauta está distante de nós, usar todos os nossos sentidos é a melhor ferramenta de trabalho

Thanise Melo
Redação Beta
5 min readSep 15, 2022

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Uma aula híbrida pode ser comum: professores e professoras entram na chamada, em seguida os estudantes. As pautas surgem e o debate acontece. Mas, e se dessa vez fosse diferente? Em uma redação, antes mesmo de apurar a reportagem, o maior presente que jornalistas podem receber são especialistas que desejam falar, contar histórias, nos instruir a percorrer outro caminho, e quem sabe, ir atrás do que não lhes é comum.

Então, leitor ou leitora, me deixe antecipar a conversa: desta vez foi diferente do habitual!

Na data de 21 de setembro, está registrado no calendário dos brasileiros e brasileiras o Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência. Indo de encontro ao tema, a Beta Geral, não de forma autônoma, mas, sim, coletiva, proporcionou uma espécie de roda virtual com diferentes representantes da causa para uma conversa. Alunos e alunas estiveram por mais de 2h atentos ao debate sobre as pessoas, os momentos, as vivências, as ridicularizações, o aceitamento, a inclusão social e a temática no trabalho da mídia.

Antes de concluir esse texto e dos demais colegas definirem suas pautas, nos encontramos virtualmente com a jornalista e escritora Lelei Teixeira, autora do livro E Fomos Ser Gauche na Vida, que compartilha sua história e a da irmã, ambas com nanismo. Na oportunidade, também ouvimos Lucia Vargas, da Associação Canoense de Deficientes Físicos, ACADEF, além de Eva Maria Bueno e João Batista Mandelli, da Associação de Amigos dos Autistas, a AMA de São Leopoldo.

O corpo tem diferentes formas de expressão. O preconceito não! (Foto: Freepick/Banco de imagens)

Narrando novas perspectivas

Um corpo pode ter diferentes formas e formatos. Alguns são mais baixos, outros mais altos, podem ser mais gordos, outros mais magros. Mas todos são corpos movimentados por uma vida que, provavelmente, engrandece outras existências, inclusive a nossa. O trabalho de um jornalista não é definir corpos, mas, sim, narrar os caminhos que os trouxeram até o momento da reportagem.

Qual a graça teria o mundo se todos nós pensássemos iguais?
Como poderíamos criar nossa própria identidade se todos tivéssemos o mesmo padrão?

Dizem que pessoas com algum tipo de deficiência veem o mundo de outra perspectiva. É verdade! Não há calçadas adequadas, não há mercado de trabalho, que dirá políticas públicas eficazes para transformar esse cenário. Ainda, temos agentes públicos que acreditam que crianças com deficiência “atrapalham” e que “é impossível a convivência” com outros colegas. Frases como a do ministro da Educação, Milton Ribeiro, no mês passado, são denunciadas por jornalistas.

Ministro, não há nada de especial nisso!

É trabalho de todos os que constroem o jornalismo mostrar que a população menos atendida entre as minorias sociais é a de pessoas com deficiência, seja por puro preconceito ou por falta de interesse do setor público e privado em trazer soluções para estas pessoas.

Então lhe pergunto: até que ponto vai a inclusão? Onde estão as pessoas com deficiência nas redações, nos cargos públicos, nas escolas e universidades, na segurança pública?

Ideias capacitistas são liberadas a partir do pensamento de que uma pessoa com qualquer deficiência seja limitada ou incapaz. Se nós não darmos visibilidade a essa parcela da população, encontraremos o preconceito, mais umas vez, escancarado não só nas páginas de jornais ou em sites, mas no dia-a-dia. Você com certeza já ouviu “dar uma de João sem braço”, “dar uma mancada”, “está cego/surdo?” ou um “fingir demência”, todas essas expressões saem de um corpo mergulhado em um padrão social bem distante da realidade.

Perceba todos os lados

Acolher a diferença também é ter como fontes pessoas com deficiência (Foto: Freepick/Banco de imagens)

Até pouco tempo atrás, a mídia tradicional não abordava a luta contra as formas de exclusão social das pessoas com deficiência, mesmo elas representando mais de 17 milhões de cidadãos e cidadãs no Brasil, segundo o IBGE. Em grande maioria, as reportagens seguem estereótipos do jogo comum: narrativas de solidariedade, de superação ou de como descobriu ou como sofreu preconceito. Hoje, por exemplo, o caminho até avançou, volta e meia startups criam acessórios como mouses ou óculos para pessoas com deficiência visual ou física. Não é ótimo? (Lê-se com ironia).

Onde estão narradas as deficiências intelectuais? E as auditivas?

Das mais sutis e veladas, esconder a deficiência nos jornais impressos, televisivos ou nos rádios é omitir a principal função do jornalismo: informar. Não dar prioridade durante as pautas é contribuir para uma agenda política que mal debate a vida e a existência dessas pessoas na sociedade. É seguir invisibilizando uma causa de milhões.

Os meios de comunicação são agentes importantes na cultura de massas, facilitam a troca de ideias e de soluções coletivas. Se o jornalismo não contribuir para o desenvolvimento e a inclusão social através de suas coberturas, como a imprensa vai seguir se posicionando? Se a Beta Geral tratar do tema apenas em datas específicas, que tipos de jornalistas vamos estar formando?

Voltemos ao início do texto, a conversa com Lelei, Lúcia, Eva Maria e João Batista… ela foi muito além das diferentes deficiências existentes em nossa bolha e para fora dela. O grupo nos mostrou que, definitivamente, todas as palavras e imagens que saem de nós têm o poder de mudar. Talvez não seja hoje, poderá ser amanhã. Mas, se ao menos você escrever sua pauta dando atenção às suas fontes, o modo de pensar será revisto a partir do agora.

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